outras conversas

da esquerda para direita: duani, pablo francischelli, caio jobim, tulipa ruiz e gustavo chagas. foto: aline arruda.

O Banda Desenhada sempre teve como principal objetivo retratar o cenário musical brasileiro contemporâneo e, para tanto, optou não só por entrevistar músicos e produtores, mas também toda uma gama de profissionais que, de uma maneira ou de outra, estão envolvidos com esta geração. Pelo site já passaram fotógrafos, artistas plásticos, designers, etc. Contudo, ainda estava faltando uma análise da produção audivisual deste momento. Pensando nisto, convidamos os documentaristas Caio Jobim e Pablo Francischelli, da produtora DobleChapa. Pioneiros na documentação da chamada Nova MPB, a dupla foi responsável pelo mais relevante programa a abordar o tema: “Pelas Tabelas”, produzido pela Carioca Filmes e exibido por duas temporadas (2009/2010) no Canal Brasil. A conversa não se limitou apenas ao trabalho dos rapazes e tocou diversas vezes em  pontos delicados do cenário atual da música popular. Caetano Veloso, Arnaldo Antunes, MTV, mangue beat, a cena carioca e outros tantos assuntos foram discutidos sem meias-palavras nesta que é, com certeza, uma das mais elucidativas entrevistas do site:

BD – Bem, começando do início: Como vocês se conheceram?

Caio Jobim – A gente estudou na mesma faculdade [UFRGS] em Porto Alegre, mas em momentos diferentes. Eu sou um pouco mais velho que o Pablo. O curioso é que as duas vezes em que eu o encontrei, a ponto de trocar umas ideias, foram para assistir filmes que havíamos feito.

Pablo Francischelli – Nós tínhamos um amigo em comum que me levou para assistir um curta que o Caio estava finalizando. Depois rolou o contrário também, ele passou lá em casa bem no momento em que eu estava terminando um filme. 

BD – E como se iniciou a parceria?

Caio Jobim - Eu vim para o Rio e, tempos depois, quando o Pablo chegou, me procurou. Nós conversamos e, nessa época, eu trabalhava no Canal Brasil. Estava fazendo um programa sobre música, o "Luz,Câmera, Canção", onde era repórter. No fim, também acabava dirigindo, mas não havia uma grande edição de imagem, trabalhava muito mais com arquivos e entrevistas. Sentia falta de ter uma segunda câmera para ter um jogo, para não ficar aquele corte seco de TV. Daí, chamei o Pablo e arrumei uma segunda câmera por fora. Foi ali, meio que ao acaso, que começou essa história de trabalharmos juntos com música e isso foi... Quando você chegou?

Pablo Francischelli – 2005. Era o programa com o Otto. Eu curtia muito o som dele e aceitei o convite na hora. Fiz uns planos bem loucos que não eram muito o padrão do canal. 

Caio Jobim – Foi uma boa experiência. Hoje o Otto vem ganhando uma popularidade que eu não imaginava que fosse alcançar. Enchendo o Circo Voador! Na época do programa, ele estava decepcionado com a pouca repercussão do “Sem Gravidade” (2003). O álbum saiu pela Trama e, pouco tempo depois, a gravadora rompeu com ele, o que acabou dificultando a divulgação, enfim... A Trama ajudou muita gente enquanto pôde. Ela foi o último suspiro da indústria fonográfica já com um olhar para a cena independente... Bem, mas a partir do programa com o Otto, surgiu a amizade entre mim e o Pablo. 

Pablo Francischelli – Também rolou o “Noite de cão”! O Caio já havia filmado este curta há bastante tempo, uns dois ou três anos, só que não havia montado. Quando cheguei, disse: “Vamos dar um jeito nesse filme!”. Eu tinha uma ilha de edição que havia deixado em Porto Alegre. Então, trouxemos essa máquina e montamos o primeiro corte. Foi esse efetivamente nosso primeiro trabalho mais sério, de parceria. 

