sobre a verdade e a mentira


fotos: daryan dornelles

Desde seu início, o Banda Desenhada vem tendo por objetivo mapear a atual cena da música brasileira, com foco em dezenas de artistas independentes do eixo Rio-São Paulo. Sabíamos, porém, tratar-se de uma tarefa árdua. Afinal, quais seriam os critérios utilizados para diagnosticar uma geração tão heterogênea como esta? Mesmo com o esforço de jornalistas e pesquisadores em agrupar figuras como Criolo, Karina Buhr, Marcelo Jeneci e Kiko Dinucci, qualquer catalogação cai por terra diante de suas falas tão antagônicas. Se, por um lado, são tidas como certas a ausência de um movimento e o forte elo com o tropicalismo, por outro, as diferenças estéticas são de tal ordem que seria no mínimo ingênuo querer inseri-los em algum novo estilo. Ao longo dos últimos seis meses, em mais de vinte entrevistas, o que mais se destacou para nós do Banda Desenhada foi a idiossincrasia destes artistas, com opiniões tão diversas que, muito mais do que promover atritos, acabam por validar a sua tão decantada pluralidade. E assim não seria diferente com a entrevistada desta semana, a cantora e compositora Andreia Dias. Uma das principais figuras da intitulada Neo-MPB, Andreia chegou a participar do grupo Farofa Carioca e integrou a Banda Glória e a seminal DonaZica, composta em sua grande maioria por músicos que se tornariam, poucos anos depois, figuras emblemáticas da cena atual: Anelis Assumpção, Iara Rennó, Guizado e Gustavo Ruiz. Em 2008, já em carreira solo, lançou o primeiro álbum de sua trilogia, o elogiado “Vol. 1”. Nele estavam presentes Fernando Catatau (compositor e guitarrista, líder do Cidadão Instigado) e Marcelo Jeneci. Com este álbum, a cantora excursionou pelas principais capitais do país, além de apresentar-se na WOMEX, em Sevilha, e realizar alguns shows em Barcelona e Paris. Dando continuidade ao seu trabalho, lançou em 2010 o “Vol. 2”, contando com as participações especiais, entre outros, de Zeca Baleiro, Arrigo Barnabé e Alzira E, deixando clara a sua ligação com a Vanguarda Paulista e, em especial, a obra de Itamar Assumpção
Uma das mais criativas compositoras da atualidade, destacando-se por sua verve debochada e corrosiva, Andreia recebeu o Banda Desenhada no Miradouro – QG de Thalma de Freitas -, em Santa Teresa (RJ), onde se preparava para mais uma de suas viagens pelo Norte-Nordeste do país, onde vem gravando seu próximo álbum. Despojada como poucas, a encontramos cuidando dos jardins da casa. Em meio às plantas e na companhia de dois filhotes de labrador que alegremente a atrapalhavam em sua tarefa, a cantora foi relatando suas experiências ao longo dos vinte anos de carreira:

BD - Mesmo que o seu som tenha uma presença forte de rock, ainda é possível classificá-lo de MPB. Como você lida com estas duas referências?


Andreia Dias – Para mim o rock não é só música, ele vai além. É atitude, é espírito. No próprio samba, no reggae e no rap tem uns caras muito rock'n'roll. O Zeca Pagodinho, por exemplo, é extremamente rock’n’roll. O rock está presente no meu som de um modo muito mais poético do que musical. Tem uma guitarra ou outra, mas... É um saco essa mania de querer te rotular, de te engessar. Fiz até uma música sobre isso, que vai estar no próximo álbum: “Não pergunte o estilo que eu faço porque meu amigo não sei dizer/ rotulado, enquadrado, encaixado em uma prateleira você não vai me ver”. [Risos]

BD – Você já falou sobre o seu próximo álbum em outras entrevistas e cheguei a ler que seria feita uma trilogia...

Andreia Dias – A trilogia está em andamento, em desenvolvimento. Mas não é uma coisa que se resolve tão fácil assim; e o “Vol. 2”, mesmo gostando muito, ficou muito conflituoso. Acho que até pela própria simbologia do número: a questão do eco, da reflexão, da dualidade... Então, só devo fechar esta trilogia aos 50 anos... [Risos]

BD – Como assim?! [Risos].

