cuide de você






O título desta entrevista não poderia ser mais apropriado: retirado da mostra autobiográfica da artista plástica francesa Shopie Calle que passou pelo país há três anos, “Cuide de você” causou polêmica por ter como ponto de partida o e-mail de separação que o escritor Grégoire Bouillier a enviou.  A artista não se fez de rogada e o utilizou como matéria-prima para um novo trabalho, reenviando-o para mais de uma centena de mulheres a mensagem de seu ex-namorado para que estas a interpretassem através de textos, vídeos e fotos. Com o extenso material em mãos, Sophie o expôs na Bienal de Veneza de 2007.
Não chegando a tamanha exposição de sua vida privada, o músico paulista Pélico também optou por incursionar pelo seu universo afetivo para confeccionar o elogiado álbum “Que fique entre nós”, lançado em 2011 pela YB Music. Inspirado nas agruras por que passou ao dar fim ao seu casamento, Pélico exorcizou seus fantasmas através da música. Sem temer cair no ridículo e abordando o tema de forma passional, o músico se aproximou da estética cafona dos anos 70 e do samba-canção. Três anos antes, mesmo que envolvido por uma roupagem psicodélica, Pélico já demonstrava certo fascínio por este universo estético ao lançar seu segundo disco, “O último dia de um homem sem juízo”. Seu primeiro álbum, “Melodrama”, lançado em 2003 e imediatamente renegado pelo próprio músico, já vislumbrava, por seu próprio título, o seu envolvimento com o universo de Hervivelto Martins, Ataulfo Alves e outros tantos compositores da era de ouro do rádio.
Vindo de férias para o Rio no início deste ano, Pélico aceitou participar do Banda Desenhada, falando de seu processo criativo, sua participação no tributo ao Los Hermanos, a influência do BRock e a NeoMPB:

BD – Já foi dito que o seu segundo álbum teria uma influência maior de rock do que o “Que fique entre nós”. Você concorda com isso?

Pélico – Sim. No segundo eu estava muito envolvido com uma estética rock. Ouvia bastante Franz Ferdinand, Television, The Strokes... Sentia necessidade de me expressar assim. Também veio um pouco por conta da formação da banda. Fiz bastante shows antes de lançar o segundo disco. Então, transferimos para o estúdio aquela energia de som ao vivo, das apresentações. Gosto muito de rock e tive a vontade de fazer um disco com essa pegada, mas, na verdade, vejo muitas semelhanças entre as canções do “Que isso fique entre nós” e o anterior. Algumas pessoas falam que eu mudei muito... Mas não, se você tirar toda a roupagem do “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo”, verá que as canções já estavam ali. Também flertava bastante com o brega. A própria faixa-título é um bolerão. A “Completo (a)” também vai por este caminho. Existe muita ligação entre os dois discos. Posso ter acentuado esta questão do brega no “Que fique entre nós”, mas, por outro lado, não acredito que tenha mudado a minha forma de compor. Talvez  a maior diferença seja por conta do segundo ter uma pegada meio psicodélica, incluindo as letras, enquanto o terceiro é mais narrativo, com histórias que refletem o momento que estava passando.

BD – E como foi fazer um álbum com um tema tão restrito: o fim de um relacionamento?

Pélico – Na verdade, tudo aconteceu enquanto eu concebia “O último dia de um homem sem juízo”. As três fases de criação do disco, a composição, a produção e a gravação, coincidiram com três momentos importantes da minha vida, que foi estar casado e descontente, me separar e me arrepender. Então o título do álbum é muito simbólico. E realmente vivi muito aquilo... Quando fiz “Que fique entre nós”, já havia passado por tudo e assim consegui olhar com certa distância e optei por narrar aquele momento, descaradamente. [Risos]. “Não éramos tão assim” é muito direta. “Recado” também. Não há muitas firulas.

BD – E você não ficou receoso da reação da sua ex-esposa ou mesmo de provocar certo constrangimento a quem ouvisse?