Caio Jobim – Na verdade, nós sempre tivemos uma vontade de trabalhar juntos. 

Pablo Francischelli – Eu vinha de uma experiência na MTV gaúcha. Ela tem uma filial no sul, um núcleo pequeno. De lá, fui fazer um estágio na sede, em São Paulo, e fiquei um tempo. Esse período foi muito importante para que eu tomasse a decisão de vir para o Rio. Não consegui me identificar com aquele clima deslumbrado da MTV... 

BD – Por quê? A MTV já havia sido reformulada (no final dos anos 90, o canal passou a priorizar um público mais juvenil e investiu maciçamente em games e reality shows)? 

Pablo Francischelli - Sim, já havia. Trabalhei na MTV em 2004. A emissora tinha uma visão muito comercial de música, ainda fazia parte do esquema da indústria fonográfica. Agora é que ela está correndo atrás... A MTV percebeu que não dá  mais pra virar as costas para o que o Cidadão [Instigado], a Tulipa [Ruiz], o [Marcelo] Jeneci e mais um monte de gente anda fazendo. É claro que o canal tem seu valor, mas as últimas mudanças na grade são muito recentes. E aí...

Caio Jobim –Resolvemos fazer algo juntos.  

Pablo Francischelli - Escrevemos o projeto do “Pelas Tabelas”, acho que no fim de 2006. Originalmente ele era outra parada. Nós queríamos que fosse um olhar sobre esta nova geração. Já havia muitos artistas fazendo coisas legais, mas ainda era muito pouco falado ou divulgado. Então a ideia original era ter um músico consagrado, um medalhão, e um da nova geração. A intenção era explorar as conexões, as tabelas que rolavam na música.

Caio Jobim - Isso foi uma ideia que tivemos para poder viabilizar o projeto e despertar o interesse de possíveis compradores. Nós achávamos que seria muito mais complicado alguém investir se focássemos somente na cena atual. Mas, no meio do processo, decidimos nos voltar apenas para a galera mais nova, e, já na filmagem do piloto, escolhemos o Rodrigo Maranhão e o Edu Krieger como primeiros nomes, primeira tabela. E aí tivemos uma surpresa muito grande! Levamos esse piloto para o Canal Brasil e, sem muito hesitar, os diretores compraram a ideia. Embora estivessem muito vinculados ao resgate do passado, eles tiveram uma grande sensibilidade e, mesmo sem conhecer a fundo o conteúdo dos programas, abraçaram o projeto. A ideia do “Pelas Tabelas” vinha também de uma necessidade que sentíamos de documentar o presente. Naquela época, começou a ter uma onda muito forte de documentários musicais. Entretanto, todos com o olhar voltado para o passado. O que é extremamente válido, importantíssimo. Mas a gente queria falar do agora, do que estava acontecendo. Na época, havia pouquíssimo espaço na TV, porque a MTV não se interessava e o MultiShow só começou a dar importância tempos depois, com o programa do Edgar (Picolli), o “Experimente”. Mas era muito ruim, o Edgar não sabia nada!

Pablo Francischelli - O programa era sobre o Edgar com as bandas tocando, não era sobre as bandas com o Edgar apresentando. [Risos].

da esquerda para direita: marcelo jeneci, arnaldo antunes, anderson capuano, caio jobim e pablo francischelli. foto: rita albano


BD –E como se deu esse contato de vocês com a música e a nova geração da MPB? 

