rompe & rasga & come

baile primitivo  | primeira fileira, da esquerda para direita:  michele leal, diana daou, bella meirelles, ava rocha e gabriela campos | segunda fileira da esquerda para direita: bruno cosentino, marcos lacerda e negro leo | fotos: daryan dornelles



Manifesto Baile Primitivo

1. Com livros, com fuzil e sem Coca-Cola: por que não?

O carnaval é a explicitação de uma sociedade desigual, violenta, desesperada, rebelde e potencialmente revolucionária. O avesso do pacto nacional de conciliação de classes. Diabinhos armados com artefatos luminosos, zé pereiras de faca amolada, índios com metralhadoras, capoeiras e cucumbis comandando tanques de guerra ao som de saraivadas de balas, em meio às troças dos mascarados. Você me conhece?

Baile primitivo é entrudo, vilas místicas dos caboclos do contestado, canhões do almirante negro, movimentos anarquistas, conferência de Bandung, movimento dos países não-alinhados, luta armada guerrilheira revolucionária, os três impérios de Joaquim de Fiori, Agostinho da Silva, “propaganda pelo fato”, Darcy Ribeiro, Prata Preta, neopaganismos, levante zapatista, bate-bola, black bloc, marcha das vadias e pinkbloc. 

Sobrevivendo no inferno.

As grandes sociedades (Tenentes do Diabo, Democráticos, Os Fenianos, etc.) eram os pacificadores do carnaval carioca do século XIX. Eram os amenizadores, amortecedores, controladores da força popular do carnaval da cisão, da fratura social, da fissura, o carnaval do conflito social, do antagonismo, da luta de classes, sem conciliação. O carnaval primitivo. Vândalo é o Estado e o Mercado.

Filhas e filhos da ira no delírio antitotalitário da cola de sapateiro metendo o grelo na geopolítica da mulher maravilha. Jacarandá, que flor seria essa? 

Podem surgir dos bairros, das ruas, dos conjuntos residenciais, das favelas, mocambos, malocas e alagados e do Conhecimento e conversação do Santo Anjo da Guarda. 

Cavalos, vacas, ovelhas e insetos. Todos mudarão. A humanidade ainda está na sua infância. Sob o silêncio das máquinas, carne verdes e vacina e elementos belicosos da classe temerosa. O vanguardista está na ponta de qual corrida? Uma zona de furta-cor de onde emerge o supereu humorístico: pai, afasta de mim este riso de sangue

Demarcação de terras indígenas. Seringueiros, ribeirinhos, índios, operários e a lista de morte dos latifundiários do capitalismo 2.0. Poemas do cárcere de Ho Chi Min. Grupos de crime organizado (Coca-Cola, McDonald’s, FIFA) colonizando países emergentes. Não vai ter Copa! Meu cu é laico! Todo poder para o povo! Bancos públicos e privados quebram vidas. Anarquismos, comunismos e milenarismos. Pálidos economistas pedem calma...

2. Macaco é outro.

O ecletismo das ideias liberais escravocratas da conciliação. A transição classista da anistia para os orangotangos do conservadorismo militarizado. O obscurantismo do realismo capitalista na redemocratização.O poder moderador do imperador da canção popular (guardado por Deus, contando vil metal) entre os gaviões e os passarinhos de São Francisco de Assis.
Protegidas pela Guarda Nacional e pelo comitê policial da cultura letrada e do bom gosto, caras rosadas, nutridas, branquíssimas ou douradas pelo sol, se pintam de verde e amarelo e manifestam sua indignação contra a falta de cultura do público da nova vedete da música popular brasileira.

O pêndulo fica em cima do muro, entre a direita e a esquerda, e sempre retorna ao centro. Os liberais vibram, mas quando o pêndulo se mantém no centro, o relógio para. 

Nora Ney. Jorge Goulart. Conjunto Farroupilha. Maria Helena Raposo. Celia de La Serna. Carlos Marighella. Oscar Niemeyer. Lúcio Costa. Cortina de Ferro. Janelas Abertas. Antes do Ornitorrinco. 

Não se trata de realismo socialista, realismo capitalista, nacionalismo fantasioso, exotismo ilegível, “arte pela arte” burguesa. Os intelectuais e artistas juntam livros e rifles e, como últimos soldados da guerra-fria, começam a ouvir o diabinho cubano desafiador.

Rádio e TV Martí informa: indígenas, gays, mulheres, negros e brancos acabam de se filiar ao Alpha 66. Para o delírio totalitário dos estudos culturais. Enquanto isso, sujeitos monetários sem dinheiro transitam pela cidade e assustam turistas em transe e jovens adultos de classe média, que ainda não saíram do jardim da infância. 

Mas a Rede Vespa está de campana...

Arrastão na praia de Ipanema. Rolezinho nos shoppings de São Paulo. Coquetéis molotov no consulado dos EUA e no Clube Militar. Pedras quebrando vidraças de agências bancárias. Carros da PM queimados por militantes anarquistas. Ocupação de prédios para moradia popular. Ocupação de terras do latifúndio: baile primitivo.

