e volto pra curtir

fotos: daryan dornelles

É redundante dizer que a neoMPB possui fortes ligações com a produção musical dos anos 60 e 70, em especial, com a tropicália e a sua figura mais célebre: Caetano Veloso. Sem qualquer esforço, há de se observar a desenvoltura com que este vem dialogando e, de certa forma, se apropriando da geração 00. Em seus mais recentes trabalhos, Caetano deixou evidente não só a durabilidade de seu legado, mas também a sua capacidade de se mesclar à atual produção musical do país. Contudo, outros artistas de igual importância também vêm se mostrando intimamente ligados às novas gerações. Geniais, mas considerados por muito tempo “malditos” pela imprensa e pelas grandes gravadoras, Tom Zé, Jorge Mautner, Jards Macalé e Itamar Assumpção (falecido em 2003) passaram por períodos de total ostracismo até, nos últimos anos, ganharem visibilidade e reconhecimento através de relançamento de álbuns, documentários ou parcerias com novos nomes da música. Violonista primoroso e um dos mais importantes compositores do país, Macalé tornou-se notório por suas declarações que, mesmo cercadas de humor, o levaram a ter embates antológicos com diretores de gravadoras e colegas de profissão. Sua postura radical e seu discurso sem firulas o obrigaram a passar longo tempo fora da mídia e do mercado fonográfico. O que foi brutalmente nefasto não só para a sua carreira como para a sua vida pessoal.
Operando em diversas frentes, Macalé esteve intimamente ligado aos principais nomes de vanguarda de sua época. Transitou pelas artes visuais, tornando-se amigo de Hélio Oiticica e Lygia Clarke e colaborando com Rubens Gerchman. Em sua homenagem, Oiticica criou em 1978, a instalação “Macaleia”. Jards também atuou e foi responsável pelas trilhas sonoras dos filmes “O Amuleto de Ogum” (1974) e “Tenda dos Milagres” (1977), de Nelson Pereira dos Santos. Sua relação com o cinema o levou a fazer trilhas para filmes de Joaquim Pedro de Andrade, Glauber Rocha, Antônio Carlos Fontoura, Hugo Carvana, entre outros.
Musicalmente, além de dialogar com os tropicalistas, Jards participou de alguns importantes espetáculos de protesto, como “Arena Canta Zumbi” e “Opinião”. Em 1969, causou estardalhaço ao participar do 4.º Festival Internacional da Canção com a música “Gotham City”. No ano seguinte, lançou seu primeiro compacto, "Só Morto (Burning Night)”, e dirigiu Gal Costa no disco “Legal”. Neste período, a cantora tornou-se sua principal intérprete, tendo em seu repertório “Hotel das Estrelas”, “Vapor Barato”, “Mal Secreto”, “Pulsars e Quasars”, “Love, Try and Die”, “The Archaic Lonely Star Blues” e “Pontos de Luz”. “Vapor Barato”, apresentado pela cantora  no espetáculo "-FA-TAL-", aderiu-se de forma definitiva ao seu repertório, ganhando, décadas mais tarde, novo destaque ao ser trilha do filme “Terra Estrangeira” (1995), de Walter Salles, e ser regravada pelo grupo O Rappa. Em 2012, foi novamente interpretada por Gal, na turnê “Recanto”, sendo o ápice do espetáculo em seu festejado retorno aos palcos.
Ainda nos anos 70, Macalé foi responsável por dois dos mais importantes discos da música brasileira: “Transa” (1972), de Caetano Veloso, gravado em Londres sob sua direção; e seu primeiro álbum, “Jards Macalé” (1972). Neste, firmou importantes parceiras com os poetas Capinam, Waly Salomão, Torquato Neto e Carlos Eduardo Machado (Duda). O álbum ganhou vida nova em 2007, ao ser revisitado por Jards na terceira edição da Virada Cultural, no Teatro Municipal de São Paulo. Cinco anos depois, o disco foi relançado em vinil pela Polysom, sendo acompanhado por apresentações no SESC Belenzinho (SP), pelo projeto “Álbum”, e no Instituto Moreira Salles (RJ), na oitava edição do projeto “Grandes Discos da Música Brasileira”. Este ano, foi a vez de seu primeiro compacto ser reeditado pelo selo Discobertas, acrescido de 10 faixas bônus com registros de sua produção setentista.
Em nova fase e bastante assediado, Jards vem sendo convidado nos últimos anos a realizar parcerias, shows e gravações ao lado de seus contemporâneos, como Kassin, Pedro Sá, Graveola e o Lixo Polifônico, Brasov, Mombojó, Ava Rocha, Dorgas, Thais Gulin, entre outros. Além disso, o músico passou a ser acompanhado em seus shows pela Lets Play That, a jovem banda composta por Leandro Joaquim, Thiago Queiroz, Victor Gottardi, Ricardo Rito, Thomas Harres e Pedro Dantas. Jards passou também a ser homenageado no cinema, sendo objeto de estudo em dois documentários: “Um Morcego na Porta Principal” (2008), de Marco Abujamra e João Pimentel, e “Jards” (2012), de Érik Rocha. Este último retratou o processo de gravação de seu décimo primeiro álbum, “Jards” (2011), lançado pela Biscoito Fino. Em 2013, já merecidamente entronizado e cercado de novos fãs e parceiros, o músico comemorou seus 70 anos em um histórico show no Circo Voador, no Rio, e, dias depois, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo.
Citado repetidas vezes como referência pelos artistas que passaram pelo Banda Desenhada, Jards Macalé foi o escolhido para a entrevista comemorativa dos dois anos do site. O músico, em meio a uma agenda cheia e prestes a embarcar para Nova Iorque para a exibição do documentário “Jards” no MoMA, nos recebeu em março, em seu apartamento, no Jardim Botânico. Conversamos a respeito de sua carreira, álbuns, a relação com as novas gerações e a admiração por Gal Costa. Recebemos também a sua permissão para uma homenagem: o lançamento do álbum virtual “E Volto Pra Curtir”, com 11 artistas reinterpretando seu disco de estreia. O álbum estará disponível para download por tempo determinado, sendo, em seguida, colocado para streaming.
Tenham uma ótima leitura e excelente audição.

