e volto pra curtir

fotos: daryan dornelles

É redundante dizer que a neoMPB possui fortes ligações com a produção musical dos anos 60 e 70, em especial, com a tropicália e a sua figura mais célebre: Caetano Veloso. Sem qualquer esforço, há de se observar a desenvoltura com que este vem dialogando e, de certa forma, se apropriando da geração 00. Em seus mais recentes trabalhos, Caetano deixou evidente não só a durabilidade de seu legado, mas também a sua capacidade de se mesclar à atual produção musical do país. Contudo, outros artistas de igual importância também vêm se mostrando intimamente ligados às novas gerações. Geniais, mas considerados por muito tempo “malditos” pela imprensa e pelas grandes gravadoras, Tom Zé, Jorge Mautner, Jards Macalé e Itamar Assumpção (falecido em 2003) passaram por períodos de total ostracismo até, nos últimos anos, ganharem visibilidade e reconhecimento através de relançamento de álbuns, documentários ou parcerias com novos nomes da música. Violonista primoroso e um dos mais importantes compositores do país, Macalé tornou-se notório por suas declarações que, mesmo cercadas de humor, o levaram a ter embates antológicos com diretores de gravadoras e colegas de profissão. Sua postura radical e seu discurso sem firulas o obrigaram a passar longo tempo fora da mídia e do mercado fonográfico. O que foi brutalmente nefasto não só para a sua carreira como para a sua vida pessoal.
Operando em diversas frentes, Macalé esteve intimamente ligado aos principais nomes de vanguarda de sua época. Transitou pelas artes visuais, tornando-se amigo de Hélio Oiticica e Lygia Clarke e colaborando com Rubens Gerchman. Em sua homenagem, Oiticica criou em 1978, a instalação “Macaleia”. Jards também atuou e foi responsável pelas trilhas sonoras dos filmes “O Amuleto de Ogum” (1974) e “Tenda dos Milagres” (1977), de Nelson Pereira dos Santos. Sua relação com o cinema o levou a fazer trilhas para filmes de Joaquim Pedro de Andrade, Glauber Rocha, Antônio Carlos Fontoura, Hugo Carvana, entre outros.
Musicalmente, além de dialogar com os tropicalistas, Jards participou de alguns importantes espetáculos de protesto, como “Arena Canta Zumbi” e “Opinião”. Em 1969, causou estardalhaço ao participar do 4.º Festival Internacional da Canção com a música “Gotham City”. No ano seguinte, lançou seu primeiro compacto, "Só Morto (Burning Night)”, e dirigiu Gal Costa no disco “Legal”. Neste período, a cantora tornou-se sua principal intérprete, tendo em seu repertório “Hotel das Estrelas”, “Vapor Barato”, “Mal Secreto”, “Pulsars e Quasars”, “Love, Try and Die”, “The Archaic Lonely Star Blues” e “Pontos de Luz”. “Vapor Barato”, apresentado pela cantora  no espetáculo "-FA-TAL-", aderiu-se de forma definitiva ao seu repertório, ganhando, décadas mais tarde, novo destaque ao ser trilha do filme “Terra Estrangeira” (1995), de Walter Salles, e ser regravada pelo grupo O Rappa. Em 2012, foi novamente interpretada por Gal, na turnê “Recanto”, sendo o ápice do espetáculo em seu festejado retorno aos palcos.
Ainda nos anos 70, Macalé foi responsável por dois dos mais importantes discos da música brasileira: “Transa” (1972), de Caetano Veloso, gravado em Londres sob sua direção; e seu primeiro álbum, “Jards Macalé” (1972). Neste, firmou importantes parceiras com os poetas Capinam, Waly Salomão, Torquato Neto e Carlos Eduardo Machado (Duda). O álbum ganhou vida nova em 2007, ao ser revisitado por Jards na terceira edição da Virada Cultural, no Teatro Municipal de São Paulo. Cinco anos depois, o disco foi relançado em vinil pela Polysom, sendo acompanhado por apresentações no SESC Belenzinho (SP), pelo projeto “Álbum”, e no Instituto Moreira Salles (RJ), na oitava edição do projeto “Grandes Discos da Música Brasileira”. Este ano, foi a vez de seu primeiro compacto ser reeditado pelo selo Discobertas, acrescido de 10 faixas bônus com registros de sua produção setentista.
Em nova fase e bastante assediado, Jards vem sendo convidado nos últimos anos a realizar parcerias, shows e gravações ao lado de seus contemporâneos, como Kassin, Pedro Sá, Graveola e o Lixo Polifônico, Brasov, Mombojó, Ava Rocha, Dorgas, Thais Gulin, entre outros. Além disso, o músico passou a ser acompanhado em seus shows pela Lets Play That, a jovem banda composta por Leandro Joaquim, Thiago Queiroz, Victor Gottardi, Ricardo Rito, Thomas Harres e Pedro Dantas. Jards passou também a ser homenageado no cinema, sendo objeto de estudo em dois documentários: “Um Morcego na Porta Principal” (2008), de Marco Abujamra e João Pimentel, e “Jards” (2012), de Érik Rocha. Este último retratou o processo de gravação de seu décimo primeiro álbum, “Jards” (2011), lançado pela Biscoito Fino. Em 2013, já merecidamente entronizado e cercado de novos fãs e parceiros, o músico comemorou seus 70 anos em um histórico show no Circo Voador, no Rio, e, dias depois, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo.
Citado repetidas vezes como referência pelos artistas que passaram pelo Banda Desenhada, Jards Macalé foi o escolhido para a entrevista comemorativa dos dois anos do site. O músico, em meio a uma agenda cheia e prestes a embarcar para Nova Iorque para a exibição do documentário “Jards” no MoMA, nos recebeu em março, em seu apartamento, no Jardim Botânico. Conversamos a respeito de sua carreira, álbuns, a relação com as novas gerações e a admiração por Gal Costa. Recebemos também a sua permissão para uma homenagem: o lançamento do álbum virtual “E Volto Pra Curtir”, com 11 artistas reinterpretando seu disco de estreia. O álbum estará disponível para download por tempo determinado, sendo, em seguida, colocado para streaming.
Tenham uma ótima leitura e excelente audição.

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