giro na roda viva

fotos: daryan dornelles
De fato vivemos um momento de incertezas. O mercado fonográfico e, em especial, as gravadoras multinacionais instaladas no país, não sabem lidar com as mudanças que as novas tecnologias promoveram no consumo e fruição dos produtos culturais. Inseguras, optaram pela redução de seus castings e, na esperança de obter um retorno certo, passaram a investir basicamente em artistas de enorme apelo popular. Se, em sua origem global, as companhias de discos eram pequenos empreendimentos dirigidos por profissionais que conciliavam tino comercial com paixão à música, no Brasil, o que se viu desde o início foi a presença das grandes corporações – exceção para a mítica Casas Edson e, posteriormente, as gravadoras Elenco, RGE e Copacabana Discos. Entretanto, mesmo diante desta cena, ainda era possível perceber nestas corporações um comportamento bastante diferente do que se estabeleceu nas últimas décadas. O artista, então visto como um aliado, era o verdadeiro patrimônio da empresa que, de forma geral, mostrava-se sensível às suas inquietações estéticas e investia no desenvolvimento de suas carreiras em médio ou mesmo longo prazo. Tal comportamento permitiu que, por boa parte do século passado, surgissem artistas do porte de Orlando Silva, Dorival Caymmi, Dalva de Oliveira, Tom Jobim, João Gilberto, Luiz Gonzaga, Elza Soares, Chico Buarque, Caetano Veloso, Elis Regina, Jorge Ben Jor, Rita Lee, Tim Maia e outros tantos que se consolidaram como referências na música popular brasileira. Inimaginável para os dias atuais, em 1973, Caetano Veloso lançou, endossado pela Philips, “Araçá Azul”, seu disco mais experimental e também o maior fracasso de vendas na história da indústria fonográfica brasileira. Porém, ao longo da década de 70 e de forma mais enfática a partir dos anos 80, os grandes conglomerados passaram a assumir uma nova postura. Imediatistas e mais preocupados em lucrar com hits do que investir na carreira de seus contratados, as gravadoras optaram por deixar de lado a criatividade e a audácia que sempre permearam o mercado fonográfico. Assim, assumiu-se uma visão tecnocrata que tornou, no mínimo, conflituosa a relação entre empresa e artistas, considerados dali em diante, figuras irresponsáveis e fonte de inúmeros problemas. Além disto, a utilização de certas ferramentas alterou por completo a estrutura do mercado, provocando a supervalorização do jabá e a onipresença de um poderoso e ostensivo marketing que pulverizou nas décadas seguintes qualquer tentativa bem sucedida de formação de uma cena musical mais democrática ou mesmo independente. Geridas de forma austera e por um viés eticamente questionável, as majors causaram sérios danos ao desenvolvimento da carreira de artistas notáveis, como o caso de Tom Zé e Itamar Assumpção. Assim, na virada do século, quando a internet e as novas tecnologias mostraram-se irrefreáveis e invadiram o cotidiano de boa parte da população global, viu-se a paulatina derrocada da indústria fonográfica que vinha, já há algum tempo, dando sinais de comprometimento. No Brasil, essa crise acabou estimulando, mesmo que de forma um tanto acanhada, o surgimento de uma nova geração de músicos que não mais necessitando das grandes gravadoras para desenvolver suas carreiras, passaram a ocupar o lugar de vanguarda na música popular. Coube então às antigas empresas a difícil tarefa de se reorganizar e iniciar, mesmo que de forma incipiente, um diálogo com essa nova cena. 
Convidada para a entrevista desta semana, Roberta Sá é uma das poucas artistas que, inseridas diretamente ou indiretamente em uma grande corporação, conseguiu desenvolver uma carreia onde seu apuro estético pôde associar-se, sem traumas, a uma respeitável e lucrativa venda de discos. Radicada no Rio de Janeiro desde os nove anos, a cantora potiguar iniciou a sua carreira em 2002, na segunda edição do programa de TV “Fama”, da Rede Globo. Três anos depois, lançou seu primeiro disco, “Braseiro” produzido por Rodrigo Campello. Em agosto de 2007, foi a vez de "Que Belo Estranho Dia Para se Ter Alegria", seu segundo trabalho. Neste mesmo ano, recebeu os prêmios de “Melhor Álbum” e de “Melhor Cantora” pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). Em 2010, uniu-se ao Trio Madeira Brasil e gravou “Quando o Canto é Reza”, em homenagem ao compositor baiano Roque Ferreira. Com apoio da Natura Musical, lançou em 2012 seu mais recente álbum de estúdio, “Segunda Pele”, com composições de Caetano Veloso, Pedro Luís, Rubinho Jacobina, Gustavo Ruiz, Lula Queiroga, Moreno Veloso e Domenico Lancellotti, entre outros.
Capaz de circular por diferentes gêneros da música brasileira, Roberta também vem se destacando por seu discurso articulado, expondo suas opiniões ao analisar o atual momento da música brasileira. Ciente disto, o Banda Desenhada a convidou para esta entrevista, onde, em um final de tarde no Outeiro da Glória, a cantora nos falou do início de sua carreira, suas influências e a relação com o mercado fonográfico.

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uma festa imodesta


fotos: daryan dornelles

Tudo o que é inovador sempre se opõe às normas dominantes da cultura”. A frase, retirada da obra “L'esprit du temps” (1962), do filósofo e sociólogo francês Edgar Morin, parece se encaixar perfeitamente à crise por que vem passando a indústria do entretenimento e, mais especificamente, o mercado fonográfico brasileiro. Burocratizadas e pouco capazes de lidar com a revolução tecnológica que mudou por completo produção, divulgação e consumo de música, gravadoras e mídias tradicionais viram surgir na década passada uma inédita leva de músicos independentes originária das mais diversas regiões do país. Em parcerias com designers, videomakers, blogueiros e podcasters, estes jovens artistas apropriaram-se das novas tecnologias e, aos poucos, ergueram um novo e distinto mercado para a fruição musical. Entretanto, mesmo sendo inegável a sua importância na consolidação de um cenário cultural democrático e diversificado, a interatividade massiva na web 2.0 também expôs seu lado caótico ao provocar em seus usuários uma sensação de insegurança e imprevisibilidade, principalmente ao lidar com a geração de receita: seja para quem cria música ou quem se ocupa de difundi-la.
Criado em 2004 para ser um programa de rádio, o Caipirinha Apretiation Society tornou-se, graças aos esforços do casal MdC Suingue e Kika Serra, um dos mais populares podcasts do planeta, detacando-se por sua curadoria diversificada e por promover boa parte dos novos nomes da música independente brasileira. O programa é atualmente produzido para a inglesa SOA Radio, da University of London, sendo em seguida difundido para o restante do mundo como podcast. Conhecidos por sua iniciativa e por não se furtarem a emitir opiniões - por vezes bastante enfáticas -, Kika e MdC Suingue são os convidados desta semana no Banda Desenhada. Em sua entrevista, que começou com um bate-papo em uma mesa de bar e se prorrogou por mais algum tempo com troca de e-mails, a dupla falou a respeito de seus projetos, mercado fonográfico, neoMPB e outros tantos assuntos.

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