Pélico – Fiquei. [Risos]. Cheguei a pensar: “Cara, será que não vai pegar muito mal”? Quando mostrei “Não éramos tão assim” para o Jesus Sanchez, que é o meu produtor, comentei: [Com fisionomia preocupada] “Tô me expondo demais, bicho”... E ele: “Isso tá demais”! [Risos]. Botando mais lenha na fogueira! [Risos]. Fui o mais direto possível na maioria dessas canções. Não quis florear muito, dar muitas voltas. Fiz “A beira do ridículo” numa noite, quando vi minha ex-mulher com outro cara. Cheguei em casa e fiz. Ainda estava muito nesse processo de desligamento. Já tinha me separado, mas precisei quebrar os vínculos emocionais que vira e mexe apareciam. Essa situação toda foi um combustível. Acho que todo compositor já fez pelo menos uma ou duas músicas de desafeto. É inevitável! [Risos]

BD – E como foi a divulgação e a visibilidade deste terceiro álbum? Deve ter sido bem mais fácil do que o segundo...

Pélico – O segundo foi muito no boca a boca. Fazia os shows e dava o CD... Houve uma pequena assessoria, mas o disco acabou pipocando por aí e meu nome circulou muito dentro da cena paulistana. Já neste terceiro disco eu contratei uma assessora de imprensa e assinei com a YB, que também me deu uma assessoria. Assim, o disco chegou para mais pessoas. Mas sua produção foi totalmente independente, eu e Jesus Sanches botamos o dinheiro do nosso bolso, o Bruno Bonaventure fez os arranjos na faixa e os músicos cobraram preços camaradas... Daí, entreguei o disco pronto para a YB, que me deu a master e a assessoria de imprensa. 


BD – “Que fique entre nós” apareceu em diversas listas entre os melhores álbuns de 2011. Esperava por isso?

Pélico – [Acanhado] Pois é. [Risos]. Para mim foi uma surpresa! Em nenhum momento pensei que ele entraria. Eu o acho muito bonito, gosto muito, mas não sei, cara... A imprensa tende a eleger os grandes discos quando eles têm um resgate à tradição ou um pé na modernidade, quando apontam para uma nova direção. E eu não vejo isto no “Que fique entre nós”, sabe? Fiquei surpreso. Meu disco está em várias listas e não tem essas características. Apesar de ter sido muito influenciado pelos compositores dos anos 40, 50... O Ataulfo [Alves], o Lupicínio [Rodrigues], o Herivelto [Martins]... O que não deixa de ser uma tradição. 

BD – Sim, mas você faz uma releitura daquele melodrama. É interessante porque outros músicos também vêm trabalhando com esta mesma estética, com fortes doses de passionalidade: o Filipe Catto, a Márcia Castro...

Pélico – A Andreia Dias... E a Karina Buhr também! Você encontra esse tipo de referência em seu novo disco.

BD –  Mas e para você? Foi um caminho natural?

Pélico – Eu sempre gostei muito dessa onda. Ouvia muita música caipira quando era moleque. Às vezes a gente viajava para Minas e meu pai sempre colocava esse tipo de música no toca-fitas... Eram cinco, seis horas de viagem. E em casa mesmo ouvia bastante. A música caipira também tem esse lado passional...

BD – Cascatinha e Inhanha...

Pélico – É! Não sei bem, mas parece que a partir de certo momento a música mexicana acabou influenciando a nossa música caipira. E eu ouvia muito. Mas aí, por volta de 2005, fui ao show do Cidadão Instigado e fiquei chapado: “Cara, olha o que os caras fazem! Eles pegam essa mesma influência que eu adoro e transformam numa outra história”! Aquilo me chamou muito a atenção. Percebi ali que era possível fazer algo semelhante. O Cidadão foi uma banda que me influenciou e me influencia muito. 

BD – Todos falam, sem exceção, da importância do Catatau nesta cena.

Pélico – Ele influenciou muita gente que hoje faz esse tipo de som. Com certeza foi ele quem deu o pontapé inicial. 

BD – Você afirmou que “Tempos Modernos” seria um de seus discos de cabeceira. De forma geral, não vejo muitos músicos da sua geração comentando que curtem o som mais pop dos anos 80, como Lulu Santos, Blitz, Kid Abelha e afins...

