da sérvia, com amor

fotos: daryan dornelles
Mesmo que não se fale tanto a respeito, o produtor sérvio Mitar Subotić, o Suba, foi, ao final dos anos 90, um dos principais responsáveis pela criação de uma nova estética na música popular brasileira. Radicado em São Paulo, desenvolveu um trabalho inovador ao unir elementos da música popular à eletrônica. União esta que também foi utilizada por diversos artistas, como Otto, Max de Castro, DJ Patife, Rica Amabis, Beto Villares, BID, Lucas Santtana, Arícia Mess, Katia B, Cibelle, Bebel Gilberto, Bossacucanova, DJ Dolores e outros tantos vinculados ao selo belga Ziriguiboom e às gravadoras Trama e YB Music. Ao lançar em 1999 o álbum “São Paulo Confessions” (Ziriguiboom), Suba também teve o mérito de recolocar a música brasileira nas paradas mundiais, algo que até então era exclusividade da bossa nova. Deste disco, repleto de participações especiais, despontaram duas novas cantoras que vieram a se destacar na música brasileira: Cibelle e Katia B. Toda essa movimentação no cenário mundial se tornou mais nítida quando Suba produziu, ainda em 1999, “Tanto Tempo” (Ziriguiboom), o bem sucedido álbum de Bebel Gilberto. Entretanto, com a sua morte precoce e a saturação natural do mercado, o que se viu nos anos seguintes foi certa rejeição por parte da crítica – principalmente a brasileira – a um tipo de música que acabou sendo rotulada de lounge e que se deteriorou rapidamente ao ser utilizada à exaustão por uma infinidade de artistas de primeira hora que se deslumbraram com a possibilidade de se inserirem no mercado internacional. Contudo, o trabalho dessa geração foi importantíssimo para a incorporação de diversos elementos à música brasileira, como o dub, o trip-hop e o drum and bass, influenciando nomes da atual música popular, como Céu, Bruno Morais, Curumin, Gui Amabis, Claudia Dorei, Anelis Assumpção e Dois em Um.
Uma das artistas seminais dessa estética, a carioca Katia B começou sua carreira aos 17 anos, ao participar como atriz do musical “A Chorus Line”. Chegou a atuar no cinema, em filmes como Bar Esperança (1983) e Ópera do Malandro (1987), e em minisséries e novelas para TV. Também foi personagem ativa na fundação do Circo Voador, nos anos 80 no Rio de Janeiro. Fez parte também da Falange Moulin Rouge de Fausto Fawcett, com quem gravou o CD “Básico Instinto” (1993). De forma independente e virtual, lançou seu primeiro disco em 1999, fazendo a sua prensagem apenas no ano seguinte. Nele, além de composições próprias e parcerias, interpretou canções de João Donato, Herbert Vianna, Vitor Ramil, entre outros. Neste mesmo ano, foi lançado o álbum de Suba, “São Paulo Confessions”, onde participou na faixa “Segredo”. Três anos depois, participou do disco em homenagem ao produtor sérvio, intitulado “Suba Tributo”. O mais autoral de seus trabalhos, “Só Deixo Meu Coração Na Mão de Quem Pode”, foi lançado em 2003. Com ele, Katia realizou diversas apresentações na Europa e no Japão, vindo a lançar, no ano seguinte, seu primeiro DVD, homônimo ao disco, com a apresentação do espetáculo no instituto Itaú Cultural, em São Paulo. Em 2007, lançou “Espacial”, onde regravou dois clássicos da MPB: “Cais”, de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, e “Amor em Paz”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Neste período, fez participações especiais nos álbuns de Plínio Profeta, Vitor Ramil e Marcos Suzano. Lançou em 2012 seu quarto trabalho, “Pra Mim Você é Lindo”, onde privilegiou seu lado intérprete ao cantar músicas de Lamartine Babo, Caetano Veloso e Jacques Dutronc. Ao longo da carreira, Katia destacou-se também como compositora, fazendo parceiras com diversos músicos, como Fausto Fawcett, Lucas Santtana, Teresa Cristina, Suely Mesquita, Rubinho Jacobina, JR Tostoi e Jam da Silva.
Em meio aos ensaios para a sua apresentação no Auditório Ibirapuera (SP), Katia aceitou o convite do Banda Desenhada para esta entrevista, realizada no café da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio. Ali, conversamos longamente a respeito de sua carreira, Suba e a cena independente do país.

