BONDE DOS BRABOS

fotos: daryan dornelles

Nas últimas décadas, o barateamento e a acessibilidade de novas tecnologias foram responsáveis não só pelo crescimento e diversificação da música brasileira, como também pela criação de espaços para crítica e desenvolvimento de diferentes narrativas. Assim, blogs e revistas virtuais adquiriram um papel importantíssimo na fomentação e apreciação da produção artística, destacando-se pela qualidade de seus textos e competindo em pé de igualdade ou mesmo superando revistas e jornais especializados.

Ex-integrante da banda Zumbi do Mato e professor de filosofia da UFRJ, Bernardo Oliveira é um dos principais nomes dessa nova crítica. Responsável pelo blog Matéria e colaborador de diversas revistas virtuais, Bernardo também vem ganhando projeção por ser um dos produtores do projeto Quintavant, que além de promover a cena experimental carioca, também traz ao Rio nomes importantes da música de vanguarda internacional, como Kevin Drumm, The Ex, Matana Roberts e Paal Nilssen-Love.

A entrevista foi realizada ao longo do mês de maio, em uma sucessão de e-mails e bate-papos em redes sociais. Nela, falamos a respeito de seus projetos, crítica musical, samba e funk cariocas, entre outros assuntos.

BD — Podemos começar a entrevista falando do seu trabalho como crítico? Lembro-me de ter lido algumas resenhas em seu blog...

BERNARDO OLIVEIRA — Na verdade, comecei escrevendo sobre cinema, primeiro para um fanzine chamado Limite, editado pelo Ruy Gardnier, posteriormente na [revista virtual] Contracampo, que foi fundada por mim, Ruy, Rafael Viegas e Alfredo Rubinato. Desde sempre tive a necessidade de escrever sobre experiências com obras de arte. Mas o que nos levou a produzir o fanzine — e me lembro bem, este era um dos motivos — era justamente a ausência de uma abordagem jornalística mais completa sobre filmes e discos. No meu caso, a referência máxima era Augusto de Campos em O Balanço da Bossa [1968], pois foi a primeira vez em que li um crítico abordar o arranjo em termos de instrumentação, acordes. Ao mesmo tempo, havia a interpretação estética, simbólica e política. A crítica do Augusto, que era publicada em jornais comuns, era para mim uma referência de “crítica musical”.

No entanto, como o cinema era algo que demandava uma espécie de militância, mobilizando tempo e interesse, acabamos iniciando essa trajetória com críticas cinematográficas. Já em meados dos anos 2000, eu comecei a escrever para o Matéria, abordando temas como arte e política. Então, o Ruy me chamou para fazer a [revista virtual] Camarilha dos Quatro, em 2008, junto com Marcus Martins e Thiago Filardi. Não tenho certeza, mas acho que essa foi a primeira vez que se escreveu em língua portuguesa sobre artistas como Shackleton, [Christian] Fennesz, Philip Jeck, Leyland Kirby, entre muitos outros. Quando saí da Camarilha em 2011, reabri o Matéria e convoquei amigos para escrever. Hoje conto com J-P Caron, Thiago Miazzo, Lucio Branco e Gabriel Marques como parceiros.

BD — É perceptível que, nos últimos anos, vários blogs passaram a se dedicar a uma crítica bastante profunda a respeito da produção artística e cultural, ocupando um espaço que, até algum tempo, era de domínio dos jornais e revistas...

BERNARDO — O papel “educativo”, “pedagógico”, do jornal e da imprensa em geral se perdeu. Falo isso ao lembrar dos cadernos culturais especiais que a Folha [de S.Paulo], o JB e O Globo produziam, mas infelizmente não produzem mais. Cadernos culturais nos quais você podia acessar artigos, ensaios e críticas em um nível altíssimo e que foram descartados sei lá por quê. Lembro que a conversa entre Julio Bressane e Rogério Sganzerla que saiu em uma edição do Mais! provocou um tremendo impacto sobre mim. Edições sobre poesia russa com Boris Schnaiderman, Haroldo de Campos desconstruindo o “cânone” de Harold Bloom, um caderno especial em homenagem a João Gilberto, os cem anos do cinema brasileiro... Eram da pesada! Não entendo porque se extingue publicações desse nível. Ora, façam o caderno de fofoca, de beleza, produzam as novelas, os programas de auditório. Mas por que não manter os cadernos culturais, como uma contrapartida bem-vinda?