Pélico – Mas será que não é porque ainda é muito recente? Talvez haja aquela necessidade da geração seguinte negar a anterior...

BD – Mas já se passaram 30 anos! [Risos]

Pélico – Verdade! [Risos]. É que não sou tão novo assim, tenho 35 anos, então eu ouvia muito pop rock nacional quando era moleque... tinha uns 12, 13 anos... Esses caras ainda faziam muito sucesso. Mas você acha que não há mesmo essa referência nesta geração?

BD – Rapaz, você que é o entrevistado! [Gargalhadas]. A questão é complexa. Talvez haja certo mal-estar por conta dessa cena pop rock eclipsar a vanguarda paulista, mas não acredito que um suposto bairrismo justifique a ausência deles como influência... Pode ser que seu lado pop e inegavelmente comercial seja desagradável para alguns músicos da cena independente atual...

Pélico – Também já pensei sobre isso! Não sei se é por eles terem feito muito sucesso... Mas eu adoro o Lulu Santos. Para mim ele é a pessoa que melhor traduziu a canção pop, redonda, dos Beatles. E, claro, com personalidade. Porque é muito difícil, sabe? Eu vejo que hoje não são todos que buscam esse formato de canção, que é bem característico dos anos 80. Alguns até as chamam, de forma pejorativa, de “canções radiofônicas”. Mas eu adoro, não tenho o menor problema em assumir isso. Eu ouvi muito. Acho que os anos 80 têm grandes canções e grandes artistas, como o Herbert Vianna. As baladas são matadoras! E tem a questão da letra e da música, que é muito forte. Você não consegue dissociar uma da outra. A música é tão redondinha que não dá para separar. Os caras eram bons compositores de canções pop. O Lulu Santos também trás uma referência de Roberto Carlos, de Jovem Guarda... E eu adoro Jovem Guarda! Para mim é muito natural. Mas realmente sinto certa resistência.  Quando você fala hoje que gosta do Lulu, vai ter neguinho que: “Oooopa”... Como assim, velho? O cara canta pra caralho, toca pra caralho, compõe pra caralho! Qual o problema?!


BD – Você já disse: “Se eu tiver que escolher entre impressionar e emocionar, eu prefiro emocionar” e “Não penso em nada além de sentir quando estou compondo”. É isto mesmo? Todo o processo é basicamente afetivo? Você tem a pulsão e depois? Imagino que haja algum tratamento posterior, não?

Pélico – Rola uns arrematezinhos. No “Que fique entre nós” não houve um primeiro filtro do tipo “não vou falar sobre este assunto”... Vou falar sim! [Risos]. Não podei nem limei palavra alguma por ser muito forte. Não fiz isso. Deixei fluir mesmo. Claro que depois fui encaixando as coisas... Gosto bastante de trabalhar nas canções, mas nesse caso, em nenhum momento eu quis mudar a sua ideia inicial, a sua essência. Cheguei a alterar um pouco a melodia de algumas, trabalhei um pouco mais na estrutura e troquei uma palavra ou outra para encaixar melhor, mas não houve um filtro em relação à temática. Também não quis usar metáforas ou outras figuras de linguagens. Na “Não éramos tão assim”, veio o título na cabeça e, no final das contas, quase não saí dele [Risos]... A primeira do disco, “Ainda não é tempo de chorar”, foi uma que demorou muito para ficar pronta... Tenho certa dificuldade para colocar letra numa música. Para mim o mais fácil é fazer os dois juntos ou então musicar uma letra. Agora, colocar letra na música eu peno pra caramba! Eu sabia exatamente o que queria dizer, só que a melodia dava muitas limitações. Eu não queria fugir do tema, não estava muito a fim de usar metáforas e queria ser direto... Então fiquei engessado. Demorei uns três meses para finalizá-la. E é uma letra curta, mas fiquei lapidando, lapidando... Para achar o que realmente queria dizer sem descaracterizar e sem dar muitas voltas, criando uma locução direta como as outras músicas do álbum. Pode parecer muito contraditório, pois realmente sou muito autobiográfico, mas adoro ouvir as histórias das pessoas. Passo horas ouvindo, conversando com amigos e dali me vêm diversas ideias para uma música. “Se você me perguntar”, na verdade, é a história de um amigo meu com a namorada. Eu roubei essa história deles. Mas sou tão autobiográfico que coloquei coisas minhas ali.  Às vezes começo uma música com um fragmento de uma história de outra pessoa e dali começo a criar, começo a falar de mim. Sempre meto o bedelho na história alheia! [Risos]. Alguns compositores conseguem se ausentar um pouco mais, mas no meu caso... Tenho vontade de fazer canções que retratem algo distante do meu cotidiano, mas não tem jeito! [Risos]