Contra a despolitização com interesse político liberal mercadológico e classista hierárquico. Contra os novos conformistas, as variações contemporâneas da patrulha odara, as aves de rapina travestidas de cordeirinhos “amigos do povo”. Abaixo intelectuais tecnocratas dublês de banqueiros. Abaixo aristocracias de burocratas do Estado. Abaixo relativismos culturais pós-tudo e seus pares reacionários: os elitistas esnobes acríticos e suas reações de pavor diante do protagonismo popular. Basta de relativismo liberal mascarado de barroquismos tropicais, “modos de ser do Brasil” e figuras míticas sem história. A estátua de Glauco enfim mostra as suas feições aterradoras. O rei está nu e não é bonito. 

3. O que resta da ditadura? Os patetas adoram o discurso do poder.

Filósofos gays liberais, musas do topless, artistas rebeldes de classe média, estudantes barbudos de esquerda universitária, burguesia folclórica Rio-Paris, profissionais liberais e potenciais integrantes do Big Brother se divertem na praia de Ipanema, enquanto mulheres e homens negros pobres são vigiados ostensivamente pelas forças repressoras do mercado livre e do Estado democrático de direito.

Ao invés do equilíbrio de antagonismos (tão ao gosto dos nossos intelectuais malemolentes da “democracia racial” e da conciliação de classe ) a explicitação das contradições e o chamado ao confronto direto e à luta: baile primitivo.

O líder camponês. O líder sindical. A máscara negra da fome na melancolia dos trópicos. “Está vendo o que é o artista? Um imbecil, um analfabeto, um despolitizado, em festa permanente, rebolando no caos da miséria globalizada, enquanto o capitalismo ri de si mesmo e se faz paródia, alegria, alegoria”.

Bárbaros mandirobas com pés espalhados entoam a copla ao som do mestre de pancadaria e se juntam ao Rompe e Rasga e aos Destemidos da Chama, assustando os amenos carnavais do Resedá.

Quando o Brasil mítico, pré e pós-ocidente, encontra a história da luta de classes. Capoeiras, caboclos, milenaristas, indígenas e a plebe proletarizada e não proletarizada. O espírito de Deus se agita e no mar revolto a jangada volta cheia. É a Hora! É a Hora! 

Exército anarquista de libertação. Alguém me disse, e o peixe amarelo eu vi navegar. Eles eram muito cavalos. A garoa rasga a carne. Quando os barquinhos da Bossa Nova integrarem a esquadra revolucionária. Ele disse a ela e escancarou os dentes, esperando a morte chegar.

Entre as duas torres, um clarão. Imagens e fantasmagorias. Subflor e mais flor. Dinamitar a ilha Brasil, pairando, porque não podes. O futuro só pode vir na forma da monstruosidade. O tigre agachado e o dragão enroscado estão mais majestosos do que nas eras passadas, enquanto a lâmina aguda ceifa as raízes da propriedade privada. 

Justiçamentos. Tribunal do povo. Justiça popular. Nos meus retiros espirituais. Cortar a cabeça do capitalismo. Censurar ninguém se atreve. Balança rede, balança. 

Uma bandeira negra e vermelha tremula nas ruas do Brasil. Da ditadura democrática do povo. O terror revolucionário. A grande onda da liberdade de amar. Eu não nasci pra morrer.


Marcos Lacerda







Belo Monte, massacre do Pinheirinho, médicos cubanos, rolezinhos, o genocídio Guarani Kaiowá, Jean Wyllys, Marco Feliciano e a homofobia, black bloc, mensalões, bancada evangélica e o aumento da intolerância religiosa, UPPs, remoções generalizadas, Amarildo, Marina Silva e a sua Rede Sustentabilidade, Aldeia Maracanã, crise no sistema penitenciário do Maranhão, Movimento Passe Livre e o protestos de junho... Os últimos anos foram bastante turbulentos para todo o país. A política, que há tempos vinha sendo tratada com desinteresse por boa parte da população, assumiu seu caráter imperativo, deflagrando uma onda de conflitos que perpassaram por todas as esferas da sociedade. Assim, em pouco tempo, tornaram-se quase que obrigatórios a leitura e o posicionamento críticos diante de tantas irregularidades e fatos calamitosos que vieram à tona, seja através da grande mídia ou dos veículos alternativos. Tal postura, logicamente, também se estendeu para a classe artística que, em ações individuais ou coletivas, passou a divulgar publicamente as suas opiniões.
Entretanto, seria de se imaginar que esta classe fosse mais além. Afinal, se a matéria prima de seu ofício é retirada do cotidiano, como ficar imune diante de tamanhas perplexidades? Como, mesmo que de forma sutil, não utilizar um material tão rico na hora de dar vazão a seus trabalhos? Se é consenso que qualquer arte panfletária torna-se menor (mesmo que Violeta Parra e o construtivismo russo provem o contrário), também há de se pensar que a criação de gêneros como o tecnobrega e o funk carioca, bem como a ascensão da cena independente brasileira, devem-se quase que exclusivamente a contingências socioeconômicas. E é sobre estas questões que conversamos com o sociólogo e compositor paulistano Marcos Lacerda. Um dos idealizadores do Baile Primitivo, projeto carnavalesco de forte teor político que reúne diversos artistas da cena independente carioca, Marcos foi convidado para uma entrevista pelo Banda Desenhada. Radicado no Rio há mais de oito anos e dono de um discurso por vezes controverso, o sociólogo nos falou a respeito de seu projeto, além de fazer críticas bastante severas ao cenário político atual e à própria classe artística, corroborando com a onda de protestos que ecoa pelo país. A longa entrevista se iniciou em um bate-papo informal em um bar no bairro da Lapa (RJ), se desenvolvendo ao longo de algumas semanas através de diversos e-mails.