Assim, uma “crítica” no sentido jornalístico, tal como exercia Augusto de Campos, só pode vir hoje dos blogs, não mais dos jornais, esganados pela internet e pela necessidade de falar para o máximo de pessoas possíveis. Isso por um motivo evidente: há alguns anos, as redações eram o centro do universo, o dispensador de conteúdos, mas também o centralizador de toda a informação. Hoje as redações precisam correr atrás da novidade, precisam se instruir e se informar em um nível absurdo, tentando acompanhar a dinâmica vertiginosa da internet. E, obviamente, não estão dando conta. Vejo os blogs e sua produção “amadora” como um movimento de desrepressão que vem sendo incorporado ao jornalismo. Embora seja óbvio que muito poucos blogs ultrapassam o “gostismo” juvenil, isto é, textos que se resumem à distribuição de selinhos de qualidade: gosto disso, não gosto daquilo. Mas aposto que no futuro a prática dos blogs, enquanto possibilidade de se produzir conteúdo independente dos grandes centros, pode se generalizar a ponto de criar possibilidades que me parecem indeterminadas. Nem todo jornalista conhece bem sobre o tema sobre o qual se propõe a escrever, ao passo que um médico ou um engenheiro pode escrever um excelente artigo sobre o pianista Mal Waldron, por exemplo. Esse movimento, que ainda é muito recente, me parece extremamente positivo.

BD — Você foi integrante do Zumbi do Mato por um algum tempo. Essa experiência foi importante para você mais tarde integrar o Quintavant?

BERNARDO — Diretamente não, pois uma coisa não tem a ver com a outra. O Zumbi foi uma banda que surgiu no final dos anos 80 e que, por diversas razões, poucos compreenderam adequadamente. Num contexto em que quase não existiam bandas que buscavam escapar ou desconstruir o legado da canção brasileira, com tudo de conservador que esse legado trazia em relação à concepção e produção musical, o Zumbi foi uma experiência radical, tão livre que dificilmente se pode dizer que alguém naquela época considerava “música”. Até mesmo entre os que se consideravam fãs do grupo, era perceptível aquele sentimento generalizado de que estávamos ali fazendo qualquer coisa que poderia ser tudo, menos música. Não me lembro de ter recebido cachê para tocar no Zumbi…

Nesse sentido, sim, há uma relação indireta entre o Zumbi e o Quintavant, na medida dos meus interesses. Sou péssimo com datas, mas imagino que ingressei no Zumbi do Mato em 1993 ou 1994 e saí por volta de 1998, após o lançamento do Menorme. Apesar de alguns releases trazerem a informação de que eu teria contribuído para a sonoridade do grupo com “MPB, afrobeat e Motown”, nessa época eu já me interessava muito pelas confluências de rock e funk (Funkadelic, Fishbone, Living Colour), pela música eletrônica (Aphex Twin, Goldie), e, sobretudo, pelo jazz de Miles Davis, Charles Mingus, Clifford Brown, Sonny Rollins e Thelonious Monk, inclusive o free jazz de Ornette Coleman, através de um de seus discos mais radicais, Song X [1986]. Também me serviram de referência [Frank] Zappa/[Captain] Beefheart; algo de krautrock comprado na barraquinha do Fernando Torres, na Rua 13 de Maio [Centro do Rio], como Can e Neu!; etc. Então, já no Zumbi do Mato me preocupava toda essa conversa de uma ampliação do panorama sonoro, de pensar a música em termos de som e de uma liberdade em relação à canção brasileira, a nossa mais forte tradição musical. Esse interesse permanece e talvez tenha me levado ao Quintavant. Mas, como disse acima, indiretamente.

BD — Boa parte das bandas dos anos 90, como Zumbi do Mato, Gangrena Gasosa e Sex Noise, possuía uma referência humorística trash. Como você encarava isso?

BERNARDO — Nos meios alternativos de todo o país, o reconhecimento da banda se deu através dessa referência, que penso como secundária em relação às propostas do grupo. Talvez essa fosse a única forma através da qual as pessoas conseguiam compreender o som, mas não era preponderante. Lembro que odiávamos esse papo de trash, ainda mais quando aplicado ao Mojica (José Mojica Marins, o Zé do Caixão). Apesar da impressão de zoeira, o Zumbi era um grupo, pelo menos na minha época, que pensava muito o conceito, as ideias, a temperatura da provocação. E aí, tínhamos espaço sempre para a improvisação livre, o que em muitos momentos era confundido com “zoeira” — como se a zoeira não pudesse conter algum grau de “organicidade”. Em um show que fizemos no Sérgio Porto usamos naipe de metais, investindo pesado em polifonia e massas sonoras, e algumas pessoas nos advertiam: “Opa, cuidado que isso aí tá ficando bom, hein?”. (risos)

BD — E o Quintavant? Poderia falar um pouco sobre o projeto? 

BERNARDO — O Quintavant é uma criação de Pedro Azevedo (proprietário da Audio Rebel), Renato Godoy (baterista do Chinese Cookie Poets e do Baby Hitler, produtor e técnico de som da pesada) e Alexander Zhemchuzhnikov (saxofonista do Sobre a Máquina, mas que toca com geral, do Bemônio ao Chinese). Com um ano e tal de evento eles me convidaram para colaborar na produção e curadoria, o que tem sido muito prazeroso e trabalhoso também. (risos) Imagino que eles tenham me convidado por conta do Matéria e também porque passei a frequentar o espaço.

