para alegrar o dia


fotos: daryan dornelle
Sim, o Brasil é um país de cantoras. Ao longo das duas últimas décadas, vimos surgir dezenas e mais dezenas de vozes que, com um repertório na maioria das vezes eclético e nada autoral, dominaram as rádios e mídias do país. Entretanto, por volta de 2007, finalmente um canto dissonante - doce e discreto - surgiu: Com forte influência de folk e com letras singelas, Tiê foi uma das primeiras artistas independentes de uma geração que, imprimindo um estilo próprio, conquistou seu espaço e adicionou novos ingredientes à música  brasileira. A cantora que chegou a ser modelo e dona de um café brechó em São Paulo, por um bom tempo apresentou-se ao lado de Toquinho, antes de iniciar a sua carreira solo. Em 2007, com auxílio do produtor, músico e artista multimídia Dudu Tsuda, gravou um EP com quatro canções de sua autoria. Após dois anos, lançou o seu elogiado primeiro álbum, "Sweet Jardim", considerado pela imprensa um dos mais importantes discos da década. Em 2011, já integrada ao casting de uma grande gravadora, Tiê lançou o segundo álbum, “A coruja e o coração”, onde reiterou sua verve de compositora e reforçou os laços com seus companheiros de cena, gravando “Só sei dançar com você” de Tulipa Ruiz e “Mapa-múndi”, de Thiago Pethit. A cantora também mostrou seu lado iconoclasta ao fazer a releitura do megahit “Você não vale nada” da banda de forró Calcinha Preta. Após realizar uma turnê pelos EUA, ao lado de Tulipa, Tiê se apresentou com o uruguaio Jorge Drexler na quarta edição do festival Rock in Rio, no Palco Sunset. Escalados pelo músico e produtor Zé Ricardo (curador de dois Rock in Rio em Lisboa), vários artistas que por ali passaram são oriundos da atual cena independente que, aos poucos, vem ganhado visibilidade no  cenário musical brasileiro.
No mesmo mês de outubro, Tiê voltou ao Rio para se apresentar na segunda edição do Festival Faro, reservando um pouco de seu tempo para o Banda Desenhada. Mesmo exausta após uma demorada passagem de som e preocupada com sua filha, Liz, a cantora nos contou a respeito de sua carreira, projetos, turnês e a bela parceria com a estilista Rita Wainer:

BD – Ao ouvir seus álbuns percebi certa influência de folk e indie rock. Entretanto, li que você estudou por um longo tempo João Gilberto e participou de diversos shows do Toquinho. Esta docilidade na voz e o uso do violão seriam  influências da bossa nova?

Tiê – Não, não. A bossa nova está presente apenas no meu jeito de cantar. Eu realmente estudei muito João Gilberto: a pouca emissão, a quebra de tempo... Passei muito tempo tentando me aproximar de seu canto, buscando uma suavidade na voz, mais próxima do sussurro. A referência é basicamente essa. Já na musicalidade, não vejo nenhuma influência. Eu escutei muito bossa nova, mas não acho que a tenha trazido para o meu som. Tenho influência do folk, mas não de indie rock. Não percebo e nem acredito que tenha. No “Sweet jardim” me inspirei muito em Tom Waits, Leonard Cohen e Syd Barret. Foram os três que me acompanharam durante a concepção do álbum. Já no segundo, foi  Johnny Cash e Beatles. Por isso que “A coruja e o coração” é mais pra cima e, ao mesmo tempo, tem esse lado country. 

BD – Você foi uma das primeiras artistas da sua geração que despontou e ganhou notoriedade com um som cosmopolita e pop. Foi algo premeditado? Havia consciência dessa inovação?

Tiê – Nunca pensei nisso. Na verdade, fiz o disco para mim. Foi bem despretensioso: Não tentei criar uma fórmula ou ser inovadora. Na verdade, nem acho que o meu som traga tantas novidades assim.  No meu caso, talvez tenha resgatado um pouco a canção, me preocupando com a narrativa, mais contando do que cantando. Realmente não esperava em nenhum momento ter essa receptividade e uma reação tão positiva tanto da crítica quanto do público.

BD – Mesmo não sendo intencional, você, Tulipa Ruiz e Thiago Pethit acabaram fomentando uma nova cena, renovando a música pop brasileira.

Tiê - Acredito que haja semelhanças no meu som e no do Pethit, a gente é da mesma praia. Mas não consigo perceber isto no da Tulipa. Somos mais parecidas na atitude, no “faça você mesmo”, e pelo nosso lado autoral.


BD – Você iniciou a carreira de forma independente e, mais adiante, entrou para uma grande gravadora, a Warner Music. Esta opção foi a mais acertada para o desenvolvimento do seu trabalho?

Tiê – Sim. Eu já vinha de uma carreira independente. Então, foi só um somatório de forças. Em nenhum momento esperei que a gravadora fizesse algo por mim. Não fiquei sentada esperando. Tudo o que eu já fazia continuo fazendo, só que agora a Warner me auxilia na distribuição, na divulgação e na mídia. São várias questões que ainda não havia conseguido resolver sozinha e que agora, com a presença da gravadora, eu consigo. Adoro esta parceira. Até por já ter entrado com um disco pronto, em nenhum momento tentaram me formatar ou mudar algo na minha música. Eles já compraram uma artista pronta e trabalham tendo esta consciência.

BD – Em seu segundo álbum, você regravou “Você não vale nada”, da banda Calcinha Preta. Qual a sua relação com este tipo de música mais popular?