Caio Jobim - A nossa vontade sempre foi realizar um projeto sobre música. Da minha parte, tenho uma relação de paixão pelo Rio que foi construída através da música. Quando cheguei, não conhecia ninguém, não tinha muitos amigos e, na minha primeira saída, fui a uma apresentação do Dino Sete Cordas [1918 -2006, um dos maiores violonistas brasileiros] e, nos dias seguintes, aos shows do Mestre Ambrósio e do + 2... Eram várias opções musicais e foi assim que eu comecei a me encontrar com a cidade. Minha relação com o Rio nasceu daí, e não por conta da sua beleza ou do trabalho, que no início foi difícil. O [festival] Humaitá Pra Peixe foi importantíssimo para mim. Ainda me lembro da primeira vez em que fui... Que lugar legal, o som, o público... Ultramen, que era uma banda de Porto Alegre que gostava, assisti lá. Também teve a CéU... E o primeiro show do Cidadão [Instigado] no Rio. Dava para ver que ali havia uma nova geração... Que ainda não era vista como tal. Só hoje é que se pode perceber isso, com um olhar retrospectivo e com as conexões que surgiram posteriormente entre os artistas. Ali, ainda era cada um fazendo o seu som. Mas dava para sentir que havia algo de especial. Eu sentia isso. E dessa sensação veio a vontade de fazer algo ligado a esses músicos, de retratá-los. E é interessante perceber que esse olhar atual para a nova geração surgiu no fim da década passada, com o fortalecimento de uma cena que tem seu foco em São Paulo. Isso é muito importante, porque eu, que me apaixonei pela música no Rio, quando olho para a cidade hoje... Quando eu vim para cá, em 2001, não havia essa coisa de Nova MPB, enfim... E muitos artistas vinham tocar no Rio e tinham público. Lembro de um show que me marcou muito, o do Mestre Ambrósio. Com o Canecão lotado! Mas lotado mesmo! E eu não sei se hoje isso voltaria a acontecer. Realmente não faço idéia do porque dessa regressão.

Pablo Francischelli – A descoberta da cena paulistana é recente. Até pouco tempo atrás, na primeira temporada do “Pelas Tabelas”, por exemplo, havia mais gente do Rio do que de São Paulo. Claro, também tinha aí uma questão econômica que inviabilizava uma permanência muito longa de uma equipe de sete pessoas por lá... Mas, ainda assim, não havia esta dimensão toda que se tem hoje. Lembro do Beto Villares nos entregando, na época, o recém lançado disco do Rodrigo Campos, “São Mateus não é um lugar assim tão longe”. Nomes como Tulipa Ruiz, Marcelo Jeneci, Karina Buhr, Leo Cavalcanti e outros tantos nem haviam gravado seus primeiros álbuns. Acredito que um dos fatores para esta efervescência seja a cidade não ter o peso de uma tradição musical. Durante um dos programas da primeira temporada, o Romulo [Fróes] e o Curumin chegaram a falar sobre isto. Além do mais, há em São Paulo diversos artistas vindos de vários lugares do país e que estão se conectando, produzindo e fazendo shows. É uma geração que tem essa característica agregadora.

Caio Jobim – Em São Paulo existe o circuito SESC que é muito importante. Também tem o Studio SP... Que é ruim, mas é bom. [Risos]. E o público tem interesse. E no Rio infelizmente não...

Pablo Francischelli – O Rio só voltou o olhar para a cena paulistana quando esta já estava estabelecida.

Caio Jobim – O que eu percebo no Rio é que os músicos não costumam se conectar entre si. Não existe uma cena carioca que se possa identificar. Existiu no início, com o +2 e os Los Hermanos, mas depois não. Tudo bem que o Kassin vem buscando um diálogo com os paulistas, mas...

BD – Eu percebo que os músicos da Orquestra Imperial, como o Kassin, o Domenico e a Nina [Becker], realmente fazem muitas conexões. Mas também vejo que a novíssima geração carioca, como o Qinho, Tono e Letuce, tem menos possibilidades de realizar esta troca, este diálogo. Mesmo que sutil, parece haver certa estratificação que impede que os mais novos tenham mais espaço.

Pablo Francischelli – Esse diálogo tem que ser natural, como acontece em São Paulo.

