outros bárbaros, tão doces, tão cruéis


fotos: daryan dornelles




Ao redigir, durante as filmagens, o manifesto que deu suporte ao seu primeiro longa metragem, “O Bandido da Luz Vermelha” (1968), o cineasta Rogério Sganzerla acabou por definir o que seria conhecido no Brasil como cinema marginal: produções autorais de baixo custo, filmadas em super-oito, intencionalmente kitsch e caracterizadas pelo experimentalismo, o improviso e a colagem conflituosa de vários gêneros cinematográficos. Em seu filme, Sganzerla burilou na fala de seu personagem principal o que bem poderia tornar-se a definidora de toda a produção underground da época: “Quando não se pode fazer nada, a gente avacalha e se esculhamba”. Em contraponto à grande mídia, o cinema marginal desenvolveu uma nova estética que possui muitos pontos em comum com a atual geração da música popular brasileira. Se a comparação, a princípio, pode parecer estapafúrdia, basta ater-se à história e a alguns trabalhos destes novos artistas para perceber as semelhanças. Forjada distante do grande mercado e em um processo quase artesanal, a neoMPB, assim como o cinema marginal, criou uma nova identidade à produção cultural do país, assumidamente fragmentada e caótica. Mesmo sem a virulência do cinema marginal, encontra-se certa dose de agressividade e de humor corrosivo em artistas como Rafael Castro, Lulina, Otto, Andreia Dias, Karina Buhr, Tatá Aeroplano, Clarisse Falcão e Banda Uó. As tensões entre a alta e a baixa cultura, tão presentes nas produções da Boca do Lixo, são devidamente replicadas pela neoMPB, visto os trabalhos de Cidadão Instigado, João Brasil, Bonde do Rolê, Felipe Cordeiro, Gaby Amarantos, ou mesmo as regravações de hits da música romântica, do forró ou do pagode, como “Garçom” por Filipe Catto, “Você não vale nada” por Tiê e “Poderosa” pela dupla Letuce. O experimentalismo também se revela um ponto em comum, ao se ouvir os álbuns de Rabotnik, Guizado, Isadora, 1/2 Dúzia de 3 ou 4 e Metá Metá. Por fim, mas por certo o mais importante, vê-se nesta geração a mesma capacidade inventiva do cinema marginal, ao tomar para si, na maioria das vezes de forma precária, a quase totalidade da produção de seus trabalhos. Assim, Kiko Dinucci tornou-se o principal responsável pela arte de seus álbuns e de seus projetos paralelos; Tulipa utilizou um de seus trabalhos em Paintbrush como capa de seu disco de estreia, “Efêmera”; Ava Rocha, munida de sua experiência na área de audiovisual, criou diversos clipes experimentais para sua banda, AVA, assim como também o fez a dupla Letuce. De forma artesanal, com uma liberdade conquistada por sua independência e ciente de sua transitoriedade, a neoMPB tem aí as suas mais pertinentes e revolucionárias características que, verdadeiramente, criaram uma nova estética dentro da música popular brasileira.
Exemplo desta comparação, a dupla carioca Letuce, mesmo que não intencionalmente, parece renovar determinados valores apontados por Sganzerla na década de 60: desde o discurso sexual desconcertante de suas composições, passando pela forte presença da estética kitsch, até a confecção de clipes autorais e de baixo custo. Formada em 2008 pelo músico Lucas Vasconcellos e pela multiartista Letícia Novaes, a banda se tornou um dos principais nomes da cena independente carioca. O casal, um misto de Rita Lee e Roberto de Carvalho com Serge Gainsbourg e Jane Birkin, lançou seu primeiro álbum, “Plano de Fuga Para Cima dos Outros e de Mim” (Bolacha Discos) em 2009, seguindo para uma série de shows pelo país, incluindo os festivais Grito do Rock (Volta Redonda) e SWU (SP), e também pelo exterior -Paris e Londres-. Em 2011, a banda foi indicada ao Prêmio Multishow na categoria “Experimente”, além de ter sido uma das Apostas MTV. Neste mesmo ano, no Festival de Gramado, a dupla recebeu o prêmio de Melhor Trilha Sonora Original de Longa Metragem pelo filme “Riscado”, de Gustavo Pizzi. Em 2012, através de um financiamento coletivo, o casal lançou seu segundo álbum,“Manja Perene”, e participou de “A Take Way Show”, série de filmes do cineasta e fotógrafo francês Vincent Moon, lançado em seu site, “La Blogothèque”. Também conhecidos por suas múltiplas atividades, Lucas e Letícia foram os responsáveis pelos projetos “Churrasquinho Sunset” - onde interpretaram sucessos radiofônicos nacionais e internacionais - e, juntamente com qinhO e a bateria da escola São Clemente, pelos anticonvencionais bailes carnavalescos do “Bloco dos Clementianos”. Atualmente, a dupla se apronta para o projeto “Palavras Cruzadas”, onde, acompanhada pelo cartunista André Dahmer e pela poeta Bruna Beber, transformará o centro cultural Oi Futuro Ipanema em uma grande embarcação e apresentará um repertório inédito e temático.
Mesmo ocupados com tantos projetos e uma intensa agenda de shows, Lucas e Letícia receberam o Banda Desenhada em sua casa, no Rio Comprido. A longa e bem humorada entrevista, devidamente acompanhada por um bœuf bourguignon e algumas garrafas de vinho, se deu em meio à comemoração de aniversário do primeiro ano do site. Nela, o casal fala de sua carreira, influências, da banda Binário – precursora de grande parte da atual cena carioca -, e a relação com a crítica e seus colegas de geração.