Tiê – Eu adoro música popular. Lá em casa, meu marido, Leandro HBL [diretor do documentário "Favela on Blast" e das séries "Reis da Rua" e "Gueto Digital"] trabalha muito com música de periferia, então acabo escutando muito funk carioca, tecnobrega, pagode eletrônico e todas essas coisas. Acho demais. “Você não vale nada” é uma música universal: Ela tem ironia e ao mesmo tempo aquela paixão superpassional! Todo mundo já teve alguém que não valia nada, mas que gostava mesmo assim. E, na verdade, acho interessante me aproximar de uma música tão popular e distante do meu universo. Isso ajuda as pessoas a entenderem o meu som, o meu estilo, quando a interpreto.

BD – Você já excursionou duas vezes pelos EUA. Como foi a experiência? 

Tiê – Com o Sweet Jardim fiz 12 shows, passei por Nova York, Paris, Berlim e Londres. Foi bem legal. Depois fui ao Uruguai e Argentina. Recentemente fiz uma excursão pelos Estados Unidos com a Tulipa. Foi ótimo. As pessoas nos receberam superbem e, mesmo sem entender as letras, prestavam grande atenção ao que a gente cantava. É muito importante e prazeroso levar a nossa música lá para fora. Foram três shows muito bacanas. David Byrne chegou a nos assistir em Nova York. Sua presença foi muito especial. 

BD – Há uma intenção em seguir uma carreira internacional?

Tiê – É uma extensão, na verdade. Não trocaria o mercado brasileiro pelo externo. Mas acho que é uma soma. E é importante ter esse pezinho lá fora, porque essas turnês acabam chamando a atenção da imprensa daqui.

BD – Você já afirmou que as suas composições são totalmente autobiográficas. Não sente certo pudor ou medo em se expor assim? 

Tiê - Não, é tranquilo. Na verdade, depois de feita a música, você toca uma ou duas vezes e na terceira já não mais te pertence, porque as pessoas passam a se identificar com ela. Os temas que abordo são universais, as músicas falam de amor, na maioria dos casos, e todos já passaram por alguma situação parecida. Então as canções se perdem. Não há segredos ou qualquer coisa mais cabeluda nas minhas músicas. Elas são autobiográficas porque prefiro compor narrando as minhas próprias histórias ao invés de inventar. 

BD – Poderia falar sobre o CD que você gravou com a Thalma de Freitas e a Juliana Kehl para a C&A? Este tipo de trabalho é interessante para a sua carreira?

Tiê – Acho importante, não vejo problemas. Sou uma pessoa que vive de publicidade, faço muitos jingles e locuções, estou muito acostumada a lidar com este mundo, acho natural. Mas é claro que tem que ter cuidado quando se associar a uma empresa. Este ano trabalhei com a Lacta e a C&A. São duas marcas legais que não chegaram a mudar tanto assim o foco do meu trabalho. No caso do CD para a C&A, mesmo sendo outro repertório, com músicas mais brasileiras, eu cantei do meu jeito. Não inventei um personagem. Seria um trabalho para uma atriz e não para uma cantora. No meu caso, tenho que manter a identidade porque senão fica totalmente sem sentido. Afinal, porque escolheriam esta cantora e não aquela outra? Mas acho importantes estas parcerias, são superbem-vindas, até porque o mercado está diferente. O dinheiro está mais escasso e nós precisamos destes investimentos para podermos realizar nossos projetos. 

BD – Em uma entrevista antiga você afirmou que ainda não conseguia viver somente da sua carreira de cantora, fazendo shows. E agora? 

Tiê – Ainda não. Trabalho com publicidade, mas não é necessariamente porque preciso. Eu realmente gosto e não vejo nenhum problema nisto. Mas, por mais que faça bastante shows, não necessariamente estou ganhando mais. O cachê não é tão alto assim. Tenho toda uma equipe, uma banda, toda uma estrutura que mais ou menos se paga, mas, com certeza não está sobrando dinheiro.


BD – Como foi a sua participação no Rock In Rio? É formidável ver toda uma geração independente cantando em um festival deste porte.

Tiê – Achei muito legal. Cheguei a fazer o Rock in Rio Lisboa em 2010, com um artista de lá, o Tiago Bettencourt. Foi bem bacana, era outro clima, as pessoas ficavam sentadas na grama. Foi uma experiência muito legal, porque o Rock in Rio é um festival grandioso. Achei sensacional a programação do Palco Sunset. Estava toda essa turma e sou supergrata ao Zé Ricardo por ter feito esta escalação. Tinha bastante gente assistindo aos shows. Várias junções funcionaram muito bem. Dei sorte: O meu encontro com o [Jorge] Drexler foi excelente. Achei um bom casamento, a banda também era muito querida. Posso dizer que foi um show feliz. Durou muito pouco, porque é tudo muito rápido, mas adorei. 

BD – Tanto em seu primeiro álbum quanto no segundo, há o trabalho da estilista e artista plástica Rita Wainer. Como foi esse encontro e o que te atrai no trabalho dela?

Tiê – Eu conheci a Rita através do Ale [Youssef], dono do Studio SP. Ele me ajudou a produzir meu primeiro disco e indicou a Rita para fazer a arte. Acabei ficando superamiga dela. Sempre fui muito fã de seu trabalho, mesmo antes de nos conhecermos. Ela conseguiu expressar muito bem, através de seus desenhos, a ideia dos dois discos. Acabamos de ganhar o prêmio de melhor capa no VMB. Espero fazer o terceiro álbum com ela também. Já estamos pensando nele e vamos manter esse trio: eu, a Rita e o Plínio [Profeta, músico e produtor de seus dois discos]. Gosto de delegar, sabe? Chamo o artista e não palpito. Claro, a não ser que seja algo muito fora do meu desejo, mas isso raramente acontece. Então, quando a Rita faz o desenho, eu me apaixono. Fico superfeliz porque ela consegue captar tudo. É uma parceria superbem-vinda.






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