Andreia Dias - É! O volume três não virá tão fácil! Na real, ele já está composto. Só que eu quero dar um refinamento que só o tempo poderá trazer... Quando veio a ideia da trilogia na minha cabeça, faltou trabalhar o seu fio condutor. E só agora achei este fio. Não é minha intenção lançar três discos ao léu sem nenhuma continuidade ou ligação. Só porque a palavra trilogia é muito legal. [Risos]. Ou porque é muito intelectual! [Com voz afetada]. Talvez, imaturamente, tenha sido essa a minha intenção no início. Mas no “Vol. 2” eu senti o conflito e decidi ir com calma e dar um tempo no próximo para fazer outras coisas. Porque, sem dúvida, eu tenho material para uns dez discos. Mas tem que ser mesmo tijolo por tijolo. Não vou ficar perdendo tempo com “cabecice” e gravar o volume três só para agradar a Folha ou a Rolling Stone... O próximo disco é um foda-se total. Comecei aqui no Rio, fui para Belém, São Luiz, Fortaleza, Natal... Fui descendo, gravando uma faixa em cada cidade, ficando duas semanas em cada lugar, às vezes mais... Estou voltando para lá agora e a intenção é até março concluir este trabalho.  

BD- É qual é a ideia? Tem a colaboração do Circuito Fora do Eixo, não?

Andreia Dias – Estou junto com a galera do Fora do Eixo em algumas dessas cidades. O Fora do Eixo é composto por coletivos que se apóiam. Geralmente, eles comandam os festivais de música nas cidades onde atuam. Eu chego, já com hospedagem e shows marcados, ensaio com a banda de lá e crio uma faixa nova com ela. Vamos para o estúdio e gravamos. Em cada lugar é uma experiência diferente, uma vivência. Muito bom mesmo. Este álbum deve se chamar “Psicotropical” ou “Pelos Trópicos”, ainda não decidi.

BD – Mas como surgiu esse projeto?

Andreia Dias – Antes mesmo do projeto, já havia planejado a viagem. Estava aqui no Miradouro com a galera do Fora do Eixo e o [Pablo] Capilé me convidou para conhecer o Casarão Cultural Floresta Sonora, em Belém. Achei perfeito e aí começamos a articular tudo. Pensei em ficar dois meses na estrada. A ideia era passar por 10 cidades e registrar tudo no meu blog, “Tatuducerto”, que começou a virar um programinha de televisão... Teve dois vídeos, mas depois o cameraman não pôde mais me acompanhar. Ainda não havia a intenção de gravar um disco. Era, basicamente, para ir, fazer shows e interagir com a galera. Mas, em Belém, o Leo Chermont, um músico de lá, me deu uma base e, quando vi, já tínhamos uma música. Gravamos um videoclipe e fizemos outra canção, “Bola pra frente”. Aí fui pra São Luiz, onde fiz um show e mais uma faixa com o Criolina, “Corcéis encantados”. Percebi que este projeto era bem mais viável do que um programa de TV. Uma vez que nem apresentadora eu era! [Risos]. E pus o disco como meta principal da viagem. Tanto que uma hora parei de fazer shows... Já estava de saco cheio de ter que ensaiar o repertório com uma banda diferente em cada lugar. E, o que inicialmente era para ser 50 dias e 10 cidades, se tornou três meses e cinco cidades! [Risos]. Estava me aprofundando realmente na vivência e relaxei quanto à meta. Não dá pra ficar fazendo tantos planos a longo prazo. Mas o meu objetivo é, até o carnaval, ir para Salvador, Maceió e Aracajú. A minha intenção é passar janeiro inteiro em Salvador. Também quero ir à Chapada Diamantina novamente. Agora estou indo para Belém, tenho quatro shows por lá. Vou ficar um mês. Depois acredito que volte para cá, mas sei que neste período pode acontecer um milhão de coisas e que posso acabar parando no Acre ou em Manaus! [Risos]

BD – Por conta de serem independentes, ocorre algo interessante com os músicos da sua geração: Não há tanta regularidade no lançamento de álbuns. 