BD – Você vai participar do tributo ao Los Hermanos produzido pela Musicoteca... 

Pélico – Sim, cada artista grava uma música. São 33 artistas no total. 

BD – Você que escolheu a sua? Ou eles que indicaram?

Pélico – O pessoal da Musicoteca me enviou um convite e eu respondi que toparia e sugeri "Condicional"

BD – O Los Hermanos têm relevância em seu trabalho?

Pélico – As suas músicas me emocionam muito... Acho “Toque dela”, o novo álbum do [Marcelo] Camelo, lindíssimo. Ele é um mestre em lapidar letra e melodia sem perder a essência. O Camelo coloca as palavras no lugar certo, é um melodista impressionante. E eu já gostava da banda desde o primeiro disco. Adoro “Quem sabe” do Amarante. É muito foda. E é engraçado, cara, sempre achei que essa música possuísse alguma referência de “Fio de Cabelo” do Chitãozinho & Xororó! [Risos]. Se algum fã do Los Hermanos ler isto vai me xingar, né? [Gargalhadas]. Mas eu achava “Quem sabe” muito forte e sempre fiz essa comparação, por conta de sua temática passional. E há também o disco “Bloco do Eu Sozinho”, que gosto muito e é importantíssimo... Vários artistas já revisitaram o samba, trazendo um frescor ao gênero, mas, para mim, eles foram muito significativos. Demorei para entender que aquilo que eles faziam era samba, que boa parte do repertório era de samba. Fiquei maravilhado! A polifonia das guitarras, a levada da batera, meio Wezzer... Acabava camuflando tudo.

BD – E, basicamente, a partir do Los Hermanos, surgiram diversos artistas que vieram compor a atual cena da música brasileira. Entretanto, muitos deles parecem ter problemas ao serem inseridos em qualquer contexto que venha causar alguma limitação. E você?

Pélico – O que não acredito que seja verdade é que haja um movimento. Porque somos um bando de gente querendo fazer música, mas sem qualquer discurso estético aglutinador, como o manguebeat, por exemplo. Não existe uma unidade. Acho que se trata de uma geração mesmo. O que é natural: surgem novos artistas e estes vão em busca de seu espaço. E finalmente estamos começando a ganhar visibilidade na mídia. Estamos chegando ao público e as pessoas estão ouvindo. Acho que alguns músicos podem se incomodar porque já estamos há pelo menos dez anos na estrada e ainda somos chamados de nova geração. Mas não me incomodo com isso. Acho ótimo que haja uma nova geração de compositores e cantores. Por sinal, cada vez mais o intérprete é compositor. Você não vê mais uma separação entre os dois. Hoje cada um vai lá, faz a sua música e a defende...

BD – E você acha isto interessante? 

Pélico – Cara, eu vejo alguns intérpretes que são ótimos compositores... É uma possibilidade: a pessoa faz a sua música e a defende. Mas é inegável que alguns são melhores intérpretes do que compositores. Não sei se por uma questão de ego... Mas se abrissem um pouco mais: “Pô, me mandem umas músicas”... Talvez melhorassem o repertório.  Mas realmente não sei se esta geração está muito a fim disso. O Filipe Catto, por exemplo, é agregador, ele quer cantar canções de outros compositores e não só as suas. Acho interessantíssimo! Porque ele também é um baita compositor. E isso é de uma generosidade! Só vem a enriquecer. Mas realmente a maioria é autoral. Todo mundo canta e defende às suas próprias músicas. Pode ser uma questão de tempo... Fiz duas músicas com o Estêvão Bertoni, do Bazar Pamplona, e estou tendo esta vontade de fazer parcerias e interagir um pouco mais. 