BD – Em seus últimos álbuns, você fez releituras de suas composições dos anos setenta. Imagino que tenha recebido algumas críticas pela falta de ineditismo, não?

Jards Macalé – Volta e meia gravo músicas dos meus primeiros discos, principalmente o de 1972. Gosto de reinterpretá-las. Elas têm um tom que me agrada. Na verdade, as músicas daquela época não são tão conhecidas assim, apesar delas derem sido gravadas e regravadas por diversos artistas. Eu só tenho um hit na vida que se chama “Vapor Barato”. E mesmo essa, quando você ouve no rádio, normalmente o locutor diz: “de Gal Gosta, ‘Vapor Barato’”. Parece que o intérprete é o autor. Então, acho importante gravar essas músicas com novos arranjos, novas interpretações. Elas ainda têm vigor. É como se eu estivesse lapidando um diamante, entende? No Brasil há essa mania do novo, do novo, do novo... o novo somos nós, porra! Somos nós produzindo coisas, revisitando coisas. A novidade pode estar no modo de interpretar, no modo de tocar. Para mim isso também é o novo. Não sei tocar a mesma música de forma absolutamente igual. Não quero e nem consigo ser uma cópia de mim mesmo. Surge sempre algo diferente nessas reinterpretações. O Tom [Jobim] dizia algo engaçado: “Todo mundo acha que faço o mesmo show há 50 anos!”. Porque era impossível para ele fazer uma apresentação e não tocar “Garota de Ipanema”, “Samba do Avião” e algumas outras canções emblemáticas...  e aí as pessoas acreditam que é tudo sempre igual. Mas não é! Um acorde já muda tudo! Durante esse processo, você vai descobrindo e criando coisas que diferem da gravação original. E eu acho isso bacana. Gravei “Real Grandeza” [2005], o disco em homenagem ao Waly, porque ainda há muitas canções a serem descobertas, principalmente pelo público novo, por esta geração de agora. Não posso permitir que um trabalho como este fique perdido no tempo.

BD – Muitos artistas desta geração o admiram e já disseram ser influenciados por seu trabalho. Como você lida com isto? Você acha interessante este diálogo com artistas mais jovens?