BD — No último ano, o projeto avançou bastante, não? 

BERNARDO — É nítido que existe hoje um interesse crescente na cidade por sonoridades mais desafiadoras, seja ao nível da forma, seja ao nível da dimensão física — alguns artistas que trabalham com “música de ruídos” realmente nos desafiam em um nível fisiológico. (risos) A natureza exploratória de eventos como o Novas Frequências, do Chico Dub (do qual faço parte como mediador dos Talking Sounds), o Multiplicidade, a [festa] Wobble e a atuação de produtores como Tay Nascimento e Cassius Augusto, da Comuna, Alan Athayde, do Baile Primitivo, entre outros, não me deixam mentir. Já se tornou senso comum afirmar que esse contexto se deve à ampliação da paleta sonora, propiciada pela distribuição digital/online da informação. Isso é bem verdade em relação à música de improviso, mas imagino que tenha algo a ver também com o fato de que os equipamentos de manipulação digital favorecem a pesquisa e a experimentação com as sonoridades pouco comuns, modificando a própria forma de se conceber, produzir e pensar a música.

O trabalho da turma que se encontra em torno do Quintavant cresce a olhos vistos. Refiro-me ao Chinese Cookie Poets, aos trabalhos do Cadu Tenório (VICTIM!, Ceticências e Sobre a Máquina), ao Bemônio, ao Negro Leo, ao DEDO, ao Baby Hitler, ao Biu, Chelpa [Ferro], ao Duplexx, ao Daniel Fernandes, ao Luís Augusto, e aos projetos paralelos que são formados a partir desses trabalhos, tais como o Zeni Trio ou a dupla [Alex] Zhem & [Gustavo] Matos. Um dos nomes fundamentais da cena de improviso mundial, o baterista inglês Paal Nilssen-Love, vem à cidade regularmente para gravar ao lado desses músicos. Desta parceria, já saiu um disco em vinil, Scarctiy [2014], retirado da apresentação que ele fez com Arto Lindsay no ano passado na Rebel.

BD — Falando em discos, o Quintavant acabou de lançar o selo QTV. Ainda há mais projetos a caminho?

BERNARDO — Agora falarei como um marqueteiro, com licença (risos): “Diversificamos as atividades”. Percebemos que existem muitas possibilidades inexploradas. Ou possibilidades que até já foram exploradas, mas que temos algo a contribuir.

Por exemplo, iniciamos em março o Quintavant na Cinemateca, no MAM [RJ], no qual propomos aos artistas que retrilhem alguns filmes. Já tivemos edições com o VICTIM! de Cadu Tenório retrilhando Begotten [1991]; o DEDO retrilhando Lessons of darkness [1992], do [Werner] Herzog; J-P Caron e Alê Fenerich retrilhando colagens de filmes terror de Dario Argento. A próxima edição será no dia 7 de junho, com Chelpa Ferro retrilhando trechos de diversos filmes, inclusive Céu sobre água [1972-1978], de José Agrippino de Paula.

Estamos trazendo novas vertentes para a programação, através de uma curadoria que contempla os aspectos mais desafiadores da canção brasileira contemporânea (Metá Metá, Passo Torto, Gui Amabis), do rock’n’roll e do punk (Lamber Vision, Vermes do Limbo), da composição contemporânea (Michael Winter e, em breve, Guilherme Vaz), entre outros.

Lançamos no último dia 24 o nosso próprio selo, o QTV, com Hey Babe, primeiro disco do Baby Hitler, e Lodo, do Bemônio. Na sequência, traremos Rainha, do DEDO, e o novo disco do Negro Leo. Também firmamos uma parceria com o selo polonês Bocian Records, através do qual lançaremos os dois volumes de Bota Fogo, contendo o registro do show que Nilssen-Love fez ao lado de Eduardo Manso, Felipe Zenícola e Arthur Lacerda. Estamos andando.


BD — Nos últimos tempos, a cena experimental carioca, assim como o Quintavant e a Audio Rebel, vem ganhando bastante destaque na mídia. Como você vê esse desenvolvimento?

BERNARDO — Em primeiro lugar, sobre o que estamos falando? A Audio Rebel é um estúdio composto por sala de ensaio, sala de show, estúdio de gravação e loja de instrumentos musicais, que organiza shows com uma ampla variedade de estilos, do punk à salsa. Já o Quintavant é uma série de eventos dentro da Rebel com o intuito de veicular a tal da “música experimental”. São coisas diferentes, muito embora se embolem sem que possamos fazer algo que não seja explicar.