BD – Sim, mas os paulistanos acabaram se conectando com uma cena carioca que, a meu ver, nem é tão contemporânea assim. Além disso, as gerações anteriores aos anos 90 parecem ter pouco interesse em se interar do que está acontecendo atualmente. Tirando, com as devidas ressalvas, o Caetano Veloso, que vem sendo considerado o grande guru... 

Pablo Francischelli - Mas isso está mudando. Para mim, o Arnaldo [Antunes] é que é o verdadeiro guru desta geração. Ele realmente está interessado em criar um diálogo, uma troca verdadeira, com o [Marcelo] Jeneci, o Curumin, o Catatau... 

Caio Jobim – E o Caetano, ao mesmo tempo em que está com a banda “[formada pelo guitarrista Pedro Sá, o baterista Marcelo Callado e o baixista Ricardo Dias Gomes], divide os shows com a Maria Gadú e agora se aproxima do Criolo. Ele é um cara que sabe muito bem aonde tem que ir e com quem deve ser visto. Para mim não faz nenhum sentido ele estar simultaneamente querendo trabalhar com a Maria Gadú e o Criolo. Ou é um ou é outro! É a minha opinião. E, sendo sincero, acho que hoje ele tem muito mais a ver com a Maria Gadú, embora a banda dele tenha o Pedro Sá e etc...

Pablo Francischelli - O Caetano é um caso a parte. Ele é um ser contraditório e sempre vai ser. É a contradição em pessoa. De certa maneira ele está sendo fiel ao que sempre foi. Talvez seja isso que o torne tão genial. Ele é a figura mais importante de sua geração, que revolucionou a música brasileira. É o cara que ainda consegue gerar mudanças com o seu som, com os seus álbuns e com o seu jeito de ser. Principalmente se compará-lo com o Chico [Buarque] ou o [Gilberto] Gil. Que, ultimamente, vêm sendo bem repetitivos.

BD – Gil nem tanto.

Caio Jobim - Ultimamente Gil vem se limitando ao forró e ao reggae.

BD – Mas Gil passou um bom tempo como Ministro da Cultura, o que acabou cerceando a sua carreira. Entretanto, a sua postura parece ser tão ou mais vanguardista que  a do Caetano.

Caio Jobim – Sim, mas musicalmente Gil está precisando desse contato que o Caetano teve e que musicalmente o arejou. Agora está na hora dele. 

BD – E como veio a ideia de criar a produtora DobleChapa? 

Caio Jobim – Ela surgiu no fim do ano passado, mas oficialmente nós a abrimos no início de 2011. Temos alguns projetos e o nosso objetivo é seguir documentando a música com uma profundidade maior do que no “Pelas Tabelas” que era um programa com um formato predefinido, com uma verba escassa e com poucas condições técnicas. Para você ter uma ideia, o programa com o Duani, que teve um esquema super profissional de captação de som, foi produzido por ele. Sem essa parceria, a gente jamais teria alcançado aquelas condições. A troca com os músicos foi fundamental para conseguirmos produzir os 26 episódios.

Pablo Francischelli – Havia ali uma verdade e uma necessidade latente de maior espaço para esta geração.

Caio Jobim - Uma das coisas mais importantes que o “Pelas Tabelas” propiciou foi a possibilidade de nos aproximarmos e aprofundarmos nossa relação com os artistas. O programa não teve a repercussão que talvez pudesse ter tido em termos de público, até pelas limitações e pelo perfil do Canal Brasil. Não houve e ainda não há uma grande divulgação pela Internet. Os programas também não estão todos disponibilizados. Mas nós desenvolvemos uma relação muito boa com esses músicos. Então, a partir daí, outras idéias foram surgindo, assim como o desejo de aprofundar alguns temas.

BD – Não sei se vocês têm essa sensação, mas eu ainda acho a produção de audiovisual desta geração muito pequena e restrita...