BD – Como surgiu a ideia do Baile Primitivo?

Marcos Lacerda – A ideia do baile primitivo é, na verdade, bem antiga, ou pelo menos o esboço do que ele viria a ser. Há alguns anos, Negro Leo e eu nos encontrávamos com frequência em um apartamento em Abolição (bairro do subúrbio do Rio) para ouvir canções e conversar sobre coisas variadas: estética, política, literatura e, claro, canção! Estes encontros contavam também com a presença de diversos amigos, como o baterista de samba jazz Daniel Fernandes, o artista plástico Luis Augusto e o letrista e poeta Ricardo Pitta. Ouvíamos coisas muito variadas: discos de jazz do Coltrane, Miles Davis, Thelonius Monk, Charlie Parker, Art Blakey, Bil Evans; música erudita experimental (especialmente Satie); além de discos de cancionistas brasileiros (geralmente classificados com a estranha sigla da “MPB”) e de alguns “malditos”... Bom, quando passei a frequentar a Abolição, levei comigo os meus discos de canções da época de ouro. Eram discos do Custódio Mesquita, Joubert de Carvalho, Assis Valente, Lamartine Babo, Wilson Batista, Ary Barroso, Haroldo Lobo, entre outros. Passávamos madrugadas inteiras ouvindo estas canções e conversando sobre a sua história, instigados pela potência sonora e a força poética que sentíamos ao ouvi-las. Tentávamos assim criar interpretações soltas, na alegria da produção coletiva do pensamento e da apreciação estética. Ao mesmo tempo, nos indagávamos sobre o quão distante dessa força e potência eram as regravações desse repertório, especialmente as mais contemporâneas. Parecia que a força que havia ali era amortecida, controlada, capturada, enfraquecida, despotencializada, em suma, transformada em uma música bem comportada, entre a dimensão da respeitabilidade museológica e a apropriação festiva caricata. Aquela poética assombrosa que percebíamos ali, na audição das gravações originais dos discos, parecia, em muitas das regravações, poesia rala, mediana, amena, como muito o que se faz entre os cancionistas geralmente categorizados como “MPB”... Eu costumava dizer que era nessa geração da época de ouro que se estava a gênese de toda a canção brasileira, que aqueles autores tinham sido capazes de potencializar a linguagem da canção e de descobrir a sua força como linguagem artística, uma linguagem que não pode ser classificada em nenhum gênero, que atravessa todos os gêneros e que é feita por todas as classes, no mesmo grau de excelência e inventividade. Quer dizer, tanto na dimensão estética, quando na dimensão política e social, a canção é uma arte potencialmente revolucionária, arisca e hostil às tentativas de reduzi-las a objetos de luxo burguês, ao “bom gosto” das elites culturais e segmentos da classe média. Talvez aí resida um parâmetro crítico possível para a análise de canções, sem os cacoetes do relativismo de feição multiculturalista e “antropológica” e o esnobismo acrítico recheada de preconceitos contra a criação artística das classes populares. Talvez o que possa diferenciar canções esteticamente relevantes de canções medianas seja justamente levarmos em consideração este fator, analisando-as dentro desta lógica que parte do pressuposto de que o que há de singular na canção como linguagem artística é justamente a impossibilidade de classificá-la dentro de um gênero artístico (como a literatura, o cinema, as artes plásticas, o teatro etc.) e o fato de que todas as classes sociais fazem canção, com o mesmo grau de relevância, inventividade e também, claro, de irrelevância e reprodução monótona de padrões estilizados. A geração da época de ouro, era isso que notávamos, tinha descoberto a singularidade da linguagem da canção, embora naquele momento só tivéssemos prestado atenção para o potencial esteticamente revolucionário daquelas canções. Recentemente, em uma conversa com Ava Rocha, Bruno Cosentino e Bella Meirelles, Negro Leo retomou a ideia de se apropriar das canções da época de ouro, destacando a sua potência sonora e estética, e sugeriu fazer um baile de carnaval com uma seleção criteriosa desse repertório. Assim, iria ser ressaltado a dimensão “primitiva” dessas canções, aquilo que não foi domesticado pelas regravações posteriores, aquilo que nunca se enquadrou no quadro musicológico das suítes nacionalistas. Então, ele e o Bruno me convidaram pessoalmente para fazer a seleção do repertório (que pesquiso há bastante tempo) e entrar como diretor artístico do projeto. Eu disse sim, mas com uma condição: que o baile fosse não só esteticamente contundente, mas politicamente também, ou seja, que fosse um baile de carnaval intencionalmente politizado, levando em consideração o contexto atual de movimentação complexa da sociedade brasileira com as jornadas de junho, o fortalecimento de um pensamento crítico de esquerda e a retomada de uma série de temas que tinham sido abandonados ou descartados pela hegemonia do discurso da direita liberal, que é hegemônico nas elites políticas e artísticas do Brasil da redemocratização. Temas como a luta política de esquerda revolucionária, os movimentos sociais de esquerda mais combativos e os segmentos das classes populares mais rebeldes e que se negam a fazer parte do nosso genocida pacto nacional de conciliação de classes... Portanto, eu entrei posteriormente a esta primeira conversa entre Ava, Bruno, Bella e Negro Leo e trouxe à questão da dimensão política, da retomada de algo do debate da canção brasileira da década de 60, por isso escrevi no início do manifesto: “Com livros, com fuzil e sem Coca-Cola: por que não?”, como que retomando o debate deste período, numa posição contrária ao desengajamento dessa canção...  Em suma, a seleção do repertório foi pensada desta maneira, com o interesse de realçar também a dimensão política, junto com a estética...