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rebento, substantivo abstrato


fotos: daryan dornelles


Utilizado anteriormente para descrever boa parte da produção musical da década de 1990, o termo neotropicalista acabou por voltar à cena, em mais uma tentativa de classificar a atual geração da música independente brasileira. Mesmo que utilizado com bastante moderação, o termo não deixa de ter sua relevância. Surgido no final dos anos 60, em meio ao recrudescimento da ditadura militar e a um veloz desenvolvimento urbano-industrial, o tropicalismo veio a se opor esteticamente ao que se produzia nas fileiras da então chamada MPB. Forjada nos festivais de música do período e com forte influência da bossa nova, a MPB se caracterizava mais pelo seu caráter contestatório e doutrinário – com destacada preocupação pelas causas sociais e a defesa das tradições populares – do que, necessariamente, por seu espírito vanguardista. O tropicalismo, por sua vez, propunha uma ruptura brutal dos dogmas de então e promovia um sincretismo que, endossado pela antropofagia modernista de Oswald de Andrade, mostrava-se voraz ao deglutir elementos considerados distintos ou mesmo antagônicos: o erudito e o kitsh, a cultura nacional e a cultura de massa, o arcaico e o moderno. Na tentativa de internacionalizar e adequar, de forma propositadamente tensa, a cultura brasileira aos paradigmas da época, o tropicalismo concebeu uma nova e dinâmica identidade nacional que ainda reverbera na atual produção artística do país, seja nas artes plásticas, no teatro ou, mais destacadamente, na música.
Cerca de 40 anos após o surgimento do tropicalismo, o Brasil passa novamente por uma crise. Com o desenvolvimento e a popularização das novas tecnologias e recursos como o mp3 e os sites de armazenamento, o mercado fonográfico vem, paulatinamente, sofrendo perdas que provocaram a redução drástica dos castings das gravadoras, quando não a extinção destas. Paralelamente, sem os investimentos de outrora, viu-se a severa redução de espaços na mídia para a divulgação de trabalhos de novos artistas, principalmente os considerados menos comerciais. Assim, apostando em nomes que rendem uma incontestável e propícia margem de lucros, as gravadoras, juntamente com os grandes veículos de comunicação, foram por certo tempo responsáveis pelo empobrecimento da produção artística do país, limitando-se, fora raras exceções, aos axés, sertanejos, pagodes e outros tantos gêneros devidamente pasteurizados. Somente com o fortalecimento da cena independente – muito por conta do barateamento das tecnologias de gravação e da expansão das redes sociais - é que a música popular brasileira pôde ganhar novo fôlego e, por assim dizer, retomar a tão falada “linha evolutiva” que Caetano Veloso idealizara nos anos 60. Obviamente, não faltam diferenças entre o tropicalismo e a atual geração que, carente de um nome melhor, vem sendo chamada, entre outros termos, de neoMPB. Contudo, é curioso perceber a capacidade de resposta que tanto artistas da geração 60 quanto a 00 foram capazes de elaborar em meio à crise, seja social, de mercado ou política. Curiosamente, mesmo que imbuída de um vocabulário pop e sendo fortemente caracterizada por um niilismo e cosmopolitismo típicos de nossa época, a neoMPB, diferentemente do tropicalismo, desenvolveu uma relação dúbia com as antigas corporações, pendendo muito mais para a animosidade do que para a conciliação. Entretanto, se em seu discurso, a cena independente brasileira parece, por vezes, distante de qualquer propósito vanguardista, ela ainda consegue, ao seu modo e com suas devidas limitações, expressar em sua produção as mudanças e contradições de seu tempo, construindo assim uma nova identidade para a música brasileira que remete claramente ao substrato tropicalista. Assim, tal qual um moto contínuo, o ideário de artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, José Celso Martinez Corrêa, Hélio Oiticica e Glauber Rocha ainda se faz presente e se torna de extrema valia não só como referência para a atual produção, mas também para a análise desta.
Filha dos cineastas Glauber Rocha e Paula Gaitán, Ava Rocha parece representar melhor do que ninguém as tensões por que vem passando a música contemporânea brasileira. Reconhecida por seus trabalhos como montadora e diretora na área de audiovisual, Ava tem em seu currículo dezenas de projetos, entre eles “O Naufrágio Lento no País das Maravilhas” (2002), “Quimera” (2004), “Dramática” (2005), “Intervalo Clandestino” (2006), “A Estrada Real da Cachaça” (2008) e “Transeunte” (2010). Mais recentemente, lançou seu primeiro longa metragem, o documentário experimental “Ardor Irresistível” (2011), onde registrou a montagem e a encenação de “Os Sertões”, do Grupo Oficina, na cidade de Canudos (BA). Não por acaso, Ava já havia integrado o grupo de Zé Celso, onde teve a oportunidade de cantar pela primeira vez. A partir desta experiência, a artista uniu-se a Emiliano Sette (violão), Daniel Castanheira (percussão e eletrônicos) e Nana Carneiro (violoncelo e vocal) para formar a banda AVA. Caracterizada por uma experimentação artística que promove o entrecruzamento de música, happening, literatura e vídeo-arte, o grupo chamou a atenção da Warner Music e lançou pela gravadora seu primeiro álbum, “Diurno” (2011).
Envolvida com a montagem do primeiro clipe oficial da banda, “Filha da Ira”, e os preparativos para a chegada de sua primeira filha, Uma, Ava Rocha aceitou o convite do Banda Desenhada e nos concedeu esta entrevista que começou com um bate papo em uma praça no bairro da Glória (RJ) e se estendeu por mais algum tempo em uma sucessiva troca de e-mails e conversas em redes sociais. Neles, a cantora nos falou a respeito de sua carreira, do seu processo de criação, do cenário musical brasileiro e, entre outras coisas, da influência de seu pai e do tropicalismo na atual geração da MPB:

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roquenrol bim-bom


apanhador só (da esquerda para a direita): fernão agra, felipe zancanaro, martin estevez e alexandre kumpinski | fotos: daryan dornelles

Desde os anos 60, o Rio Grande do Sul abastece o cenário musical brasileiro com um sem número de influentes bandas de rock. O gênero, que já se fazia presente na Porto Alegre da década de 1950, animava os salões de bailes e festas com os conjuntos melódicos Norberto Baldauf, Renato e Seu Conjunto, Flamboyant, Flamingo, Stardust, Mocambo e Poposky e Seus Melódicos. Entretanto, o rock só ganhou destaque na década seguinte, com o surgimento da joverguardista Os Brasas e, mais à frente, a Liverpool. Esta, com forte influência da tropicália e do rock inglês, foi rebatizada em 1971 de Bicho da Seda, tornando-se a banda mais emblemática da história do rock gaúcho.
A segunda metade dos anos 70 foi extremamente prolífera para a cena da região: com o apoio dos jornais e, principalmente, da Rádio Continental AM, diversos artistas conseguiram registrar e divulgar seus trabalhos, destacando-se os Almôndegas – de Kleiton e Kledir –, Hermes de Aquino, Bizarro, Bobo da Corte, Inconsciente Coletivo, Hallai Hallai, Gilberto Travi e o Cálculo IV, entre outros. A década de 1980, por sua vez, foi marcada pela coletânea Rock Grande do Sul. Lançado em 1985 pela gravadora RCA, o álbum apresentava as bandas DeFalla, Engenheiros do Hawaii, Os Replicantes, TNT e Garotos da Rua. A partir daí, viu-se a ampliação e consolidação do rock produzido nos Pampas, caracterizando-se tanto por sua intensa produção quanto pela diversidade. Com referências capazes de variar do indie rock ao funk carioca, bandas como Acústicos & Valvulados, Papas da Língua, Bidê ou Balde, Cachorro Grande, Comunidade Nin-Jitsu, Cartolas, Superguidis, Pública, Pata de Elefante e Apanhador Só conquistaram espaço e ingressaram no cenário pop rock nacional.
Destacando-se das demais bandas por sua forte ligação com a música popular brasileira, Apanhador Só foi exaustivamente comparado ao grupo carioca Los Hermanos e, por tabela, incluído no hall da neoMPB. A banda, inicialmente formada por amigos de colégio, é atualmente composta por Alexandre Kumpinski (vocal e guitarra), Felipe Zancanaro (guitarra), André Zinelli (bateria) e Fernão Agra (baixo). Em 2006, lançou seu primeiro EP, “Embrulho Pra Levar”, ganhando com ele o Festival de Bandas Trama Universitário. Dois anos depois, o grupo promoveu seu segundo e homônimo EP, tendo conseguido, após algumas tentativas frustradas, a aprovação de seu disco de estreia pelo Fumproarte (Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto Alegre). Lançado em 2010, “Apanhador Só” figurou nas listas de melhores discos do ano em boa parte das revistas e sites  especializados, ganhando também o Prêmio Açorianos de Música nas categorias de “Melhor Álbum Pop”, “Melhor Produtor Musical” (Marcelo Fruet) e “Melhor Projeto Gráfico” (Rafael Rocha). O disco, além de sua versão física, foi disponibilizado para download gratuito no site da banda. Logo em seguida, o grupo se lançou no projeto que há tempos vinha desenvolvendo, o “Acústico-Sucateiro”, realizando pequenos shows em espaços públicos e utilizando como instrumentos sucata e outros objetos inusitados (conduíte, cantil, panela, sineta de recepção, etc.). Desta experimentação, surgiu o álbum “Acústico-Sucateiro” (2011), gravado na sala de casa de Alexandre e  comercializado no formato de fita cassete. Este ano, em meio aos preparativos para o novo álbum que sairá em 2013, a banda lançou “Paraquedas”, um compacto em vinil com duas faixas produzidas por Curumin e Zé Nigro, estreitando assim os laços com a já notória cena paulistana.
Em meio à turnê para a divulgação de seu último clipe, “Nescafé”, Apanhador Só esteve em abril no Rio de Janeiro, onde se apresentou no Studio RJ ainda com o seu antigo baterista, Martin Estevez. Aproveitamos a ocasião e convidamos Alexandre e Felipe para esta entrevista. Após a seção de fotos na cobertura de um shopping em Copacabana, a dupla nos falou de sua carreira, rock gaúcho, Los Hermanos e tropicalismo, entre outros assuntos.