Tudo isso é muito complicado nesse universo batizado como “música experimental” — aliás, odeio esse termo por um motivo muito simples: ele serve apenas para discriminar uma forma legitimada e consolidada de se fazer música de outras formas, consideradas estranhas, incômodas ou até mesmo “antimusicais”. Existe experimentação em gêneros considerados populares, como o funk e o brega, e muita pasmaceira nos meios considerados “experimentais”.

Dito isto, é possível afirmar, junto a uma enormidade de artistas e estudiosos, de [John] Cage a Jonhathan Sterne, que há uma ampliação necessária da escuta e da tolerância a sons considerados “não musicais”. Esta ampliação que acompanha o alargamento do universo de sons “manipuláveis”, concebíveis, palpáveis… Acho que os artistas que se apresentam no Quintavant exprimem esse interesse e têm algo a dizer.

BD – Concordo que certas classificações possuem um caráter depreciativo, mas termos como “música experimental”, “música de improviso” ou “música de vanguarda” também servem como sinalizadores, não? Afinal, para se contar uma história, se faz necessário dar nomes aos bois. Diversos pesquisadores e jornalistas utilizam esses termos. E o próprio John Cage classificou seu trabalho de experimental...

BERNARDO — Subjacente ao seu raciocínio, há outro, nefasto e devidamente escamoteado: o refinamento do gosto (cultural) acompanha as condições materiais. Ora, isso não é verdade. A música mais sofisticada do Rio de Janeiro hoje se faz na periferia e nas favelas. É o funk. E como sofisticação eu quero dizer: capacidade de criar, de inventar, de remodelar a cultura. Foram os funkeiros, ainda na década de 80, que trabalhavam as sonoridade ruidosas, quando muito headbanger ainda batia cabeça ao som das harmonias caretas e melosas do metal.

Sobre o Cage assumir-se “experimental”, por mim tudo bem. Ele escreveu em outra época, com outros propósitos, tinha lá suas razões para assumir esse termo. No caso específico do Rio de Janeiro, devo dizer: é um rótulo que classifica negativamente o que se faz na cidade em termos musicais. Ora, como acabei de perguntar acima: porque experimental é só o que rolava no Plano B e rola na Rebel? Uma análise mais aprofundada revelaria o experimental em muitas formas de se fazer música no Brasil e no mundo. Então, acho que o termo é utilizado de forma discriminatória, para isolar formas de música que não se resumem à canção, que dialogam com os ruídos, as durações, e outros parâmetros.

BD – Acho muito importante que você tenha falado do funk. A falta diálogo entre ele e as demais cenas da cidade é espantosa. Parece que ainda hoje há preconceito com o gênero... 

BERNARDO — Em relação ao Quintavant e aos artistas que costumam passar por lá, há uma vontade de criar dinâmicas colaborativas entre gêneros e estilos, inclusive o funk. O Chinese Cookie Poets tem um projeto de “free funk noise” chamado Giant Dubsteps, contando com o inoxidável Tantão (ex-Black Future, ex-Demillus & Duloren) nos vocais. É um acontecimento no mínimo curioso, porque eles misturam sampler e timbres do funk carioca com uma levada jazzy bem solta e barulhenta, enquanto Tantão irrompe com suas frases absurdas e geniais.

E não só com o funk: na última visita do Nilssen-Love, reunimos músicos de free jazz e de samba em uma jam que ainda vai dar o que falar. Nessa jam, levamos alguns dos artistas que fazem as Terças Desamplificadas no Beco do Rato, que conta com compositores, instrumentistas e cantores que possuem um trabalho autoral de samba no Rio, que nunca sai na imprensa. Nem um destaque! Mas é interessante o trabalho, pois os CDs são vendidos no evento onde as músicas desses discos são cantadas. Há uma organicidade rara no trabalho dessa turma: João Martins, Renato da Rocinha, Luciano Bom Cabelo, Lula Matos, Galocantô, e muitos dos músicos que fazem o Samba do Trabalhador no Clube Renascença, no Andaraí, como Jorge Alexandre e Junior Oliveira.

Nessa jam com o Nilssen-Love, o pessoal do Chinese conheceu o Paulinho Bicolor, cuiqueiro de primeira que gosta de experimentar e extrair outras sonoridades da cuíca, que não aquelas consolidadas pelo uso no samba. Provavelmente teremos algo gravado com essa parceria. O Paal também se entendeu bem com o Rodrigo Carvalho, meu irmão de sangue e que é cantor e compositor. Acho que há entre nós o interesse em misturar, mas para criar um hábito de pensar a música como horizonte aberto, e não simplesmente como manutenção do gosto e do lucro. Acho que por conta dos abismos sociais, alguns tipos de música, alguns artistas, não se misturam com outros, mas vejo que isso tende a mudar a cada dia.

