la banda usurpada v. 2 – bacurinha’s song

fotomontagem: márcio bulk
Então, que tal levarmos um papo sobre o pop rock dos anos 80? Ou melhor, os compositores do pop rock dos anos 80. Ou, sendo ainda mais específico: As letristas do pop rock dos anos 80. Algum espírito de porco poderá muito bem falar: “E teve alguma?!”. Poupe-me, ok? A primeira opção que vem à cabeça, claro, é Marina Lima. Mas é bom lembrar que, na época, era seu irmão e parceiro Antonio Cícero o grande responsável por suas letras. Bem, alguém, puxando pela memória poderá se lembrar de Dulce Quental, Virginie... mas tem certeza de que não está faltando uma outra menina nessa lista tão minguada? Pois bem, é sobre ela que eu quero falar: Paula Toller. E por favor, nada de torcer o nariz porque você é cool, hype, hipster, etc e tal e acha o som do Kid Abelha pop demais para seus ouvidinhos tão alternativos. A señorita acima citada, quer queira, quer não, foi a voz e o cérebro responsável por desenvolver o discurso feminino na música brasileira da época. E isso não é pouca coisa! Não mesmo! Ou você acha que era fácil uma garota dizer ao que veio em um cenário onde somente meninos ditavam as regras? Lembre-se de que Marisa Monte, Adriana Calcanhotto, Cássia Eller & cia. só foram aparecer um boooooom tempo depois.
Após a saída de Leoni, coube à Paula a responsabilidade pelas letras da banda. E que letras! Afinal, precisa ter, no mínimo, um pouco de culhão (ooops!) para escrever e cantar versos como: “Eu já nem me lembro bem/ Da primeira vez que eu dei” (“Agora Sei”). Estamos falando de sexo, meu bem, sexo! E isso, antes de Tati Quebra Barraco, Deise Tigrona e Valesca Popozuda virem com seu pussy power! Ou seja, Paula Toller já sinalizava em suas letras várias questões comportamentais de sua geração, em uma década pra lá de complicada em se tratando de relacionamentos e sexualidade – não se esqueçam do fantasma da AIDS e de que o brasileiro sempre foi chegado em uma misoginia básica. Paula, ao lado de Leoni, compôs uma das canções mais emblemáticas da época: Em “Como Eu Quero”, narra o embate de um casal, onde, de forma explícita e quase tirânica, a personagem impõe suas regras. Sem meio-termo, no cara a cara e pronto. Ainda ao lado de Leoni, escreveu e cantou a respeito de certas inseguranças do universo feminino: “A vida que me ensinaram/ Como uma vida normal/ Tinha trabalho, dinheiro,/ Família, filhos e tal/ Era tudo tão perfeito/ Se tudo fosse só isso/ Mas isso é menos do que tudo/ É menos do que preciso” (“Educação Sentimental II”) ou então em “Garotos”, quando sentencia “São sempre os mesmos sonhos/ De quantidade e tamanho”. Ao lado de Herbert Vianna, escreveu “Nada Por Mim”, onde a figura masculina fala para sua interlocutora: “Você me tem fácil demais/ Mas não parece capaz/ De cuidar do que possui/ (...)/ Me diz até o que vestir/ Com quem andar e aonde ir/ E não me pede pra voltar”. Ou seja, adivinhe quem está no controle dessa relação? Pois é, não é exatamente o XY... Continuando! Sozinha, Paula escreveu “Não é preciso ficar inseguro/ Não é possível concordar em tudo/ Somos amigos e isso é um bom motivo/ Prá gente ficar junto” (“Dizer Não é Dizer Sim”), “Não quero nada por gratidão/ Também nada pelo que me aconteceu/ Mesmo assim peço perdão/ Mesmo com razão” (“Eu Preciso”) e “Tudo o que eu desejo ver você já viveu/ Tudo o que eu quero ter um dia foi seu/ Não te surpreende o que tira o meu sono/ Não entendo o que te faz gostar do que eu sou” (“Mais Louco”). Manja DR? é tipo isso, na lata. E o que dizer de seu girl power “niuêive”? “Me deixa falar, me empresta um ouvido/ Me deixa falar, me presta atenção/ Se não me escutar, cuidado comigo/ Eu perco a razão/ Atiro tudo o que eu tenho na mão” (“Me Deixa Falar”)! Violenta, a menina. Também havia espaço para o lado punk da vida, como em “Paris, Paris” (“E o roxo no meu braço/ Já desapareceu/ Meu último vestígio seu”) e “Promessas de Ganhar” (“Vai pro céu, quem levou um tapa e deu a outra face?/ Vai pro céu, quem abriu os olhos e não viu a luz?”). E isso se pegarmos apenas a sua produção da década de 80, pois a moçoila até hoje continua escrevendo sobre esses temas, exacerbando ainda mais, a partir dos anos 90, a temática sexual, em canções como “Lolita” (“Tudo é Permitido”), “O Beijo” (“Iê Iê Iê”), a trilogia “Mil e uma Noites”, “Um Segundo a Mais” e “Por Uma Noite Inteira” (todas do álbum “Iê Iê Iê”), “Mãos Estranhas” (“Autolove”), “Derretendo Satélites” (“Paula Toller”, seu primeiro álbum solo), “Eutransoelatransa” (Pega Vida”) e “Poligamia” (“Pega Vida”).
Bem, depois de ter chegado até aqui e lido mais de uma lauda, só com muita má vontade você não perceberá a importância e influência, mesmo que indireta, do discurso de Paula Toller na canção popular e, sobretudo, nas gerações seguintes, onde surgiram diversas cantautoras, como Érika Martins, Pitty, Vanessa da Mata, Tiê, Nina Becker, Tulipa Ruiz, Bárbara Eugênia e Letícia Novaes (Letuce). Por essas e outras, por favor, pare de torcer esse nariz e se estrebuchar. Que coisa mais baixo astral! Pare de frescura, deixe de lado esse mimimi e blábláblá e saca só: Paula Toller é foda. Simples assim.


por márcio bulk


originalmente publicado na revista RODA #1.

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