BD – Falando assim, não tem como não se lembrar da oposição do [diretor de teatro e dramaturgo] Augusto Boal em relação aos tropicalistas...

Marcos Lacerda – Você tem razão. Muito do que queremos passa por um gesto de retomada de algo da movimentação cultural e política de esquerda do início da década de 60: os Centros Populares de Cultura da UNE; a alfabetização popular do Paulo Freire; a teologia da libertação dos intelectuais católicos de esquerda; toda a movimentação do teatro político, com o Boal, Vianinha, Guarnieri; as ligas camponesas; as reformas de base de Jango; e mais as discussões acerca da esquerda (tanto a que se alinhava ao bloco socialista, quanto a que estava associada ao movimento dos países não alinhados)... O fato é que havia no Brasil a constituição de uma movimentação de esquerda que foi derrotada pelo capitalismo tanto na ditadura militar quanto na abertura política conservadora da redemocratização, com a hegemonia do que chamarei aqui de “relativismo liberal”. Sem dúvida nenhuma, alguns artistas ligados ao tropicalismo contribuíram de forma voluntária ou involuntária para que essa movimentação de esquerda fosse aos poucos sendo esquecida ou mesmo considerada algo ultrapassada, tanto no que diz respeito à dimensão política quanto à estética. Era como se a esquerda fosse ingênua e quadrada tanto nos seus objetivos políticos quanto estéticos. Para os mais desinformados há a impressão de que os artistas engajados na esquerda eram incapazes de entender as complexidades da arte moderna, das vanguardas artísticas, e que não tinham a mesma capacidade de entendimento e a mesma sensibilidade que os artistas vinculados ao tropicalismo. Não à toa, vivemos hoje, pelo menos entre muitos dos artistas de classe média ligados à canção popular, um clima de despolitização assombroso, um desinteresse brutal e até mesmo cruel em relação à questão política, como se o desengajamento fosse a comprovação de alguma capacidade maior para o entendimento político e estético. Nada mais falso e autoindulgente! Na verdade, uma postura totalmente informada por uma perspectiva política liberal que bambeia entre a direita e a esquerda, mas que sempre coloca em primeiro lugar os interesses pessoais que, não à toa, se confundem com os interesses do sistema capitalista e com suas lógicas de reprodução social. Como bem o sabemos, a sociedade “livre” capitalista, dependendo da circunstância, pode ser personificada tanto em militares de direita autoritária quanto em simpáticos liberais democratas interessados na ordem pública, na liberdade de expressão e no estado democrático de direito, desde que sob a égide da sociedade de mercado. Eu diria, inclusive, que a despolitização tem servido para a realização cínica de muitos interesses políticos e econômicos nem um pouco nobres...


BD – Essa questão da “arte engajada” sempre gerou bastante discussões, muito por conta da estética e dos processos criativos estarem atrelados a uma subjetividade indesejada pelo discurso político que, a princípio, tem por objetivo uma comunicação clara e direta... 