Por fim, o funk já foi discriminado com mais severidade. Hoje é possível perceber sua disseminação em SP, por exemplo, onde o MC Bin Laden vem fazendo um trabalho de experimentação intensa com a forma do funk. No Rio, destaco Omulu, o genial Nego do Borel, Tarapi, Roba Cena (o da “rasteirinha”) e, sobretudo, o “rap cracodélico” de MC Carol.

BD — Então, ao que parece, está havendo uma renovação do samba. De forma geral, o que mais se fala é da estagnação e limitação da cena da Lapa e da incapacidade de os sambistas cariocas em deixar a tradição de lado...

BERNARDO — Eu me lembro imediatamente de uma frase do Tom Zé, se não me engano naquele programa O Som do Vinil, sobre o disco Estudando o Samba [1976]: “O samba, uma forma viva, aprisionada por seus próprios cultores”. Tom Zé já enxergava, ainda nos anos 70, que um espectro sombrio rondava o samba: o conservadorismo da forma. Sua presença nefasta poderia comprometer de forma irreversível a capacidade de renovação, o que de fato não se concretizou plenamente. Tom Zé mesmo contou com Elton Medeiros como parceiro em Estudando o Samba e, mais tarde, Paulinho da Viola participou de Tubarões Voadores [1984], disco de Arrigo Barnabé. Também tivemos a renovação profunda operada pelos compositores, instrumentistas e cantores ligados ao Cacique de Ramos — Zeca [Pagodinho], Almir [Guineto], Fundo de Quintal, Jorge Aragão —, seja na instrumentação, seja no tipo de composição. Quer dizer, houve renovação da forma do samba após o “estudo” e as denúncias de Tom Zé, o que é digno de nota.

É bem verdade que a coisa não muda muito depois dos anos 80. Naturalmente, a classe média universitária que consumia o samba dos compositores antigos nos anos 60, a mesma que reabilitou Cartola e Nelson Cavaquinho, não compreendeu a renovação proposta pelo Cacique e só veio a incorporar essa cultura à sua décadas mais tarde, como se percebe no caso do Casuarina e da atual aproximação do samba e da MPB. As coisas no Rio sempre andam nessa dinâmica em que a classe média reaproveita os insumos produzidos pelos pobres, pelos moradores das comunidades, pelos suburbanos, sem o devido crédito e usando toda uma máquina de divulgação e articulação para se impor na mídia. Essa dinâmica ocasiona distorções irreversíveis na música carioca, em particular no samba.

Este movimento que marca o que se chama de “samba da Lapa” pode ser compreendido em uma dimensão mais abrangente. É preciso considerar que não são Teresa Cristina, Diogo Nogueira e outros artistas eleitos pela grande mídia os primeiros músicos a retomarem o samba na Lapa. Destaco aqui a influência decisiva de Ivan Milanez, Renatinho Partideiro, Niko, Luiz Carlos Máximo (O Papudo), Rogerinho Família, o grupo Samba na Veia e o grupo Galocantô, que, em meados da década de 90, organizavam rodas de samba nos arredores da Fundição Progresso e na Rua Joaquim Silva bem antes do “samba da Lapa” tomar conta do pedaço. A bem da verdade, o pagode que esse pessoal fazia se encontrava perfeitamente adequado à herança do Cacique, ao passo que os artistas do Semente ou os que tocavam no Bar do saudoso Seu Cláudio (bar localizado na Joaquim Silva, de onde surgiram Gallotti, entre outros) eram mais conservadores e ligados ao samba do Estácio dos anos 30, 40 e 50. Isso mudou um pouco hoje, com a popularização de Arlindo Cruz e com a incorporação das invenções caciqueanas à música de artistas classificados sob o rótulo MPB como Rogê e Seu Jorge.

Então, penso que o problema do samba carioca oscila entre alguns parâmetros e situações contextuais que me soam extremamente incômodas. Primeiramente, uma dinâmica relativa à relação entre representação e divulgação. Os sambistas autênticos — aqueles que reinventam o samba, não são os que fazem sucesso ou honram a forma “tradicional” — continuam sendo relegados a segundo plano nas dinâmicas de contratação, representação e exposição na mídia. Além da rapaziada que citei acima, vale destacar Luiz Grande, Serginho Meriti, Bira da Vila, entre muitos outros. E, novamente, vimos um artista de samba ganhar menos que os nomes consolidados da MPB em grandes eventos, tal como aconteceu com Paulinho [da Viola] há algum tempo, acontece novamente com Beth Carvalho [ao se apresentar no réveillon de 2014, em Copacabana]. Respeito o Moacyr Luz, mas a forma como ele aparece na mídia, como o grande nome do samba contemporâneo é extremamente equivocada. Enquanto isso, o verdadeiro gênio que é Arlindo Cruz contenta-se em aparecer como coadjuvante de mais um programa de auditório dominical, legitimando uma espécie de racismo invertido que eu não consigo enxergar como positivo.