 Pablo Francischelli – Discordo de você. Hoje em dia está todo mundo produzindo. Meio que a coisa estourou. De um ano para cá, todas as mídias voltaram os olhos para a cena. Tanto que, por exemplo, devem ter uns três diretores fazendo documentários sobre a nova geração.  Inclusive nós fomos convidados pelo Romulo [Fróes] para ajudá-lo a produzir um. Mas taí uma coisa em que nós nunca acreditamos. Pode parecer meio controverso, afinal estamos a um bom tempo trabalhando com este tema, mas, justamente por isso, achamos que não é viável realizar um documentário definitivo sobre a geração. Como um único filme vai dar conta de falar, por exemplo, sobre a Tulipa, o Jeneci, a CéU, a Karina Bhur, o Romulo Fróes, o Cidadão Instigado, o +2 e o Los Hermanos? A tendência é que fique um tanto superficial, pendendo mais pra uma reportagem do que propriamente um filme. A gente chegou a pensar sobre isto, mas logo se deu conta que viraria um grande “Pelas tabelas” e desistimos... 

BD – Mas como ficou então esse documentário?

Pablo Francischelli – Não era um projeto nosso, e sim do Romulo e do Marcelo Souza. Em determinado momento, o Romulo nos chamou, por já termos uma relação bacana. No início ele queria nos entrevistar, mas não achamos uma boa ideia. Pouco depois, ocorreu algum problema na produção e ele acabou nos contatando para ajudá-lo. Fomos para São Paulo, ficamos duas semanas por lá, e a DobleChapa, junto com a YB Music, se tornou a produtora do projeto. Só que aí rolou um desentendimento entre os dois e o documentário continuou só com o Marcelo. Como o convite havia partido do Romulo, acabamos saindo também. 

Caio Jobim – Até porque não acreditamos que exista um movimento em São Paulo. 

BD – Realmente não há um mesmo conceito que passe pelo trabalho de todos.

Pablo Francischelli – Na verdade é muito legal que tenha tanta gente olhando pra esta cena e que esteja a fim de documentar. Por isso que eu discordei de você, as pessoas estão produzindo. Ainda mais aqui no Rio, que até pouquíssimo tempo atrás ainda não havia tomado conhecimento dessa geração. De alguma forma, acho que o “Pelas Tabelas” pode ter contribuído para isto.

Caio Jobim – Neste sentido é interessante falar do nosso objetivo enquanto documentaristas: Nunca foi do nosso interesse nos prender somente aos números musicais. Temos a vontade de contar histórias, fazer um registro. Até porque tem uma galera de São Paulo que já faz esse tipo de documentação, o Música de Bolso. O site faz um recorte bem legal e a curadoria é muito boa. Tem um bom acervo. Mas somente o número musical não nos interessa. 

luisa maita e rafa moraes no "pelas tabelas". foto: luana pagin.


BD – Uma dificuldade inicial que tive ao desenvolver o projeto do Banda Desenhada foi a criação de alguns critérios que permitissem selecionar os possíveis entrevistados. Classificá-los por gênero seria praticamente impossível. Fiquei um pouco na dúvida se a nova safra de sambistas de São Paulo entraria no site, por exemplo. Como foi no “Pelas Tabelas”? 

Pablo Francischelli – Estas classificações, estes rótulos, não são verdades universais. É um pouco complicado falarmos de uma Nova MPB. Então, no nosso caso, optamos pelo seguinte: “Quem é que está fazendo um som relevante”? O Kiko Dinucci é um ótimo exemplo. Ele é um cara que faz samba, mas vai além. Ao analisar mais profundamente o seu trabalho, o rótulo cai por terra. Seu samba é meio torto, com influência de rock'n'roll. E a CéU? E a Tulipa? E o Cidadão Instigado?! Para que classificar?