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olhando o movimento


fotos: daryan dornelles

Mesmo que a cada dia mais indefinível, a MPB sempre se caracterizou pela mistura indiscriminada dos mais diversos gêneros musicais. Esta fórmula, levada às últimas conseqüências pelo movimento tropicalista, vem servindo, ao longo dos últimos 50 anos, às gerações de artistas que, em busca de uma identidade, se apropriam e aglutinam estilos musicais que variam do samba à música eletrônica, do baião ao rock'n'roll. Em 1972, sob forte influência da Tropicália, os Novos Baianos reafirmaram o caráter híbrido de nossa música ao lançarem o clássico “Acabou Chorare”, um dos mais importantes álbuns da história da MPB. Nos anos 80, mesmo com o predomínio do pop rock, foi a vez dos pernambucanos Lenine e Lula Queiroga lançarem “Baque solto” (PolyGram, 1983). O disco, ainda que pouco conhecido, deu continuidade às experimentações musicais das décadas anteriores e, em certa medida, trouxe alguns elementos que caracterizariam, em seguida, o manguebeat. Este, por sua vez, tornou-se uma das principais influencias para a cena musical contemporânea, em especial a desenvolvida por artistas independentes.
Após a rápida passagem pela PolyGram, Lula, radicado no Rio desde 1980, voltou à Recife. Lá, trabalhou por algum tempo em agências de publicidade até abrir sua produtora, Luni, onde realiza filmes, trilhas para cinema, comerciais e programas para TV. Em 1998, “A ponte”, composição sua e de Lenine, ganhou o prêmio Sharp de “Melhor Música”. Três anos depois, Lula finalmente voltou aos estúdios, lançando pela gravadora Trama seu primeiro disco solo, “Aboiando a vaca mecânica”. Por conta deste trabalho, recebeu em 2002 o prêmio de “Melhor Compositor”, na categoria  “Música Popular”, pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Em 2005, lançou de forma independente o CD  “Azul invisível vermelho cruel e, em parceria com Zé Renato, compôs A moça na janela, participando do Festival Cultura, da TV Cultura de São Paulo, onde classificou-se em terceiro lugar. Foi responsável pela produção e direção, junto aos cineastas Leo Crivellare e Roberto Berliner, do premiado documentário “Pindorama, a verdadeira história dos sete anões”(2007), sendo também autor de sua trilha sonora. Em 2009, Lula lançou seu terceiro e elogiado disco, “Tem juízo mas não usa e, em 2011, Todo dia é o fim do mundo.
Gravado por grandes nomes como Ney Matogrosso, Milton Nascimento, Maria Rita, Teresa Cristina, Zizi Possi, Elba Ramalho, Pedro Luís e a Parede, e Zélia Duncan, Lula Queiroga se tornou um dos mais importantes compositores da música popular brasileira. Ao longo de sua carreira, o artista nunca se absteve de dialogar com colegas de outras gerações, formando parcerias e se agregando aos jovens artistas da cena pernambucana, como Lirinha, China, Cannibal (Devotos), Fábio Trummer (Eddie) e a banda Nação Zumbi, além do paulistano Marcelo Jeneci.
Por conta disto, Lula Queiroga é uma das figuras mais importantes para a compreensão do atual momento da música brasileira. Poucos acompanharam de tão perto as reviravoltas da indústria fonográfica e conseguiram se manter ativos em um cenário que, até bem pouco tempo, era bastante inóspito para o artista independente. De passagem pelo Rio com a turnê de seu último álbum, Lula recebeu o Banda Desenhada  em seu apartamento na praia de Botafogo e nos falou, entre outras coisas, de sua carreira e da interação com os artistas da neoMPB:

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faíscas das britas e leite das pedras