Andreia Dias – Você está ser referindo à questão de dar segmento à carreira, não é? Mas acho isso uma coisa muito mecânica e escrota. A não ser que você realmente consiga trabalhar o disco e tenha uma infrainstrutura de produção e business que te permita dar continuidade. Eu lancei o “Vol. 2” e só fiz uns três ou quatro shows. Ele foi bastante elogiado, mas não emplacou. Era um disco pesado e acabei não me dedicando tanto a ele... Então, não vou ficar esperando acontecer um milagre. Porque as coisas passam e já nem quero mais cantar essas músicas do “Vol. 2”. Elas têm uma temática muito samba-canção, meio Lupicínio Rodrigues do rock. [Risos]


BD – Paralela à carreira tem também as questões financeiras que afligem, de um modo geral, os artistas independentes. 

Andreia Dias – Já estou na estrada há vinte anos e só vivo de música há dez. Já trabalhei como garçonete, babá... Já tive tudo que é emprego e subemprego. [Risos]. Comecei a viver de música por causa da Banda Glória, que me pagava um salário. Tenho umas economias que estão quase no fim, mas que ainda deve durar uns meses. [Risos]. E depois que concluir a minha obra, estou pensando em ir pro mato de vez. E dane-se a mídia, e dane-se se vou emplacar, e dane-se se vou bombar. Já passei dessa fase. Já sofri com isso, como todo mundo. Acho muito escroto quem fala que nunca pensou no sucesso. Principalmente quem faz sucesso! Vira e mexe aparece um artista na capa da revista: “Ah, eu nunca pensei em fazer sucesso e agora estou aqui”! Mentira! Todo mundo quer sucesso em seu empreendimento. Seja ele qual for. Hoje eu já me sinto uma pessoa realizada. Sinto uma plenitude, uma calma. As coisas estão se resolvendo. Estou em um processo de autoconhecimento... Amadurecer é uma maravilha! [Risos]. Estou começando a virar uma chave e a curtir envelhecer. Ficar leve, fazer meu som, me divertir e viajar. Porque, afinal, é isso que a gente quer: Circular! Nessas viagens que fiz, os shows estavam lotados e o público cantava todas as músicas. Achei incrível! Os veículos de comunicação estavam superinteressados. Na real, o Brasil está maravilhoso, todas as cidades por que passei são ótimas, as bandas tocam, os festivais estão rolando e as pessoas estão circulando. Acho que vivemos uma das fases mais expressivas da música brasileira, principalmente por este aspecto, por esta descentralização. A rede é enorme e há diversas pessoas em busca de mudanças. A galera do Fora do Eixo é muito ativa e ainda deve se expandir mais.

BD – Mas ainda existe preconceito em relação às cenas independentes que não se encontram inseridas em eixos pré-determinados. Principalmente se estiverem vinculadas às classes mais populares, como é o caso do funk carioca e o tecnobrega...

Andreia Dias – Eu senti um pouco isso. Estava em Belém e, em todos os finais de semana rolavam festivais. Tanta coisa acontecendo! Música bombando! Parecia que o Sudeste nem existia. Aí chegava a galera de São Paulo querendo dar as coordenadas de como as coisas deveriam ser feitas. Porra! Querendo colonizar, sabe? Então, na real... Estou bem de saco cheio de Rio–São Paulo, desse imperialismo. Como se as coisas só acontecessem por aqui. É uma mentira! Eu realmente não preciso morar em São Paulo. Que agenda de shows eu tenho em São Paulo ou no Rio?! Nenhuma! Isso aí é da época em que você fazia temporadas. Aí sim. Mas não é isso que está acontecendo. O Cabrueira mora em João Pessoa e o Pato Fu em Belo Horizonte e estão superbem! As bandas estão vendo que é possível continuar em suas cidades natais, ter seu estúdio em casa e dali mostrar seu trabalho para o mundo. 