Por outro lado, identificam-se tensões entre o tradicional (ou a percepção que se tem dele) e a experimentação (geralmente diluída em trabalhos que incorporam outros gêneros musicais), com prejuízo grande para a experimentação. Se o samba do Cacique de Ramos representou renovação nos anos 80, hoje ele representa uma espécie de grilhão que prende muitos sambistas. Não que este samba não tenha mais valor, por favor, não me entenda mal. Ele tem um valor inestimável, riquíssimo em termos de poesia, estrutura de composição, reapropriação de tendências mais antigas, instrumentação impecável e inventiva. Mas há relação entre o gosto e a necessidade de trabalho, que sustenta esse grilhão. A forma é sempre um grilhão quando nos acomodamos a ela, seja por manutenção do gosto, seja por necessidade.


BD — Falando em grilhão, quando a cena independente começou a ganhar destaque na década passada — inicialmente em SP e, depois, em outras capitais —, era de se esperar que ela se lançasse a maiores experimentações e não seguisse certas fórmulas preestabelecidas do cenário da MPB e do pop rock dos anos 90, clonando à exaustão artistas como Marisa Monte e Los Hermanos. Pensando assim, parece que ainda há certo receio em se apropriar ou dialogar com as vanguardas, mesmo que, no passado, a tropicália tenha feito isso e conseguido atenção da mídia. Apesar de estarmos vivendo outro momento, ainda me questiono o porquê de boa parte dessa cena não ter buscado referências mais transgressoras...

BERNARDO — Eu sinceramente não sei exatamente ao que você está se referindo. Quando você fala em “cena independente” no Brasil, penso imediatamente no disco Feito em casa [1977], do Antônio Adolfo. E também em todos os músicos que conseguiram lançar discos fora das grandes gravadoras dos anos 70 pra cá. Penso no punk de São Paulo, no pessoal da Lira [Paulistana], na Baratos Afins… Enfim, tanto essa ideia de “cena”, como a noção de independência me parecem absolutamente relativas. A forma como o jargão jornalístico lida com isso é empobrecedor e nivelador.

É que, na virada dos 70 pros 80, o sucesso dos selos indies na Inglaterra e nos EUA — países que possuem dinâmica e contexto material e econômico para sustentar os sonhos de seus jovens artistas — acabou obrigando os órgãos oficiais e as instituições a criarem para eles um rótulo. Com esse rótulo em mãos, puderam confinar a independência em um nicho, obviamente identificado com o rock. Daí toda a confusão: atribuiu-se à música dos artistas dos selos chamados “independentes” a qualidade de independência de que nem sempre gozaram. Indie se tornou, portanto, sinônimo de banda que fazia punk, pós-punk, garage rock, etc. Dessa confusão para a adesão irrefletida de uma boa parte da classe média urbanizada do Brasil, foi um passo. Mas a verdade é que bandas como Teenage Fanclub, Sonic Youth e Tad têm nada ou pouco a ver uma com a outra.

Dito isso, consigo responder essa pergunta: não houve investigação musical porque esse nicho não considera a pesquisa, a experimentação e a invenção como critérios para sua música. Veja, não me entenda mal, por favor, não se trata de um julgamento moral, mas de uma constatação. Em todo caso, Marisa Monte e Los Hermanos beberam muito em fontes consideradas “indies”, mas também, e até mais, na MPB dos anos 70. Sobretudo Marisa, em relação à Gal e aos Novos Baianos. Otto também me parece bastante conectado a esse legado.

BD — Entendo, mas, por mais que você seja contrário a termos como “cena independente”, “neoMPB”, “nova MPB” ou “indie”,  acho improvável que não saiba a que músicos me refiro. Até porque alguns artistas que você considera relevantes, como o Metá Metá, por exemplo, foram rotulados assim... Mas deixando esta classificação de lado, o que quero dizer é que existe uma cena independente “institucionalizada” pelos jornais, revistas e blogs que é vendida ou classificada como “alternativa” ou “underground”, mas que, em parte, almeja um status que já não cabe mais no cenário atual. Não é para jogar pedras em sicrano ou beltrano, mas algumas vezes me questiono, até que ponto essa “cena” trouxe algo novo, ideológica e esteticamente falando.

Bernardo — Se você quiser que eu leve essa turma aí em consideração, ok. Posso também fingir que palavras como “cena” e “independente” são naturalmente inquestionáveis e “todos sabem o que significam”. Mas eu não acho isso de forma alguma. Respeito esse pessoal, mas com exceção do Metá Metá, me parece mais um fenômeno menor, um fenômeno de época que tende a passar com ela. O Metá Metá não tem absolutamente nada a ver com “nova MPB”, pelo contrário, é bem claro no trabalho deles que pretendem se desvincular dessa tendência de compreender o que acontece no presente sob a ótica dos termos e interpretações consolidados. Por isso que sempre te digo: esquece esse papo de MPB, isso é um eco pálido de eras passadas. Caetano [Veloso][Gilberto] Gil, Milton [Nascimento] são muito maiores do que o rótulo que serve para identificar a música que eles fazem.