BD – É claro que a música popular brasileira precisava se revigorar, mas também percebo que alguns críticos costumam ter um discurso bastante saudosista e reclamam de uma suposta falta de qualidade desta nova geração.

Pélico – Mas esta geração também abriu espaço para a experimentação, buscando novos caminhos estéticos, mudando a forma de compor e mexendo na estrutura da própria canção... E isto dentro da música pop! As melodias são menos desenhadas, quase faladas... Alguns artistas desta nova safra possuem forte influência do folk, cantando e tocando de forma despojada. Provavelmente isto pode causar estranheza para alguns, que estão acostumados com o formato mais tradicional da canção brasileira. Eu, particularmente, gosto do pop, como Beatles, Elton John, Guilherme Arantes... O Caetano [Veloso] tem aquele lado cerebral, mas é impressionante a beleza das suas músicas... Além de ser capaz de fazer uma canção brejeira e mandar muito bem. 

BD – Voltando à questão do intérprete, ao cantar a sua voz ganha um timbre bastante peculiar, remetendo a certos cantores setentistas, como Hermes Aquino. Parece haver uma preocupação neste sentido...

Pélico – Para mim o cantar é exatamente isso: Interpretar. Realmente me preocupo com o modo com que vou passar a mensagem de cada canção. Tenho cuidado ao cantar, tento brincar com a voz, indo, em alguns momentos, para um registro que não é o natural. Talvez isto seja uma influência dos Mutantes, que sempre brincaram muito com as canções. As minhas músicas são histórias, então tenho que achar um modo de cantá-las. Normalmente gravo vários takes... Até o momento em que percebo que já estou interpretando, que já estou criando em cima e compondo um personagem.


BD – Bem no início de 2000, seria inimaginável prever o aparecimento de uma cena de música popular brasileira tão forte em São Paulo. No Rio, paralelo ao fenômeno Los Hermanos e o desenvolvimento do projeto +2, ainda vivíamos um saudosismo da bossa nova, do samba e do samba-funk. Já em São Paulo, parecia que todos estavam muito mais preocupados com as tendências do indie rock e do electroclash. Tanto que surgiu o Cansei de Ser Sexy, uma banda totalmente desenraizada de qualquer tradição da música brasileira ou mesmo do pop nacional. E eis então que vocês surgem, sintetizando efetivamente tanto a MPB tradicional quando o pop, o folk, a música eletrônica e os gêneros ditos regionais...

Pélico – Acho que nós temos esta busca por uma dicção própria. Não estamos engessados pela bossa nova ou pelo samba. Ok, temos o Lira Paulistana e o Itamar [Assumpção] realmente influencia muitos artistas desta geração. Eu mesmo adoro. Tive uma fase da minha vida que ouvi muito. Mas, mesmo assim, parece que não existem amarras, sabe? Realmente teve essa coisa do electro rock, mas acho que agora estamos conseguindo ir além, absorvendo todas essas influências de música gringa e criando algo novo. Quantos artistas surgiram sob a influência dos Beatles?! Mas poucos conseguiram produzir um trabalho com personalidade. Rita Lee, por exemplo. Você ouve e fala: “Isso é brasileiro”! Será que agora estes compositores paulistas estão conseguindo criar e dar uma cara própria para tanta influência e deixar um pouco de ser gringo?

BD – A cena atual me parece bem autêntica...