BD - Me lembro que você tinha alguns problemas com o Rio... Por quê? 

Andreia Dias – Acho que as pessoas, os lugares e tudo o mais são entidades. E rola às vezes uma energia meio louca. Eu tenho isso com Rio e um pouco com Recife. A primeira vez que morei aqui foi realmente traumático. Mas também fui muito responsável por isso, como aquela música do Mestre Ambrósio: “Não fique de boca aberta, Zé/em cidade que for chegando”. Eu estava muito de boca aberta, muito deslumbrada com a cidade. Era muito jovem e tinha acabado de sair de casa: “Nossa, vou conquistar o Rio de Janeiro”! Também acabei me relacionando e sendo iludida por um monte de gente interesseira e falsa. Tava na veia errada, nessa época. Eu costumava dizer uma frase escrota: “O Rio de Janeiro é muito legal, pena que tem muito carioca”! [Risos]. Porque na época em que morei aqui, não sobrou um amigo! Só a Mathilda [Kóvak], que é carioca, mas odeia o Rio. [Risos]. E o André Gomes, que é gaúcho. Agora, na vinda pra cá este ano, já cheguei meio destrambelhada: peguei uma blitz, rodei com uma puta grana e ainda teve sequestro relâmpago! Fiquei muito traumatizada: “Nossa, o que estou fazendo aqui”? Mas antes disso acontecer já havia rolado o dia do perdão. Estava aqui nesta casa, foi muito forte. O Miradouro tem uma energia muito mágica, é como um portal que traz uma profundidade no olhar, que facilita a vivência do aqui e agora. Decidi então que teria que morar um pouco na cidade. Porque, na real, adoro o Rio de Janeiro, acho o máximo! Fico sempre inspirada e feliz. E hoje em dia já posso dizer que tenho amigos cariocas. Mas ainda tem aquelas coisas que te irritam, né? A polícia, a Light, a CEDAE. [Risos]

BD – Achava que a questão com o Rio era profissional, por conta da falta de espaços para shows, público...

Andreia Dias – Mas isso também rola em São Paulo! É ilusão. O que eu quero é uma casa legal para morar, que tenha uma vista boa, que possa ficar tranqüila e que seja viável para circular. Não estou preocupada se tem cinco ou seis casas de shows em que eu possa tocar. Se me apresentar em uma delas, se tocar no Circo Voador um dia, vou ficar superfeliz. Já vai ser uma realização. Não é isso. Não quero morar num lugar só porque vai ter trabalho para mim. 

BD – Você afirmou que “No Rio, falaram que eu era o Itamar [Assumpção] de saias”. Qual a importância da Vanguarda Paulista para você?

Andreia Dias - Sempre estão querendo te enquadrar em alguma coisa, né? 

BD – Pensei que você gostasse dessa comparação.

Andreia Dias – Até gostei, é um elogio, mas acho uma besteira! Realmente tenho um lado Itamar. Mas só passei a ter contato com a sua obra por conta da DonaZica, graças à Iara [Rennó] e Anelis [Assumpção]. Quando a gente montou a banda, eu não conhecia nada da Vanguarda. O que conhecia dos anos 80 eram as bandas de rock: Titãs, Ultraje [a Rigor], Paralamas [do Sucesso]... E os bregas que ouvia muito no rádio: Odair [José], Diana, Kátia... MPB, Tropicália, Caetano [Veloso], [Gilberto] Gil, Gal [Costa], nunca tinha ouvido, nada. Fui ouvir um pouco mais do tropicalismo depois de conhecer a Vanguarda. Porque não havia uma tradição musical na minha família. Meu pai era alfaiate e minha mãe costureira e eles eram evangélicos. Só fizeram o primário. Meus irmãos também. Periferia de São Paulo: Igreja/boteco. Então tudo que ouvia era através do rádio lá de casa. Mas quando eu tinha uns 15 anos, meu irmão começou a ouvir rock’n’roll: Janis [Joplin], Led Zeppelin, Raul [Seixas]... E aí mudei completamente! [Risos]. Naquele momento virou uma chave. 