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cérebro magnético

fotos: daryan dornelles
Alguns certamente dirão: “O quê?! E desde quando Cadu Tenório virou neoMPB?”. Outros, mais cínicos, talvez pensem: “Ahã, improvisação e música experimental é tão popular, né?”. E os mais exaltados irão esbravejar: “P*! De novo esse papo de neoMPB?! Que m* é essa, c*?”. Bem, a grande questão é que a música popular e a sua indústria mantenedora passaram por grandes transformações nos últimos vinte anos. Enquanto o mainstream tornou-se extremamente restrito, abrigando artistas que, em sua maioria, possuem enorme apelo popular, coube à cena independente gerar trabalhos mais ousados, sem necessariamente contestar o que esteticamente a precedeu. Por conta disso, parte desta nova geração chegou a ser rotulada de neotropicalista, graças aos vínculos com alguns cânones desse movimento. Entretanto, ao longo da década de 2000, músicos relacionados a gêneros até então incomunicáveis com a MPB também conseguiram espaço nesse cenário, trazendo a tona influências de post-rock, industrial, electroclash, indie pop, entre outros. Esta ascensão tornou-se clara quando, ao produzir “Recanto” (2011, Universal Music), o elogiadíssimo álbum de Gal Costa, Caetano e Moreno Veloso solicitaram a colaboração de Duplexx e Rabotnik, nomes associados à música de improviso e experimentação carioca. Todos esses entrecruzamentos desgastaram bastante o termo MPB, tornando-o obsoleto por ter, em sua origem, gêneros agora vistos como indesejáveis e anacrônicos, caso da bossa nova e da música regional. Entretanto, conceitualmente, a sigla continuou mantendo uma de suas principais características: a capacidade de absorver estilos distintos, intercambiando e aglutinando-os das mais diversas formas. Assim, por essa ótica e com certa ironia, pode-se dizer que nunca a música produzida no país foi tão “MPB” como agora. E é a partir deste ponto de vista que o Banda Desenhada adotou para si o termo neoMPB. Por mais que também o achemos questionável, ele ainda é o que melhor classifica a produção brasileira contemporânea. Produção esta que teve como estopim a crise de um mercado e que gerou uma nova dinâmica de produção, divulgação e comercialização de uma música que, mesmo “impopular”, traz em si, em maior ou menor grau, o substrato da MPB. Assim, nada mais lógico para nós do que dialogar com a chamada cena experimental carioca. Composta por nomes como Cadu Tenório, Chinese Cookie Poets, Rabotnik, Negro Leo, Bemônio, Dorgas e Duplexx, a cena passou a ganhar destaque na mídia a partir de 2011, muito por conta dos blogs especializados e do pequeno, mas heroico, circuito de casas que abrigam estes artistas.
O mais prolífero e inquieto destes, Cadu Tenório encabeça cinco projetos: Sobre a Máquina, VICTIM!, Santa Rosa’s Family Tree, Ceticências e Gruta. Lançou, em diversos formatos e suportes, nada menos que 14 discos em um período de três anos. Flertando com o noise, industrial, post-rock, dark ambiente, drone e minimal, seu trabalho se caracteriza pela improvisação e pesquisa sonora de elementos do seu dia a dia. Em 2010, ao lado de Emygdio Costa e Ricardo Gameiro, lançou o primeiro EP do Sobre a Máquina, “Decompor”. No ano seguinte, lançou os EPs “Areia” e “Anomia”, do Sobre a Máquina, e “Please Don’t Be Shy/It’s Not So Easy But I’ll Try”, este último pelo Ceticências. Em 2012, lançou “I Like To Smell The Dirty Panties That You Leave In The Bathroom”, primeiro EP do Santa Rosa’s Family Tree, o EP “Beksiński Hug” pelo Ceticências, os álbuns “This Is What You Love, Young Man, And It Isn’t Beautiful!” e “Sexually Reactive Child” pelo VICTM!, “Sobre a Máquina” pelo projeto homônimo – agora contando com o saxofonista Alex Zhemchuzhnikov – e “Grito”, primeiro disco do Gruta, parceria com Thiago Miazzo. Neste mesmo ano, fundou com Thiago a TOC Label e participou do festival Novas Frequências, sendo o único artista brasileiro convidado desta 2ª edição. Em 2013, lançou “Lacuna” e os EPs “Lar” e “Ecos” pelo VICTIM! e o álbum “Issamu Minami” pelo Ceticências. Seus trabalhos com o Sobre a Máquina recebeu elogios e chegaram a figurar na lista de melhores do ano em diversos sites e blogs nacionais e estrangeiros.
Em meio a apresentações e envolvido na produção do segundo disco de seu parceiro Emygdio, Cadu aceitou ser entrevistado pelo Banda Desenhada. Conversamos a respeito de sua carreira, influências, cena experimental, MPB e outros assuntos. A entrevista desenvolveu-se através de constantes trocas de e-mails e conversas em redes sociais.

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