Caio Jobim - O Kiko não é um sambista que entraria no [Clube dos] Democráticos [tradicional casa carioca de samba, choro e forró, fundada em 1867]. Na primeira temporada do “Pelas tabelas”, nós não tivemos total autonomia para fazer o recorte... Alguns nomes que talvez não colocássemos acabaram entrando. Fred Martins e Lula Queroga, por exemplo, podem estar, de alguma maneira, relacionados com a nova geração, mas eu não os identifico como fazendo parte desta. Na segunda temporada foi bem diferente... Ok, nós temos ainda ali o pessoal do Rio que está totalmente desconectado desta cena, como Teresa Cristina, Pedro Holanda, Moyséis Marques, mas aí voltamos novamente às limitações econômicas do projeto...

BD – Se bem que a Teresa Cristina fez uma parceira com a Karina Bhur e agora está fazendo shows com Os Outros...

Caio Jobim - Ela teve essa sacação. 

Pablo Francischelli – No “Pelas tabelas” ela fala da sua ligação com o rock'n'roll. Talvez esta faceta esteja vindo à tona agora.

BD – É surpreendente. Porque ela sai da sua área de conforto que é o tradicional samba carioca...

Pablo Francischelli – A Lapa [RJ] tem uma importância gigantesca para a cena carioca, mas ainda assim é restrita. De um modo geral, os artistas se retroalimentam da tradição e da reverência ao samba e acabam não indo para frente. 

Caio Jobim - Acho que a Lapa tem muito mais importância para a cidade enquanto potencial turístico do que potencial cultural. Poucas pessoas ali criam algo relevante. Pelo menos até agora. O que não quer dizer que a Teresa Cristina não venha a revolucionar...

Pablo Francischelli – E de novo caímos naquele papo da tradição. O Kiko Dinucci não daria certo no Rio de Janeiro. Em São Paulo você pode mexer com o samba porque o samba paulista bem ou mal sempre foi assim. O Adoniran [Barbosa] era isso, um cara que queria imitar o samba carioca, não conseguia e fazia um samba autêntico que trazia novos elementos para o gênero.

Caio Jobim - O pessoal da Lapa foi muito acostumando a ouvir e cantar Cartola, Elton Medeiros, Paulinho da Viola e acabou não se tornando tão autoral.

BD – Realmente, a sua produção autoral tem uma forte ligação com o passado e com a tradição.

Pablo Francischelli – O trabalho autoral entra ali, depois de uma música do Cartola, meio parecido, meio que pedindo licença.

BD – O que parece é que o Rio acaba ficando algemado. Não sei se estou tendo uma visão deturpada, mas parece que a cena daqui fica muito aquém da paulistana e que só com a troca ou o diálogo com o pessoal de lá é que os cariocas ganham certo destaque.

Pablo Francischelli – Sim. Esta nova geração carioca ainda não atingiu o nível da galera de lá. Mesmo já sendo um som diferente do da Lapa, ainda está no meio do caminho. Não chega a ser realmente novo ou a chamar a atenção. 

Caio Jobim – Acho que falta um diálogo mais produtivo. O Tono, por exemplo, fez um show ao lado do Ney Matogrosso. Tudo bem, é muito legal, o Ney realmente está interessado no trabalho da banda, mas ao mesmo tempo me causa uma certa estranheza.

BD – Mas há também a má vontade dos espaços cariocas em abrigar esta nova geração, o que acaba por forçá-la a se atrelar aos medalhões.

Pablo Francischelli – Sim, mas acho que isto está mudando. A galera de São Paulo, no início, não conseguia tocar aqui. Por falta de público e de lugar. Mas de um ano pra cá a coisa melhorou.

BD – Com certas limitações e, principalmente, com a dificuldade de atrair público.

Pablo Francischelli – Mas a Karina [Bhur] e a Tulipa conseguiram. Os shows lotam, a galera canta. É do caralho! Cidadão Instigado também. E vários outros. Talvez estejam começando a fomentar na cidade um circuito e um público mais interessado. 