BD – Então você também é influenciada pelo rock dos anos 70?

Andreia Dias – Sim! Tudo me influencia. Sou uma pessoa extremamente influenciável! [Risos]. E não é só música que me influencia não, poesia e filosofia também. Tenho muita influência de Fernando Pessoa, de Nietzsche, de várias coisas. Mas o Itamar é realmente uma grande referência, gosto do seu estilo. Mas também gosto de samba, rock, heavy metal, sertanejo... Ouço tudo! Tudo que é música boa eu gosto, não importando o gênero. 

BD – Mas você assimila tantas referências assim?

Andreia Dias – Dentro do meu universo sim. Também não ouço tanta música quanto se imagina. Ultimamente tenho ouvido mais porque estou viajando. Mas acho que devo ter um filtro em algum lugar. [Risos]. Gosto muito do silêncio. Já me perguntaram se o mais importante da minha vida era a música e eu respondi: “Não, é o silêncio”. 

BD – Na minha opinião, a sua geração acabou contribuindo muito para que fosse redescoberta a Vanguarda Paulistana.

Andreia Dias – A gente meio que deu uma reacendida, né? É verdade. Agora que você falou, me fez sentir isto. Não havia parado para pensar. 

BD - E como é o seu processo de criação?

Andréia Dias - Eu gosto muito de escrever. A minha musicalidade está muito nas palavras. Costumava me achar uma poetisa musical, porque gosto do som que as palavras trazem. Não faço a harmonia, crio a letra e melodia. Os arranjos geralmente são criados pela banda. O “Vol. 1” teve muita influência do Gui [Guilherme Kastrup, produtor do álbum], do Estevan [Sinkovitz], do [Fernando] Catatau e do [Marcelo] Jeneci. Já o “Vol. 2”, ficou muito a cara do [Ricardo] Prado [produtor do segundo disco]. A roupagem vem daí. Eu delego muito. Delego total. E geralmente gosto do que é feito. A banda me adora por isto. Porque os meninos fazem o que bem querem! [Risos]


BD – E o DonaZica? Qual a sua importância para esta nova geração?

Andreia Dias – Sabe, um dia caiu a fixa: O Gustavo Ruiz, o Guizado, a Mariá [Portugal], a Anelis e a Iara foram do DonaZica; a Tulipa [Ruiz] não saía dos shows. Toda essa galera. A DonaZica foi quase um movimento. Para mim nunca foi apenas uma banda, era um encontro de artistas. Todo mundo com muitas ideias. Tudo muito dinâmico. Foi fundamental para a minha carreira. Foi com a DonaZica que passei a ficar mais disciplinada, a querer viver mesmo de música. No começo achei que ia bombar. Torcia mesmo, porque gostava muito dos meninos. Não tinha nada igual. Mas aí começamos a cair nas teias do enquadramento e engessamento: “Vanguarda Paulistana”! [Bate na mesa como se estivesse carimbando um documento]. "Fiquem aí em São Paulo"! [Bate novamente na mesa]. [Risos]. "É muita gente, não dá pra viajar"! [Bate novamente]. [Risos]. Mas serviu muito como escola para todo mundo. Não só de música, mas de vida mesmo. Foi uma família. Uma família unida. A DonaZica foi uma salvação para mim, porque estava realmente desiludida. Estava me vendo sem lugar. Teve um boom de cantoras... 

BD – Nos anos 90, com o sucesso da Marisa Monte, não é?

