por márcio bulk
Tulipa foi o começo de tudo. Era julho de 2010, navegava pelo youtube quando me deparei com o vídeo da moça cantando "Às Vezes", no Trama/Radiola. Foi paixão a primeira vista: sua figura e voz destoavam por completo do que até então se via na MPB. As letras, pequenas crônicas de um cotidiano cosmopolita, davam uma sensação de cumplicidade às suas composições. Após um download rápido, fui envolvido por sushis, perfumes, árvores, passarinhos e brocal dourado: uma mistura de Vanguarda Paulistana com indie pop e “outras mumunhas mais”. Fiquei estupefato, "Efêmera" era, decididamente, um dos melhores discos que havia ouvido nos últimos anos. O encantamento foi tanto que espalhei aos quatro ventos as suas qualidades terapêuticas. Paulo Tristão, colaborador do Banda Desenhada, muito sabiamente, sugeriu que eu escrevesse a respeito e publicasse no site do amigo José Luiz Brandão, o Zé Offline. A receptividade foi inesperada e amedrontadora. Pouco tempo depois, fui ao show da moça, no Festival Faro MPB (RJ). Encorajado, cheguei a trocar algumas monossilábicas palavras com ela, elogiando seu álbum. Quanto ao espetáculo, mal Tulipa iniciou os trabalhos, a platéia passou a acompanhá-la em uníssono, cantando de cor todas as suas canções. Depois disto, outros shows vieram, assim como outros músicos: Letuce, Nina Becker, Thiago Pethit, Márcia Castro, Leo Cavalcanti, Marcelo Jeneci e etc... A quantidade de novos artistas, em sua maioria originários de São Paulo, era absurda! Nesse meio tempo, acabei sendo convidado pelo blog Não Serve Para Nada para fazer uma crítica sobre um dos seus shows, seguido de outro convite para uma entrevista. Foi o bastante: deixei de lado minha timidez natural e resolvi colocar meu bloco na rua. Com a ajuda de valorosos amigos e a generosidade destes artistas, surgiu o Banda Desenhada. Prestes a completar 1 mês, o site resolveu comemorar seu aniversário ao lado de sua musa inspiradora. Tulipa, em rápida e merecidíssima ascensão, viu "Efêmera" ser colocado no topo das listas dos melhores de 2010. Paralelamente, surgiram convites para participar de programas de TV e, até mesmo, realizar uma turnê pela Europa, divulgando seu disco recém lançado por aquelas bandas. Em meio a um turbilhão de shows pelo país, a moça disponibilizou uma brecha em sua agenda para uma rápida sessão de fotos e respondeu a algumas perguntas para o Banda Desenhada:
BD – Você já se referiu algumas vezes ao Robert Crumb – ícone dos quadrinhos alternativos – quando questionada sobre suas influências. Qual é a sua relação com as HQs? Você as consome muito? Já fez ou pensou em criar alguma tirinha?
BD – Você já se referiu algumas vezes ao Robert Crumb – ícone dos quadrinhos alternativos – quando questionada sobre suas influências. Qual é a sua relação com as HQs? Você as consome muito? Já fez ou pensou em criar alguma tirinha?
Tulipa Ruiz - Nunca pensei em criar uma tirinha porque minha relação é com os desenhos mesmo, ou melhor, com a ilustração de idéias. O Crumb sempre é comparado com pintores porque seu desenho fala. Mesmo suas HQs mais famosas não tem a continuidade comum, os quadrinhos parecem ser individuais. Acho isso um barato. Mas sobre HQs em geral, não sou profunda conhecedora, mas tenho minhas preferências. Gosto do francês/japonês Frédéric Boilet, que desenha como se tivesse uma câmera no olho, com enquadramento e plano sequência de cinema, coisa linda. Gosto dos mangás do Osamu Tezuka. Curto também o Pequeno Pônei, do Caco Galhardo, que é a história de um cara que é super revoltado, deprê e pônei, ou seja, fofo por natureza.
BD – Crumb, em diversas entrevistas, fala com bastante amargor da cultura pop norte-americana. Você, por sua vez, cita entre as suas principais influências musicais a Vanguarda Paulistana e Meredith Monk, que também passam bem distante do pop. Entretanto, contrariando o esperado, o seu som é definido como “Pop Florestal”. Como você lida, então, com essa dicotomia que é o alternativo versus mainstream?
Tulipa Ruiz - O pop florestal foi uma brincadeira que deu certo. O pop produto, o pop comercial, imposto pela indústria, não me interessa, como não interessa à minha geração, pelo menos entre as pessoas com quem convivo. O pop que eu considero tem a ver com pessoas, com seres humanos. Ele transcende o “alternativo” e o “mainstream”.
BD – Pode ser totalmente equivocada a comparação que farei agora, mas, a meu ver, a sua geração lembra muito a cena musical brasileira da década de 1980. Mais especificamente, a primeira leva do rock nacional (Gang 90 & as Absurdettes, Blitz, Titãs, Lulu Santos, Kid Abelha), com forte influência do cenário musical inglês e norte-americano, mas que remetia, ao seu modo, a movimentos nacionais como a Bossa Nova, Jovem Guarda e Tropicalismo. É realmente possível traçar esse paralelo?
Tulipa Ruiz - Acho que um paralelo possível é que eles eram jovens como nós. Hoje em dia não existem movimentos a serem copiados, mesmo o indie que como rótulo vale tanto quanto emo ou qualquer outro. Naquela época havia um compromisso com o sucesso, hoje o compromisso é com a sobrevivência. Mas, como jovens eles iam atrás de fontes primais - Bossa Nova, Jovem Guarda, Tropicalismo, assim como nós.
BD – Você viveu boa parte de sua vida em Minas Gerais e, há pouco tempo, se apresentou ao lado de Milton Nascimento, no Prêmio de Música Digital. Conte um pouco como foi essa experiência e a sua relação com o Clube da Esquina:
Tulipa Ruiz - Fui pequena para São Lourenço, no sul de Minas, com minha mãe, irmão e os discos dos meus pais. Cresci ouvindo Vanguarda Paulista e Clube da Esquina por influência deles. Para mim a música de São Paulo era cabeça e a de Minas coração. Sempre foi balsâmico ouvir os mineiros, tem algo de sagrado ali.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas…
E se riu.
Você não é de bugre? – ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os araticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de agramática.
(Manoel de Barros - O livro das ignorãças)
Você já se declarou fã da obra de Manoel de Barros. Ser um "sujeito escaleno", “fazer defeitos”, “pegar desvios”, este é o seu caminho?
Tulipa Ruiz - Pelo menos não quero me limitar ao caminho estabelecido. Adorei "sujeito escaleno", o triângulo de lados desiguais.
BD – Ao ouvir “A ordem das árvores” imaginei que ali tivesse alguma influência dele.
ADOREI A ENTREVISTA. INTELIGENTE. TULIPA RUIZ É TUDO DE BOM. CONSEGUE ALQUIMIZAR OS RESULTADOS DE SUA INFÃNCIA COM INFLUÊNCIAS MINEIRAS E PAULISTAS. FINALMENTE AQUECE A MISTURA COM MANOEL DE BARROS. ELA É QUINTENSSENCIA DA MPB. E SURGE PARA NOS SALVAR DA MEDIOCRIDADE.