Então, eu acho que você deveria perguntar àqueles que elegeram essa turma e que a alçaram ao patamar de “nova MPB” e afins. Se ela é “considerada” e “vendida” como tal, vale perguntar aos jornalistas e comerciantes que fazem isso, porque eu mesmo não sei bem do que se trata. E nenhum artista que mereça nossa atenção aceita de bom grado o rótulo “neoMPB”, não é verdade? (risos)

Também não sei se se trata ainda da velha “novidade estética”, porque, como já te disse, vejo mais invenção no funk do MC Bin Laden do que em muitas manifestações que são consideradas “vanguarda” (quando na verdade podem ser apenas a manifestação diluída de um tipo de música que é “nova” por aqui...).

Pô, vamos falar do que importa!? O samba e o funk paulistanos e cariocas? A música nordestina, o tecnobrega, as mutações da eletrônica tupiniquim, os novos folclores, a música carioca... deixa esse povo pra lá!! (risos)

BD — Ok! Resolveremos essa questão depois, em um botequim! (risos) Bem, se não estou enganado, todos esses gêneros que você citou estão muito atrelados a um processo de criação colaborativo ou coletivo, o que me remete a Haroldo de Campos e a sua “pós-utopia”, onde afirma que vivemos em um mundo sem espaço para manifestações coletivas e, por consequência, sem vanguardas. Transpondo essa ideia para outro contexto, pode-se dizer que a criatividade e a potência do funk e do tecnobrega estão fortemente atrelados ao seu caráter colaborativo, não?

BERNARDO — Existe uma situação histórica, social e econômica que atrela a música à era do disco. Então, no imaginário coletivo, todos que faziam música precisavam da indústria para sobreviver. Aqueles que por talento ou pistolão conseguiam ingressar no universo dos contratos, passavam a figurar entre os artistas a serem considerados. Certa perspectiva sobre a “música” entrou, então, em sua “Era de Ouro”, principalmente a música americana, brasileira, europeia e africana. O artista era, de fato, artista, e sua música, expressão severa de sua responsabilidade para com seu próprio trabalho, seu público e seus contratantes.

Mesmo assim, havia “a borda”. Hoje, a circulação de MP3 nos mostra que, na década de 70, o grande Mestre Vieira gravava seus discos no Pará. O udigrudi de Recife também, através de álbuns que são caçados e vendidos a peso de ouro pelo mundo afora. E outros: Pedro Santos, com um dos maiores discos brasileiros de todos os tempos, Krishnanda [1968], não obteve um por cento da atenção dada aos discos tropicalistas, lançados no mesmo ano. Redescobrimos pérolas como Edison Machado é samba novo [1964]; Moacir Santos, Coisas [1965]; Tenório Jr., Embalo [1964]; e tantas outras pérolas que a própria indústria criou e depois guardou em seus arquivos impenetráveis — inclusive, é um sonho meu produzir/promover a reedição remasterizada e decente de Krishnanda, mas o “entorno” do disco e do artista (família, editora) inviabiliza a empreitada. É muito triste, mas é a realidade com a qual temos que lidar.

Por que estou abordando todos esses assuntos? Porque toda essa estrutura, até mesmo aquela que sustentava uma produção independente, estava atrelada a uma infraestrutura que, com o advento dos aparelhos digitais, passou a ser mais acessível a um maior número de pessoas. De repente, nos flagramos diante do boom de produtores de música, cinema e artes plásticas — fenômeno interpretado negativamente pelos intelectuais e pensadores da comunicação, batizado por Andrew Keen como “o culto do amador”. De repente, qualquer artista “sem talento” poderia gravar um disco, qualquer “poeta ruim” poderia lançar seu livro. Essa ampliação da capacidade não resultaria, na opinião desses críticos, acadêmicos e intelectuais, em ampliação da “qualidade”. Mas qualidade não é um valor absoluto. Ou todo mundo acha que [Conde de] Lautrèamont, [Arthur] Rimbaud, [Friedrich] Nietzsche e [Antonin] Artaud eram consensos em suas respectivas épocas e contextos?

Parece-me que todas essas opiniões na verdade se fundamentam em uma opinião do gosto, uma opinião de classe, uma opinião deontológica (normativa, prescritiva) que não se atém à imanência das obras de arte no tecido da experiência. Como discordar do Haroldo? De fato, a vanguarda é uma manifestação que, embora dependesse de um rompante de subjetividade, carecia igualmente do receptáculo moral coletivo para escandalizar. De repente, não é mais possível constituir visões hegemônicas, ou pelo menos elas se tornaram mais complexas ou não se sustentam. De repente, é o escândalo que dita o próprio ritmo do cotidiano. A implosão do escândalo, simultaneamente arrefecido e potencializado pelas redes de comunicação, produz diariamente a sensação de que vivemos em uma estrutura na qual dificilmente se pode depositar consenso sobre coisa alguma. As vanguardas, enfim, teriam se pulverizado sobre as formas de vida? Como é possível o novo nesse contexto?