Andreia Dias - Quando comecei a cantar não havia tantas cantoras. A Marisa Monte ainda estava começando. Ela é muito importante para mim. A Marisa foi um marco nos anos 90. Atualmente as pessoas querem negá-la. Já vi várias artistas que cantam igualzinho à Marisa e que dizem não ter influência dela. Pode ser que não tenha ouvido, mas já está no inconsciente! Muitas cantoras que conheço passaram a se assumir como tal após ouvir Marisa Monte. Quando eu a vi pela TV, lá no Grajaú (SP), na salinha com a minha mãe: “A lá! Tinha que ser você, ó”! Meu! Eu falei: “Sou eu! Sou eu”! A Marisa Monte me serviu de inspiração. Porque, na verdade, só fui ouvir Gal Costa já adulta. Se a tivesse ouvido jovem, teria me influenciado. Só que não conhecia direito Gal, [Maria] Bethânia... Achava meio careta, meio fora de moda. Aí a Marisa veio para dar esse ar pop às cantoras e, depois dela, veio uma enxurrada de “Marisas Montes”. Eu cantei muito o repertório dela! Em um barzinho em Paraty. Estava cantando lá e um cara gritava: “Marisa Monte! Marisa Monte”! Eu parei: “Meu nome é Andreia Dias”! Aí ele: “Andreia Montes”! “Andreia Montes”! (Gargalhadas). Eu a acho maravilhosa! Ela não é Marisa Monte, é um marco. Um "Marco Monte"! (Risos). Hoje em dia o seu trabalho já não me traz tanta emoção, porque acho muito limpinho, bonitinho demais. Prefiro umas coisas mais sujas. Mas ela tem todo um lugar no meu coração e o meu total respeito. 

BD - Ultimamente o que se mais ouve é que a MPB morreu e, de certo modo, parece que estar preso às tradições se tronou ofensivo. Você concorda com isto?

Andreia Dias – Não sinto isto não. Tenho reverência por todas essas pessoas que fizeram e ainda fazem música na história do Brasil. Os ícones, os dinossauros... Eu só reverencio. Sei do meu lugar e só quero seguir no rastro, na linha do cometa. De leve, na minha. E não estou ligando muito para o que a mídia anda dizendo. Não tenho lido jornal. Eu não vejo nada! Eu estou que nem o Ozzy quando disse que não ia mais abrir a Rolling Stone! [Risos]. Olha, eu vou te falar, tenho uma raiva de certos jornalistas, meu! São raros os que são descentes neste país! É um puta meiozinho nojento! Você fala uma coisa e eles escrevem outra. Fora essa mania de sortear quem é o rei da MPB ou a maior cantora do Brasil. É isso que me enche, sabe?

BD – Mas acho que não há solução para isso.

Andreia Dias – Não tem solução porque a própria estrutura já é maléfica! Ela foi criada pelos iluminatis! [Gargalhadas]. A gente mesmo se joga nas mandíbulas desses jornalistas! E eles vão lá que nem umas piranhas e: “Tchictchictchic”! [Gargalhadas]

BD – E em relação à platéia? Aqui no Rio os artistas costumam reclamar muito da falta de público.

Andreia Dias - É claro que todo artista quer mais público, quer ver a casa lotada. Mas se tiver uma pessoa, dez ou cem, eu vou ser a mesma no palco. Claro que estando o lugar cheio você vai ficar mais... [Suspira]. Com falta de ar. Todos aqueles corações batendo! [Risos]. Mas quando você vê que tem um prestando atenção, cara, já dá muita alegria. Tenho umas coisas que são muito reconfortantes: A Donna Lu, uma mega fã lá de Minas, me manda caixinhas com queijos e outras coisinhas mais. A Héloa, de Aracajú, descobri agora que mudei a sua vida! Ela conseguiu reconquistar o namorado cantando as minhas músicas! E estas coisas eu só pude sentir porque não estou inserida no mainstream. Não tenho a assessoria de imprensa da moda, que você paga X por mês, quase como se fosse um jabá, e que te enfia em todos os programas de televisão, te bota na sala das pessoas que, a partir daí, começam a achar que você é importante. Isto é uma ilusão! É uma mentira! Acho que é muito mais significativo você mudar a vida de um do que ficar numa punheta existencial: “Eu sou foda! Eu sou a música brasileira”! Tem que tomar muito cuidado com isto, viu? A maioria das pessoas não entende,  não consegue enxergar além do que os olhos mostram! Está muito fácil enganar toda essa gente, porque ela já é manipulada há muito tempo. 

BD – Em um outro momento você afirmou que a sua música é arte e não entretenimento...