Caio Jobim - Tem uma coisa curiosa que eu percebo: Já vi os shows da Tulipa e da CéU no Rio e em São Paulo. Hoje, no Rio, com a cena paulistana já praticamente estabelecida, os shows são muito mais quentes do que lá. Embora a cena esteja acontecendo em São Paulo, embora lá existam o interesse e a presença do público, quando as duas vêm tocar no Circo Voador, por exemplo, os shows são muito mais animados. É algo que eu não sei explicar. Talvez o carioca precise de um aval e da consolidação do artista para que ele ache o seu trabalho bom e tenha disposição para vê-lo.

Pablo Francischelli – Tem certo bairrismo aqui, que começa a ser quebrado. O próprio Romulo já lançou o quarto disco e até então havia feito um ou dois shows no Rio, no Cinemathèque [extinta casa de shows em Botafogo], e todos vazios, não havia quase ninguém. Mas, atualmente, sinto que há uma mudança. No Rio e em todos os outros lugares. Estão surgindo novos espaços na TV. A própria MTV resolveu investir, criando o “Na Brasa” e o “Grêmio Recreativo”.

Caio Jobim – Em relação ao Rio você é mais otimista do que eu. [Risos]. Por exemplo, o Rival + Tarde, que eu acho uma iniciativa fantástica, muitas vezes o via às moscas, inclusive com artistas cariocas tocando. Quando o Do Amor lançou seu disco o Rival estava vazio. O mesmo aconteceu com o Lucas Santanna e o Siba. O Rival + Tarde era um projeto que achei que vingaria, mas infelizmente não aconteceu. Não sei se ele continuará por muito mais tempo, até porque vem aí o Studio RJ [filial do Studio SP, previsto para inaugurar em setembro, em Ipanema]

BD –E os novos projetos?  Vocês poderiam adiantar alguma coisa?

Pablo Francischelli – Então, quando acabamos a segunda temporada do “Pelas Tabelas” decidimos abrir a nossa própria produtora, a DobleChapa. No início do ano, somou-se a nós um terceiro sócio, o Edmond Pitarma. Atualmente estamos com quatro projetos: O primeiro é um documentário, longa-metragem, com o Siba. Pode-se dizer que é um desdobramento do “Pelas Tabelas”. A nossa relação com ele se iniciou lá, quando participou da primeira temporada. E já nesse programa ele falava de uma vontade de fazer um trabalho diferente do que vinha fazendo com a Fuloresta [grupo formado por músicos tradicionais de Nazaré da Mata, PE]. Isso despertou nossa curiosidade e quando retomamos contato ano passado, ele nos falou do projeto que estava desenvolvendo: um disco voltado para a guitarra, com o Fernando Catatau produzindo. Nós conversamos e propomos documentar este trabalho. E foi o que efetivamente fizemos.

Caio Jobim – Documentamos todas as fases. No primeiro momento filmamos o Siba em Recife, para depois documentarmos todo o processo de gravação do disco, que só se encerrará quando o trabalho for levado para o palco. O filme se passa em vários lugares: São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Nazaré da Mata, Agreste pernambucano...

Pablo Francischelli – E o projeto inicial que era documentar a gravação do disco tomou uma proporção maior, porque se trata de um álbum, como ele mesmo fala, de ruptura. É uma espécie de volta... O Siba começou tocando guitarra, integrou o Mestre Ambrósio, depois veio a Fuloresta e agora retoma a guitarra. Então, durante as filmagens, despontaram vários assuntos, incluindo aí o retrospecto de sua carreira e as indagações pertinentes ao rompimento com um gênero e com um modelo que o vinculava demasiadamente à música tradicional. Surgiram então os questionamentos do que é tradição e o que não é. E o Siba faz uma análise muito própria a respeito do seu trabalho, do seu fazer artístico. Ele é um músico peculiar, capaz de transitar pelo maracatu, pela ciranda e pelo rock com a mesma naturalidade.