Justamente através de duas dinâmicas de convergência. Primeiro, a lógica preliminar, essencial, da miscigenação, da mestiçagem, que deve estar na base de toda educação, que favorece a tolerância e a percepção de outras formas de enxergar o mundo — posso afirmar que eu e uma pá de gente que conheço foram profundamente tocadas depois que, graças ao Napster, descobrimos o universo monumental da música africana, em toda sua dimensão continental. Depois, a forma colaborativa, o entendimento produtivo entre pessoas de diversas áreas que fundam sonoridades, organizações, selos, coletivos.

É fato que o volume da produção musical hoje é imenso, incomensurável. É também verdade que o amadorismo, compreendido como o desprendimento do artista do seu sustento, é perceptível por toda parte. Injusto e desesperador em muitos casos, mas libertador em outros. O músico que almeja sobreviver de sua música sente dificuldades no mundo de hoje, quanto a isso não há dúvida. Mas o fenômeno não se esgota aí: existem também aqueles que preferem trabalhar com um mercado instável e aberto à produção independente, que apostam no contato direto com o público. Mais uma vez, o funk e o tecnobrega saíram na frente.

Quem pode julgar condições tão abertas e imprevisíveis? Quem pode edificar uma interpretação panorâmica e plausível desta nova realidade, múltipla, fragmentária e multifacetada? Eu te digo minha opinião: ninguém. Todos que se arriscarem a partir desta pretensão, necessariamente falharão. David Byrne, Andrew Keen ou Simon Reynolds, não importa, todos tentaram fazer um diagnóstico universal, cujo alcance não ultrapassou as fronteiras de seus próprios valores. É preciso levar em consideração não apenas a instabilidade dos centros que produzem a legitimação sobre a arte e suas questões, mas também o conflito de perspectivas em relação à produção, concepção, comercialização, questões legais e até mesmo questões técnicas, como, por exemplo, a resolução de arquivos digitais — que põe em discussão a questão da “alta fidelidade”. É preciso, portanto, buscar outras formas de criar uma aproximação crítica com a arte que é produzida hoje e que será produzida daqui pra frente.


BD — David Byrne fala bastante das mudanças do consumo de música em seu novo livro, Como funciona a música [2014], chegando a ser um pouco apocalíptico ao afirmar que a tecnologia musical segue uma trajetória que resultará “em sua própria destruição e perda de valor”. Ou seja, tanto o mercado quanto a própria fruição da música estão em um processo de mutação incontrolável e bastante imprevisível. Você concorda com isso?

BERNARDO — Como posso concordar com esse diagnóstico sombrio? Byrne é um gênio, o livro é muito rico em informações e ideias, mas derrapa nessa avaliação que me parece profundamente equivocada. Como a música pode ser destruída e perder o valor, quando na verdade o que estamos vendo é a pulverização da música sobre as formas de vida? A não ser que por “música” Byrne esteja entendendo justamente a “era do disco” a que me referi acima, a era na qual ele se consolidou enquanto compositor e instrumentista. Seu diagnóstico não é somente sombrio, mas também nostálgico.

Byrne não leva em consideração, por exemplo, as características abertas, proporcionadas pela constituição do “trabalho imaterial”, como escreve Toni Negri e Michael Hardt, “o trabalho que produz produtos imateriais, como a informação, o conhecimento, ideias, imagens, relacionamentos e afetos”[Multidão: guerra e democracia na era do império, 2005]. Se por um lado, as coisas perdem o valor material, desarticulando a cadeia produtiva e propiciando uma situação na qual o trabalhador enfrenta novas vias de exploração, por outro, pode-se afirmar, também com Negri e Hardt, que o trabalho imaterial é biopolítico, ou seja: age não somente no âmbito econômico, “trabalhista”, mas também nas formas de vida, na produção de subjetividades, na ampliação da diferença. Negri diz também que “o trabalho imaterial tende a assumir a forma social de redes baseada na comunicação, na colaboração e nas relações afetivas”, o que vai de encontro ao que escreveu Byrne, ao vincular a própria existência da música à grande indústria e ao capital. O desafio se coloca da seguinte forma: as dinâmicas colaborativas, vinculadas a uma percepção renovada da diferença, podem nos fornecer um horizonte plausível de superação das relações injustas favorecidas pela estrutura imaterial? Para além do diagnóstico sombrio, seria mais proveitoso perguntar: existência e resistência são possíveis frente ao capital?


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