Marcos Lacerda – Eu tenho a impressão que o grande problema se situa justamente aí, nesse modo de pensar o lugar da política e da estética. Os trabalhos em arte mais relevantes e com pensamento político crítico são justamente aqueles que não reduziram a linguagem estética e a política a uma comunicação “direta” e “clara”, ressaltando a complexidade que envolve a sua produção. Em um primeiro momento, para ficarmos nos exemplos mencionados anteriormente, o tropicalismo atuou como uma linguagem estética com pensamento crítico e político sofisticado e à esquerda, inclusive em relação à própria esquerda “oficial”, ou pelo menos um segmento da esquerda oficial. Havia um engajamento claro no que diz respeito às questões sociais e políticas de um país situado na periferia do capitalismo e uma intenção – pelo menos no início e na fase coletiva do movimento – de colaborar criticamente e reflexivamente com o pensamento de esquerda. Depois, aquilo que poderia ser uma radicalização do projeto da esquerda – flertando tanto com o anarquismo, quanto com o milenarismo popular revolucionário – se transformou em um relativismo liberal problemático e bem longe do projeto da esquerda. Um exemplo de pensamento crítico de esquerda que não se reduz a uma comunicação “direta” que não leva em consideração a complexidade da estética ou da política, é o pensamento de Antonio Candido, Mário Pedrosa, Anatol Rosenfield, Paulo Emílio Salles Gomes e Roberto Schwarz, entre muitos outros [todos os citados são críticos de diversas áreas artísticas]. No excelente ensaio a respeito de “Verdade Tropical” -o não menos excelente livro de Caetano Veloso- Roberto Schwartz insiste justamente neste fato, mostrando o quanto que a redução do discurso político a uma mera comunicação direta (que não leva em consideração as complexidades da linguagem, da dimensão simbólica e dos significados múltiplos) e a retirada da dimensão política, econômica, social e histórica da estética acabam por integrar uma mesma lógica discursiva, gerando uma série de confusões, com seus reducionismos políticos e estéticos. Nada mais redutor e limitado do que falar em função “social” da arte, tanto no caso daqueles que querem desqualificar a criação estética, quanto no caso dos que querem afirmar a sua pretensa autonomia e descartar a dimensão política... Então a questão é enlaçar política e estética, pensá-las através de relação dialética levando em consideração as suas complexidades, mas jamais fingir que não vivemos numa sociedade capitalista e que não existem polarizações ideológicas e que o artista, o operário, o sociólogo, o político profissional, a animadora de auditório, em suma, todos tomamos posição em algum momento, e a própria negação do engajamento é uma forma de se engajar, bem menos sincera ou mesmo bem menos consciente dos pressupostos e dos valores que lhes dão sentido. O que estou pedindo é para levarmos em consideração as complexidades da relação entre estética e política e não abandonarmos o debate por conta de uma suposta autonomia irredutível da estética ou da política. Ou seja, se a estética não habita um espaço sem política (pois ela é feita por seres sociais, historicamente situados, vivendo numa sociedade de classes), a política também não habita um espaço sem a estética... Não se engajar é se engajar de uma outra maneira. 


BD – No Baile Primitivo, vocês se apropriam de canções antigas e as relacionam com a realidade brasileira atual. Por que não optaram por criar um repertório próprio, com uma linguagem e uma visão contemporâneas? 