Caio Jobim – E era vontade do Siba ter um documento audiovisual  em que se aprofundassem todas essas questões estéticas que surgiram durante o processo de gravação do álbum. Durante muito tempo ele foi associado à música tradicional, sendo que o Mestre Ambrósio era uma das bandas mais importantes do mangue beat, ao lado do Chico Science & Nação Zumbi e o Mundo Livre S/A. Só que, por eles empunharem a rabeca e outros instrumentos ligados à música regional, acabaram sendo rotulados. Depois, esta questão se agravou ainda mais, quando ele se envolveu mais profundamente com a ciranda e o maracatu. Só que a grande busca do Siba enquanto artista não era ficar olhando para o passado, e sim pegar aquilo tudo e olhar para frente. Este álbum acabou se tornando então uma síntese de todas as suas experiências. O Siba não é um guitarrista, como ele mesmo diz, mas é através da guitarra que ele expressa a sua musicalidade. Estamos agora no processo de montagem e devemos lançar em breve uma versão curta para Internet. A versão longa metragem ficará para o final de 2011. Estamos com a ideia de realizar uma distribuição diferente. E temos ainda outro projeto...

Pablo Francischelli – Com o Yamandu [Costa]. Nós fizemos um “Pelas Tabelas” com ele e o Hamilton de Holanda, na primeira temporada. E, apesar de fazer outro tipo de som, ele também é desta geração e é um gênio da música. Ficamos muito amigos do Yamandu, talvez por ele também ser de fora...

Caio Jobim – Conterrâneo. 

Pablo Francischelli – O Yamandu nos chamou para fazer um vídeo, o registro de uma apresentação dele aqui no Rio, em Santa Teresa, com o Guto Wirtti, que é um baixista também gaúcho. Nós filmamos e, a partir disso,  tivemos a idéia de fazer um trabalho sobre o violão de sete cordas. Tendo o Yamandu como apresentador e curador da série, pretendemos mostrar um pouco dos personagens que empunham esse tipo de violão, desde o pessoal da velha guarda até os mais novos, como o Vinícius Sarmento, por exemplo.

Caio Jobim – O legal é que o recorte que fizemos é tanto geracional quanto regional, temos cariocas, recifenses, paulistanos... E a ideia  é que seja uma série para TV.

Pablo Francischelli - Seguindo uma linha documental. De contar a história dessas pessoas... Ainda há um terceiro projeto, relacionado à nova geração. Mas esse preferimos não revelar, por enquanto.

Caio Jobim – Podemos falar do “Passo Torto”, um outro documentário musical, sobre o samba de São Paulo. 

Pablo Francischelli – O Romulo [Fróes], o Kiko [Dinucci] e o Rodrigo Campos gravaram um disco que vai se chamar “Passo Torto”, onde os três abordam a ligação meio torta que possuem com o samba. Daí surgiu a ideia de fazer um filme sobre o novo samba paulista. Nós fomos para São Paulo, filmamos as gravações do disco e pretendemos transformá-lo, no futuro próximo, em um documentário. 

Caio Jobim - Ainda não sabemos muito bem como vai ser... Talvez façamos com certa perspectiva histórica para que seja possível observar quando e como eles se ligam com as gerações anteriores, o Adoniran [Barbosa], o [Paulo] Vanzolini, etc... Ou não. Rodrigo Campos já disse que não tem direta ou conscientemente nenhuma destas referências. Mas, a meu ver, de certa maneira posssui, pela forma como ele conduz a sua narrativa, pelo modo de contar suas histórias. Tanto o Rodrigo quanto o Kiko e o Romulo são figuras muito interessantes. Mas ainda não sabemos como este projeto vai se desenvolver. A nossa vontade é que ele aconteça. Queremos contar essas histórias, mas sem soar imediatista. 

comentários - outras conversas

  1. Para aprender sobre MPB basta entrar no Banda Desenhada. Muito boa a entrevista.

comente