Andreia Dias – Acho essa frase idiota! [Risos]. Devia estar em outro momento. Porque antes eu dizia que fazia entretenimento. E depois falei isso, é? Onde foi? [Gargalhadas]. Vai ver estava com raiva porque ninguém se entretinha nos meus shows! [Gargalhadas]. E aí eu comecei a achar que estava muito especial, que estava fazendo arte! [Risos]. É uma frase estúpida! [Risos]. Não fui eu que disse, foi o meu ego. [Gargalhadas]

BD – Voltando á questão dos rótulos, você tem problemas com o termo MPB? Acha realmente que ele está falido?

Andreia Dias – Mas, afinal, quem falou isso, que a MPB morreu?!

BD – Muitos músicos têm dificuldades em dizer que fazem parte da MPB.

Andreia Dias – Tudo bem, a MPB morreu, mas renasceu. Mas é só uma palavra, é como uma placa de trânsito. E abrange tanta coisa! É inevitável. É MPB, não tem jeito! Querer ficar brigando com isto, com um rótulo de três letras, a troco de quê? Pra criar outra punhetice que daqui a pouco vai cair no esquecimento?! É música? É popular? É brasileira? É MPB. Acho que este é o único rótulo que não me incomoda.

BD – Você chegou a criar um nome...

Andreia Dias – Antes eu também estava nessa, de querer me dissociar deste termo e blábláblá! É muito discursinho pra nada. Mas acabei criando a “Música Popular Contemporânea da América Latina”. Aí passei em uma banca de revista e li um depoimento da Marisa Monte que dizia que a sua música era contemporânea da América Latina! [Gargalhadas]. Mas os artistas realmente estão com este discurso?  Não querem ser associados à MPB?

BD – Uma grande parte sim.

Andréia Dias – Ah, eu quero! Bota a plaquinha em mim e me manda pro lado do Paulinho (da Viola), Caetano e do Chico Buarque! [Risos]. Não tenho o menor preconceito, reverencio e se puder fazer parte desse círculo, só vou agradecer! [Risos]. Esta geração não vai ser separada da que passou e nem da seguinte. Todos somos uma coisa só. Querem é fazer guerrinha! Vem com uns papinhos! Eu já vi alguns artistas dizendo: “Esta é a geração mais brilhante da música brasileira”! Isto é uma arrogância, uma falta de respeito! Vão se enxergar! Saiam das suas zoninhas de conforto aprovadas por algum projeto de incentivo e vejam o mundo! Vão se autoconhecer antes de ficar falando qualquer coisa. Eu sei que já falei muita besteira e sempre vou admitir quando estiver errada ou equivocada, mas esta frase é uma bosta! Às vezes você fala umas coisas porque está inflamado, está dando uma entrevista, acha que é uma pessoa muito importante e tal. Na real, nada de novo está sendo feito, tudo é uma transformação. É um rio que vai. Acho que MPB é só um indicativo, uma plaquinha na beira da estrada, não é mais do que isso. Não estou com saco para ficar inventando rótulos: “Ah, eu não faço parte da MPB”. E você vê que todo mundo quer inventar um rótulo e não pega! Agora, sempre que me perguntam, eu falo MPB ou música brasileira. “Ah, mas não é rock”? “É de tudo um pouco, tem que ouvir”! Ai, gente, tem que simplificar! É música e pronto! Música Brasileira: MB! Vamos inventar MB agora! [Risos].

BD – Em época de Twitter e seus 140 caracteres, a gente encurta! Tá na moda! [Risos]. 

Andreia Dias – É! Tira o popular porque no nosso caso não é popular mesmo! Popular é povão! Então MB, Música Brasileira! A geração MB! [Risos]. Ou, se inverter, BM: Bunda Mole! [Gargalhadas]

2 Responses to sobre a verdade e a mentira

  1. claudia dorei :

    hahahahahaa
    muito bom!
    adoro esse blog
    e adora a Andreia!

  2. Já conhecia a música.Depois de conhecer a Andreia pessoalmente sei que todo este argumento só podia sair da boca dela.Sucesso!

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