Marcos Lacerda – Olha, primeiro porque fui chamado depois do projeto ter sido idealizado. Como disse antes, fui designado a selecionar o repertório e construir o argumento. Não sou artista, só recentemente tenho feito letras para canções com o Negro Leo. Faço mais o papel do crítico, do pesquisador e, como já deve ter percebido o eventual leitor, de vigilante político entre os meus amigos artistas. Em suma, sou o sociólogo chato de esquerda heterodoxa da turma... Assim, não seria eu, digamos assim, quem decidiria por fazer um repertório próprio, com canções próprias... mas é evidente que posso responder o porquê da escolha de se apropriar do repertório de canções da época de ouro. Primeiro, porque, como respondi na primeira questão, entendemos este repertório como a gênese de toda a canção moderna feita no Brasil. Muito do que aparecerá depois de mais relevante na canção brasileira é, em certa medida, influenciada por essa primeira geração de cancionistas. Assim, nos parecia conceitualmente relevante para o nosso projeto retornar a este repertório com a intenção de realçar justamente isso, a força estética dessas canções e a modernidade delas. Retornar às canções da época de ouro para repensar a gênese dessa linguagem artística tão complexa e que no Brasil tem uma força incrível, como sua forma bem democrática de interpretação do mundo e de criação de novos mundos. Todas as canções selecionadas para este projeto foram compostas num período em que o Carnaval feito no Brasil (muito diferente do que o entendemos hoje) estava em gestação, com a presença de uma série de segmentos da nossa sociedade que se expressavam de modos diversos. Ainda mais, nesse período, o Brasil, tendo o Rio como capital e epicentro de profundas transformações sociais, passou por um processo de modernização conservadora e autoritária, com expulsão e eliminação de moradores pobres, ex-escravos, capoeiristas, trabalhadores pobres etc. tudo para impor um modelo de nacional desenvolvimentismo atrelado ao Capital, do mesmo modo que vivemos hoje no Brasil contemporâneo e no Rio de Janeiro, com as remoções e a militarização de favelas e bairros populares e a repressão e a perseguição a manifestações e militantes políticos de esquerda mais radical (movimentos anarquistas, tal qual ocorrerá nas primeiras décadas do século XX). Tudo para a realização da Copa do Mundo e Olimpíadas. As canções que selecionamos para o repertório são atuais e modernas tanto numa dimensão estética quanto política, pois as políticas de modernização autoritária e conservadora continuam a ser a forma de ação política no Brasil. “Praça Onze” (Herivelto Martins e Grande Othelo, 1942) trata de um processo de “revitalização urbana” que viria a destruir a Praça Onze, um lugar mítico na formação do samba carioca e da canção brasileira em geral. Veja você os processos atuais de revitalização na área portuária da cidade, seguem a mesma lógica de destruição de símbolos culturais, especialmente de modos de sociabilidade construídas por segmentos das classes populares. "Fogo na Roupa” (Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, 1951) parece uma descrição de algumas manifestações populares aqui no Rio no ano passado, como a resistência popular com uso de coqueteis molotov e a forte repressão policial, com o uso inclusive do monstruoso e infame “caveirão”. A canção diz “Não saio mais de casa/ que a rua não está sopa/ se a gente se descuida/ é fogo na roupa/ a vida por aqui cada vez mais arriscada/ não se tem sossego até na calçada/ deviam ter pintado em cada poste uma caveira/ avisando a gente que a rua é uma fogueira”... “Polícia no Morro” (Geraldo Pereira e Arnaldo Passos, 1952) trata desse modo constante como as forças repressoras do Estado agem em favelas e bairros populares no Brasil, ecoando algo da militarização das favelas de hoje e que vem se estendendo para o resto da cidade; “Tem Francesa no Morro” (Assis Valente, 1932) pode ser pensada como um retrato contemporâneo do processo de aburguesamento das favelas cariocas, com a presença de turistas em transe que vem, inclusive, alugando casas em favelas para fazer festinhas moderninhas. “Não Pago o Bonde” (Leonel Azevedo e J. Cascata, 1937) ecoa a questão do Movimento Passe Livre e de todos os movimentos contemporâneos favoráveis a um transporte público gratuito; e assim por diante...