fotos: daryan dornelles

Final dos anos 80. Após praticamente uma década com seu foco direcionado exclusivamente às bandas e aos artistas de pop rock, a música brasileira viu surgir um trio de cantoras que, ao retomar valores tão caros ao tropicalismo, se tornou ícone de sua geração e abriu espaço para que dezenas de outras artistas ganhassem visibilidade. Marisa Monte (“MM”, 1989), Adriana Calcanhotto (“Enguiço”, 1990) e Cássia Eller (“Cássia Eller”, 1990), ao lançarem seus álbuns de estreia, traziam consigo o estigma do ecletismo, que, visto por olhos um pouco mais apurados, remetia claramente à tão decantada antropofagia modernista e ao sincretismo estético, marcas registradas da Tropicália. Não por acaso, Marisa e Adriana gravaram respectivamente em seus álbuns “South American Way” e “Disseram Que Eu Voltei Americanizada”, em uma referência direta a um dos símbolos do tropicalismo: Carmen Miranda. Vanguarda de sua geração, Marisa Monte fez de seu primeiro disco um caldeirão de referências onde música italiana, jovem guarda, jazz, samba e rhythm and blues dialogavam sem pudores entre si. Adriana Calcanhotto, por sua vez, com sua postura bossanovista e humor peculiar, foi mais além, mostrando, ainda que timidamente, composições de sua própria lavra, como “Enguiço” e “Mortaes”. Por fim, Cássia Eller, com voz e performance rascantes, conseguiu sinalizar de forma contundente o que se tornou uma das principais características da geração seguinte: a atitude rock'n'roll e anárquica mesmo ao abraçar gêneros tidos tradicionais, como, por exemplo, o samba. Marisa e Adriana ainda têm como importantíssimo mérito dar fim ao machismo que, ao longo da história, dominou o universo da composição e produção musical brasileira. Ao se firmarem como compositoras e tomarem para si as rédeas de suas carreiras, inauguraram um novo cenário.
Pensar nos feitos destas três mulheres é importantíssimo para a análise da atual geração. Mesmo que pouco comentado, Cássia Eller, Adriana Calcanhotto e Marisa Monte são, direta ou indiretamente, responsáveis pelo surgimento das dezenas de cantoras/compositoras da chamada neoMPB. Seria no mínimo injusto deixá-las de lado ao pensar no espaço que hoje ocupam artistas como Vanessa da Mata,  Mariana Aydar, Roberta Sá, CéU, Tiê, Andreia Dias, Karina Buhr, Tulipa Ruiz, Marcia Castro, Ava Rocha, Luísa Maita, Nina Becker, entre outras.
Com mais de vinte anos de carreira e vencedora de dois Grammy Latino (“Melhor Álbum infantil”, 2006; e “Melhor Canção Brasileira”, 2010), Adriana Calcanhotto já lançou onze álbuns, incluindo os três de seu projeto infantil “Adriana Partimpim”. A partir de 2002, com o disco “Cantada”, a artista começou um intenso diálogo com músicos da nova geração, como o projeto +2 e a banda Los Hermanos. Conhecida por seu forte envolvimento com a literatura e as artes plásticas, Adriana já musicou poemas de Waly Salomão, Pedro Kilkerry, Carlos Drumond de Andrade e Mário de Sá Carneiro, além de fazer constantemente referência às obras de Hélio Oiticia. Em 2008, publicou o livro “Saga Lusa” (Editora Cobogó, 2008), onde relatou um surto psicótico induzido por medicamentos que a abateu durante a turnê do disco “Maré”, em Lisboa. Três anos depois, assinou as ilustrações do livro infantil "Melchior, o mais melhor" (Cobogó), do artista plástico Vik Muniz. Ainda em turnê com “Micróbio do Samba” (2011), seu último álbum de estúdio, Adriana recebeu o Banda Desenhada no escritório de sua assessoria e nos falou de sua carreira, da importância do tropicalismo e da relação com a atual cena musical brasileira.