Pélico – Para mim, no começo, era muito mais natural e verdadeira. As participações de um artista no disco do outro eram uma extensão das trocas e dos diálogos que ocorriam nos shows. A gente vive tocando um com outro, divide noite, chama outra banda para participar... Isto realmente rola já há certo tempo e com muita naturalidade. Mas acho que começou a virar uma regra, uma coisa mercadológica. Para gravar um disco hoje você tem que ter a participação de não sei quem e de não sei quem lá... Quando comecei a fazer o “Que isso fique entre nós”, em determinado momento me perguntaram se teria participação especial. Eu não compus pensando nisto. Quem sabe no próximo eu faça uma música em que sinta a vontade de cantar ao lado do Rafael Castro, por exemplo. Aí vou chamá-lo. Mas agora, fazer isto por uma questão mercadológica, “porque é importante ter”, isto não. Adoraria ter um monte de gente no meu disco, mas ele não foi concebido assim. Não vou colocar porque me disseram que é importante. Sei lá, prefiro pagar este preço. E não creio que ele tenha ficado melhor ou pior por conta disto. No começo e ainda hoje, todo mundo participa do disco de todo mundo... O que é bem legal, mesmo. Esta contribuição é muito importante. Mas ouço músicas em alguns álbuns que nem sei quem é que está cantando, se é o convidado ou o fulano! É o mesmo registro de voz... Mas peraí! O que ela agregou à música?! Tem que pensar! Eu sou mais rigoroso em relação a isto. Se realmente fiz uma canção e pensei em determinada pessoa, que legal se ela participar. Vou achar massa. Mas não vou entrar  na onda de “vamo aí que assim vai dar certo”.

BD – É interessante essa sua relação com o Rafael Castro. Você vê semelhanças entre o som de vocês? 

Pélico – Ele também tem um pé no rock dos anos 70, um pezinho no hard rock. Pelo menos em alguns discos. Admiro muito o Rafael. Vejo nele algo que não consigo ser... Ele tem uma capacidade incrível de criar personagens e histórias... Eu sou muito autobiográfico e ele não, ele cria! Se o Rafael não tocasse nada, com certeza seria um baita escritor!  É um pouco isso que eu sinto. A Lulina também tem esta capacidade, de criar histórias. E eu não consigo fazer isto! [Risos]. Quem sabe aprenda um dia? [Risos]. Mas, ao mesmo tempo, eu e Rafael utilizamos bastante sarcasmo em nossas músicas. Acho o Rafa um artista completo: ele toca, canta e compõem muito bem... É um baita músico. Grava todos os instrumentos em seus discos: Batera,baixo, piano...É um dos caras que mais admiro. 

BD – Ele pode ser considerado o mais independente dos independentes. (Risos). 

Pélico – Ele simboliza bem a cena independente. O seu processo criativo é muito caótico, ele não consegue se formatar no esquema de mercado: “Vou gravar um álbum, vou trabalhá-lo durante um ou dois anos e aí lançarei o próximo”... Não! Ele grava o disco todo em casa e já está envolvido em outro projeto ou então já está gravando o próximo! Nem sei se ele já tem vinte e cinco anos e já tem nove discos! Se falar hoje para a minha assessora de imprensa que já estou pensando no próximo, ela vai falar: “Oh, tá maluco”? [Gargalhadas]

BD – Mas essa estrutura mais burocrática chega a ser tão ruim assim para o artista?

Pélico – A indústria cultural vive desse ciclo. E eu realmente funciono melhor assim. 

BD – Por falar nisso, li que já está pensando no próximo álbum...

Pélico – Sim, já estou compondo, mas ainda estou naquela fase do “pra onde é que eu vou”? Acho que não vivi o bastante para fazer um novo trabalho... Gosto muito dessas pausas, de absorver informação para depois voltar. Acabo compondo, claro, alguma coisa aqui,outra coisa ali... Mas ainda não sei o que eu vou fazer. Estou pensando sobre isto, que roupagem terá... Se me aprofundo mais na canção... Já tenho algumas coisas. Ontem mesmo já estava mostrando alguns trechos de músicas e ideias para o Jesus Sanchez. Passei horas conversando com ele...

2 Responses to cuide de você

  1. Essa entrevista tá muita linda e fotos lindas também... Vou parar de escrever pra não encher isso aqui de clichês... :-)

  2. Parei aqui por indicação, ouvi o Pélico e gostei! Não pude deixar de rir com as canções feitas após o término do relacionamento! Sensacional! (ps: Mexe com x)

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