BD – E como serão essas releituras?

Marcos Lacerda – Em uma conversa recente com o Negro Leo (cujo disco “Ideal Primitivo” é uma expressão de algumas das principais ideias de nosso baile), ele me disse estar muito interessado em um aspecto fundamental que marca a música do século XX, quando a experiência com o som passou a exigir a incorporação da dimensão sensorial, pulsional, corporal e a perda da centralidade da música “escrita”. Ainda no início do século XX, antes do desenvolvimento da nossa canção moderna de rádio, a música popular feita no Brasil, como bem nos mostra Luis Tatit em “O Século da Canção”, era dividida entre a música escrita (considerada mais respeitável) e a música feita a partir de experiências sonoras, com artefatos, instrumentos e palavras. Esta música “falada”, ou entoada de um modo diferente da música escrita, foi o que gerou o que chamamos hoje de canção brasileira. A geração da época de ouro foi a primeira a realizar este tipo de música “primitiva”, feita de “ruído”. Em gravações deste período, podemos encontrar Luiz Barbosa tocando chapéu de palha e Noel Rosa produzindo percussão com o lápis nos dentes! O “som” da palavra, do corpo, de artefatos e instrumentos se transforma em “música”. A canção moderna brasileira da época de ouro é primitiva!
Assim, o modo “concreto” como será estruturado os arranjos têm relação com isso, pois enfatizaremos esta incorporação da dimensão corporal e pulsional de que falei, que nos libera, em certa medida, da mera reprodução da partitura. Uma nova estética do som, portanto, que nos permita ter a liberdade de “improvisar” sobre o repertório, ao invés de reproduzi-lo mimeticamente, como se houvesse uma forma certa de fazê-lo. Estruturamos o grupo da seguinte maneira: teremos cinco instrumentistas responsáveis pela percussão (Thomas Harres, Daniel Fernandes, Renato Godoy, Jam da Silva, Rafael Rocha), quatro guitarristas (Marcos Campelo, Eduardo Manso, Pitter Rocha e Gabriel Ballesté), três baixos (Pedro Dantas, Guilherme Lírio, Felipe Zenícola), três músicos responsáveis pelos arranjos eletrônicos (Lucas Paiva, Sávio de Queiroz, Cadu Tenório), um trombonista (Antonio das Neves), seis cantores fixos (Michele Leal, Negro Leo, Bruno Cosentino, Bella Meirelles, Ava Rocha e Luis Augusto), além de três figurinistas (Ava Rocha, Bella Meirelles e Gabriela Campos), dois produtores (Alan Athayde, que produziu a bem sucedida Temporada Gancho, no ano passado, e a querida Diana Daou) e um técnico de som (Felipe Ridolfi). Os arranjos musicais serão criados coletivamente. A direção artística geral e escrita do manifesto estão sob minha responsabilidade e, por fim, a construção do argumento geral ficou comigo e com Negro Leo. As releituras serão feitas através de improvisações sobre o tema, como um concerto de música de improvisação. Mas, claro, a sua realização será uma construção coletiva, cada um colaborando com a sua inteligência e sensibilidade. Na construção do figurino, nós resolvemos usar trapos, farrapos, papeis soltos, espelhos quebrados, sacos plásticos... em suma, tudo que pudesse conferir um tom mambembe, sujo mesmo, com figurações imprecisas, difíceis de tornar inteligíveis e, ao mesmo tempo, com uma certa agressividade, distante de muitas das imagens e fantasias de carnaval mais festivas, amenas e palatáveis. Os músicos instrumentistas escolhidos também ecoam algo disso, são músicos que fazem parte de uma “cena” inventiva e experimental na cidade do Rio, que raramente aparecem nas grandes mídias que monopolizam o espaço de informação e divulgação cultural na nossa triste cidade, como no caso dos músicos do Chinese Cokkie Poets e de outros que trabalham com sonoridades eletrônicas em espaços como o Comuna, o Áudio Rebel e o Plano B; além dos músicos que tocam em gigs de free jazz... No que diz respeito ao grupo vocal fixo, são cancionistas de uma nova geração que começam a fazer shows pela cidade e a lançar discos, à exceção de Luis Augusto, que é artista plástico, mas já participou de shows do Negro Leo e também é compositor. Negro Leo é, para mim, o artista da canção mais interessante entre os nossos pares contemporâneos e com a poética mais sofisticada, potente e politizada. Vem fazendo excelentes shows e já lançou três discos (“The Newspeak”, “Ideal Primitivo” e “Tara”), além de um EP (“Super-Homem Cordial”). Bruno Cosentino, além de compositor e cantor brilhante, é também um intelectual refinado, com publicação de textos sobre estética, música e canção. Faz parte do grupo Isadora e vai lançar este ano um disco de canções autorais, além de uma revista de crítica em canção e música. Ava Rocha é um acontecimento. A sua presença e a sua voz são uma das coisas mais significativas e fortes da canção contemporânea brasileira. Ela trabalha com cinema, lançou um álbum com a banda AVA e está para lançar um novo disco este ano ainda. Bella Meirelles trabalha no projeto musical Real Imaginário com Rafael Rocha e está para lançar seu primeiro EP solo, "Assim Cresço". Ela também tem um blog de poesia muito bonito, o Precisa de Estofo. Michele Leal é uma beleza, eu sou deslumbrado por ela. Fui a uma de suas apresentações e fiquei feliz da vida. Ela canta lindissimamente bem, tem domínio técnico, divisão de ritmos sofisticada e consegue concentrar as atenções do público com uma capacidade de comunicação impressionante. Lançou um EP, “Jacarándá”, cuja canção homônima, dela e do Alan Athaide, é belíssima! 