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nostalgia, that's what rock'n'roll is all about

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“Caetano Veloso surpreende ao fazer um álbum de rock”, “Um dos melhores álbuns de rock da década”, “Caetano ganha vigor em seu retorno ao rock”... Estas frases facilmente podem ser encontradas na maioria das resenhas a respeito do festejado disco “Cê” (2006). Inspirado em bandas como Pixies, TV on the Radio, Arct Monkeys, Caetano foi ovacionado por boa parte da mídia e do público ao voltar a abraçar um gênero que, há décadas, vem sendo considerado sinônimo de contemporaneidade. O rock, presente no país desde o final dos anos 50, em maior ou menor grau, tornou-se matéria-prima para boa parte de nossa produção musical, como a jovem guarda, o tropicalismo, o samba rock, o BRock, o manguebeat e a neoMPB. Sempre em constante mutação, o gênero foi absorvido por gerações e mais gerações de músicos brasileiros em suas diversas formas: desde o rockabilly, passando pelo folk, a psicodelia, o rock progressivo, o heavy metal, o punk, o pós-punk, a new wave, até o indie rock e os seus subgêneros.
Surgido em meados do século passado no sul dos Estados Unidos, o rock tem em seu berço a forte influência do blues e da country music. Entretanto, aos poucos, o gênero foi deixando de lado suas origens e seu caráter contracultural até se tornar um dos maiores signos da cultura pop. Vinculado a um forte marketing que atrelou sua imagem a um estilo de vida transgressor e inconsequente, o rock ultrapassou facilmente os limites da música, associando-se de forma indelével à juventude e ditando regras de moda e comportamento durante toda a sua história. Contestador e excelente laboratório para experimentações, o rock, por diversos momentos, também vem sendo utilizado como mero adereço de um sem número de modismos. Talvez, justamente por este caráter dúbio, conseguiu se perpetuar, tornado-se um elemento comum à boa parte da produção musical planetária e símbolo inconteste de uma eterna e almejada juventude.
É sobre este e outros tantos assuntos que o Banda Desenhada conversou esta semana com o guitarrista e produtor Pedro Sá. Integrante da Orquestra Imperial e da Banda Cê, com a qual acompanhou Caetano Veloso em seus últimos álbuns, Pedro também integrou a extinta e cultuada banda carioca Mulheres Q Dizem Sim, juntamente com Domenico Lancelotti, Palito e Maurício Pacheco. Considerado um dos grupos responsáveis pela atual cena musical brasileira, lançou apenas um álbum, em 1994, pela gravadora Warner. Sob a alcunha de Mike Balloni, Pedro participou depois da divertida e pouco conhecida Goodnight Varsóvia (também chamada Gold Nigth Varsóvia ou Gold Nyte Warsawa), ao lado de Kassin, Léo Monteiro, Moreno Veloso e Maurício Pacheco. O guitarrista  esteve presente ao lado de Lenine nos álbuns "O Dia que Faremos Contato" (1997) "Na Pressão" (1999) sendo, pouco tempo depois, convidado por Caetano Veloso para participar do “Noites do Norte” (2000), dando início assim à parceira que se estendeu nos anos seguintes. Paralelamente, Pedro colaborou com o projeto +2 e foi responsável por produzir o álbum de estreia de Rubinho Jacobina, “Rubinho e Força Bruta” (2005). Integrando a banda Cê, ao lado de Marcelo Callado e de Ricardo Dias Gomes,  o guitarrista foi responsável, juntamente com Moreno Veloso, pela produção de “Cê” e “Zii e Zie”(2009). O músico também participou do recente retorno de Gal Costa aos estúdios, gravando com sua guitarra o álbum “Recanto” (2011). Entre outras tantas iniciativas, Pedro ainda desenvolve, ao lado de Domenico, o projeto de improvisação “Vamos Estar Fazendo” e produz os novos álbuns de Rubinho Jacobina e de seu irmão, Jonas Sá, além  do disco de estreia de Moreno Veloso, com quem realizou uma série de shows intitulada "Parque 72".
Decididos a entender um pouco mais sobre a origem da atual produção músical brasileira, convidamos Pedro Sá para uma entrevista, onde o músico nos contou de sua carreira e deu opiniões sobre a atual cena:

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samba tarja preta


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Agregadora. Esta é muito provavelmente a melhor palavra para designar a atual produção musical brasileira. Muito por conta da severa crise por que passa o mercado fonográfico, surgiu nos últimos anos, mais acentuadamente em São Paulo, uma nova e diversificada geração de artistas independentes cujos trabalhos vêm se caracterizando pela intensa cooperação de instrumentistas e produtores. Estes, se tornaram responsáveis por fomentar o diálogo entre os representantes desta nova cena, criando, ainda que de forma tênue, perceptíveis afinidades estéticas. Assim, Fernando Catatau, Gustavo Ruiz, Régis Damasceno, Guilherme Held, Dustan Gallas, Marcelo Cabral, Kassin, Pedro Sá, Thiago França, entre outros, vêm afirmando com seus trabalhos o caráter colaborativo da nova música brasileira.
Proveniente das rodas de choro e das noitadas de gafieira, o saxofonista Thiago França já se apresentou ao lado de grandes nomes como Nelson Sargento, Beth Carvalho e Roberto Silva. Em 2009, lançou seu primeiro álbum solo, “Na Gafieira”, ainda sob forte influência do samba. Entretanto, foi ao lado de Kiko Dinucci, Romulo Fróes, Rodrigo Campos, Juçara Marçal e Marcelo Cabral que o músico mineiro encontrou o espaço que buscava para dar vazão as suas experimentações, flertando com diversos gêneros como jazz, funk, música latina, afrobeat, rap e punk. Assim, em 2011, Thiago lançou, em parceria com Kiko Dinucci e Juçara Marçal, o elogiado Metá Metá. No mesmo ano, dessa vez com Marcelo Cabral e Tony Gordin, o saxofonista promoveu o álbum de seu projeto MarginalS. Mais recentemente, acompanhado de Kiko Dinucci, Marcelo Cabral, Samba Ossalê e Pimpa (Wellington Moreira), Thiago desenvolveu o Sambanzo, lançando este ano o álbum “Etiópia”. Em meio a tantos projetos, o músico ainda encontra disposição para participar de shows e gravações de seus colegas de geração, desde seus parceiros mais constantes, como Romulo Fróes e Rodrigo Campos, até artistas de outras searas, como Criolo, Gui Amabis, CéU e Lurdez da Luz.
Figura extremamente atuante na musica contemporânea brasileira, Thiago esteve de passagem pelo Rio acompanhando a turnê “Nó Na Orelha” de Criolo. O Banda Desenhada aproveitou a oportunidade para convidá-lo para esta entrevista onde nos contou de sua carreira, projetos, a relação com o samba e as religiões afro-brasileiras.

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