BD – Todo o projeto é bastante ambicioso. Ele se limitará a este período de férias e de Carnaval ou terá algum desdobramento? 

Marcos Lacerda – Sim, certamente ele vai se estender para além deste período de férias. Temos interesse em fazer pequenos vídeos dos shows com o intuito de, quem sabe, transformá-los em um DVD. Também temos alguns planos de nos apresentarmos em outros lugares, além da feitura de um disco com as gravações das canções dos shows. Também pretendemos fazer um livro sobre o projeto, contando a história das canções, explicando as referências dos manifesto, as fantasias, o sentido dessa politização e estetização do Carnaval e da canção da época de ouro que estamos sugerindo, as relações entre a questão política contemporânea e as questões políticas do período, os movimentos sociais, a complexidade das lutas sociais populares, as sutilezas e ambiguidades na relação entre estética e política, a necessidade de retomar este debate, etc. Tudo vai depender, obviamente, de como vai se dar a recepção do público, da forma como poderá ser entendido o projeto, se de fato ele vai acontecer como algo relevante ou não. Tudo é muito incerto, especialmente numa cidade em que há apenas um jornal que monopoliza a divulgação cultural e que, por motivos realmente difíceis de entender, continua a ser referência para muita gente, inclusive para pessoas inteligentes... mas temos um grupo enorme de artistas talentosos, criativos e com uma relação crítica com a realidade politica, social, econômica e estética. Tivemos uma simbiose para mim até agora surpreendente, como se todos tivessem na mesma frequência, no mesmo astral, ligados à mesma problemática, interessados de fato em fazer um gesto político como artista, em interferir no campo político efetivamente, sem mentiras, delongas, relativismos sonsos, cinismos falsamente complexos etc. Agora, o projeto é mesmo ambicioso. É assim porque se trata de uma exigência do nosso tempo: precisamos ser ambiciosos, ter a coragem de participar efetivamente da construção da nossa história, interferir e transformar a realidade (social, econômica, política e estética) sobre todos os aspectos. Para isso é preciso trabalho, muito trabalho, não basta ficar contemplando as variações da frequência da luz solar enquanto a classe trabalhadora se sente massacrada por estas mesmas variações... é preciso ter uma postura um pouco mais contundente e séria em relação a isso e é preciso estudar, se colocar à disposição do aprendizado e estar aberto à mudanças, aos acontecimentos... Tivemos um acontecimento espetacular com estas jornadas de junho e muitos artistas não fizeram absolutamente nada relevante, não criaram nada que pudesse dialogar com este processo contemporâneo, que pudesse colaborar para que pudéssemos compreendê-lo melhor, ou potencializá-lo. Houve uma clara apatia e no caso da canção popular, eu não vi nenhum desses novos artistas da canção tendo uma participação sensível e intelectual neste processo, só vi adesões em redes sociais e reprodução de clichês e slogans polemistas, sem reflexão ou uma criação crítica. Se você for analisar os outros momentos de movimentação complexa política e social, verá que eles sempre vieram acompanhados de uma estética capaz de trazer dimensões outras. Isso aconteceu nas manifestações, mas não em nenhum movimento organizado de artistas interessados em interferir conscientemente no processo, como acontecera na década de 60, da movimentação da esquerda reformista e potencialmente revolucionária ao golpe militar da direita capitalista. Naquele momento, artistas estavam participando do processo, criando obras capazes de dialogar reflexiva e criticamente, porque eram “politizados”, ou seja, estavam interessados em compreender a realidade social, política, econômica, cultural etc. do país e do mundo. Os que se sentem herdeiros da geração de artistas da canção popular da década de 60 precisam saber que estes artistas, quando jovens, estavam todos ativamente interessados em discutir a dimensão política do real e interferindo conceitualmente e esteticamente... agora parece que os jovens artistas de classe média têm medo de se misturar ao real, de se lambuzar e atuar na luta social efetiva, é tudo “estetizado” no pior sentido do termo, e todos com medo de desagradar os artistas mais velhos e consolidados no mercado de ideias...
Mas, claro, eu tenho esperanças, especialmente nos segmentos populares, nas classes populares da sociedade brasileira, e vejo estas manifestações –além dos ganhos sociais do governo Lula- como uma oportunidade histórica rara de o Brasil integrar a uma tradição de vanguarda dos povos revolucionários e de ser uma espécie de vanguarda dos movimentos políticos e sociais mais revolucionários e inovadores do mundo do século XXI, hipercapitalista e dominado pelo Império. Mas isso só será possível se conseguirmos criar condições para a emersão do potencial rebelde do povo brasileiro e transformarmos radicalmente as condições materiais de existência das classes populares. Com o fim do modelo de modernização socialista, criou-se um falso consenso a respeito do que seria a democracia, que passou a ter como único modelo, o modelo capitalista, seja nas formas de hegemonia do mercado ou mesmo nos modelos mais suaves de parceria público-privado, e a partir daí começou a se constituir uma série de hostilidades militar, econômica, política, social, normativa e intelectual a qualquer tentativa de criar uma ontologia política alternativa ao modelo capitalista de democracia. O Império conseguiu pulverizar as lutas sociais e despotencializá-las através da sua institucionalização no “terceiro setor” das ONGs, além de criminalizar qualquer tentativa de luta desvinculada da legalidade constitucional de cunho liberal. A democracia capitalista com suas legitimações constitucionais e com o aparato bélico do Estado eliminou concreta e simbolicamente qualquer alternativa que tenha efetivamente uma singularidade capaz de se tornar sua rival. E é aqui que reside justamente o desafio do Brasil neste momento: criar uma forma de política inovadora que possa se transformar em modelo para as formas de política num mundo que precisa superar o modelo capitalista de democracia sem retornar ao modelo de modernização estatista de origem soviética, que capturou, amorteceu e reteve muito da força política popular em torno dos burocratas anti-populares de Estado e partido. Para isso deveremos romper com um dos nossos principais entraves: o desprezo institucionalizado de nossas elites políticas, artísticas e intelectuais, da esquerda oficial ou da direita, com a sensibilidade popular e a consequente negação e criminalização do potencial rebelde do povo brasileiro. Esta será a ruptura fundamental caso queiramos aproveitar este momento histórico para fazermos as transformações sociais radicais de que necessita as classes populares, esta multidão que durante toda a nossa história tem sido oprimida, humilhada, descartada e eliminada de diferentes maneiras. Se nós conseguirmos chamar a atenção para isso, o nosso trabalho será compensador. O Baile Primitivo será um gesto coletivo de artistas com intenção de interferir na realidade social, política, econômica e estética da muito desigual, injusta, violenta e opressora sociedade brasileira e nos negaremos conscientemente a fazer parte do pacto nacional de conciliação de classe, mantido a ferro e fogo por nossas forças repressoras do Estado, do Mercado e, implícita ou explicitamente, por muitos dos nossos artistas e pensadores que elegeram o obscurantismo do realismo capitalista como a ideologia a ser seguida e reproduzida por seus pares e herdeiros.





comentários - rompe & rasga & come

  1. Muito lúcido e correto. Vale mesmo ler.

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