Jards Macalé – Claro! Essa troca é muito importante. Não sei exatamente o que as pessoas leem ou falam ao meu respeito, mas acompanho e tenho muito interesse pelo que esta geração vem produzindo. Ava Rocha, qinhO, JR Tostoi, Mombojó, Porcas Borboletas... Todos eles me interessam. A maioria dos músicos da minha banda atual tem menos da metade da minha idade! A fome de tocar e a vibração desses meninos me fazem muito bem. É estimulante e me traz liberdade para experimentar e descobrir coisas novas. Todos nós sofremos influências. No início, até cultivar seu próprio estilo e se libertar, é muito natural que um artista se assemelhe a outro que ele admire. Apesar de eu não conhecer nenhum cover meu! [Risos]. Alguns artistas mais novos têm me convidado para tocar, por me admirarem e me terem como referência. E eu vou! Assim vou conhecendo os seus trabalhos e vou aprendendo mais coisas. Tem muita música boa por aí. Gosto de ter esse relacionamento direto, de conversar, de tocar...

BD – Essa não é a primeira vez que você dialoga com músicos mais jovens, não é?

Jards Macalé – [Pensativo]. Em determinado momento da minha carreira, eu me vi exilado... Exilado dentro do Brasil, exilado da música brasileira... por conta das minhas posturas. Passei 11 anos sem gravar. Nessa época, fui convidado por uma turma mais nova para participar do ciclo “Música de Invenção” [realizado em 1995, no Rio de Janeiro, no Centro Cultural Banco do Brasil]. Cheguei a ir a Berlim e a outros lugares por conta desse projeto. Era um negócio meio erudito. Mas nem tanto assim. [Risos]. Para mim nunca houve essa divisão de erudito e popular. Música é música, independente dessas catalogações que vivem sendo inventadas. Nunca vi tantos rótulos na minha vida! Fico até meio perdido naquilo tudo, viu? Quem sou eu? Quem sou eu?! [Gargalhadas]. A música tem que ser livre! Para mim, a liberdade é a primeira motivação para se fazer música, para querer tocar um instrumento ou compor. Não podemos nos prender a catalogações. A música é muito maior do que isso. Os rótulos só valem para o mercado, para a divisão de marketing das gravadoras. Um estilo influencia outro, se incorpora a outro. No final tudo se mistura. Não tem esse negócio. A música tem é que romper a barreira do som! [Risos].


BD – E como surgiu a ideia de montar a banda Let’s Play That?

Jards Macalé – Estava conversando com o Leandro Joaquim e ele me disse que queria fazer uma banda chamada Let’s Play That, que na verdade é uma música minha com Torquato [Neto], feita para o Naná Vasconcellos. “Let’s play that” significa “vamos nessa”, né? Era para ser este o nome da banda, mas brasileiro tem essa mania de inglês e o que pegou mesmo foi “Let’s Play That”. Bem, aí o Joaquim disse assim: “Poxa, eu conheço alguns músicos que a gente poderia chamar”. Eu achei ótimo!E fomos nessa! [Risos]. Ele me apresentou os meninos e começamos a ensaiar. Rolou um show, no ano  passado, no [Auditório] Ibirapuera, em São Paulo. Foi maravilhoso! Apresentamos inclusive o “4 minutos e 33 segundos”, uma peça do John Cage... e naquele silêncio de 4 minutos, inclusive da plateia, os músicos jogaram dados, outros cartas, um dormiu em cima do amplificador, outro tocou um violão sem cordas e outro fez malabarismos com laranjas. Enfim, coisas aconteceram. E o clima foi ótimo! O mesmo aconteceu no Circo Voador, quando me apresentei ao lado do Luiz Melodia [em setembro de 2012]. No show no Teatro Rival também. Estamos no pique! Há uma renovação de energia, uma sensação de aventura que me une a esse pessoal dito mais jovem.

BD – E como foi a comemoração do seu aniversário no Circo Voador e no Auditório do Ibirapuera?

Jards Macalé – No Circo foi espetacular. Ganhei até um chapéu de Moreira da Silva [aponta para um chapéu na estante]! [Risos]. Foi muito bom. Houve uma comunhão muito forte. O Circo tem essa coisa, né? Uma empatia... e ainda teve as participações da Ava, da Adriana [Calcanhotto] e da Thais Gulin...  No Ibirapuera... você viu o vídeo? Pô, cara... ao final do show, eu pedi: “Por favor, me deem um presente de 70 anos! Prometam que vão cantar daqui até as suas casas [cantarola] ‘o sol’ [‘Juízo Final’, de Nelson Cavaquinho]...” E aconteceu! Foi uma coisa impressionante! Eles foram descendo até o saguão... Acho que aquilo ali foi bruxaria! [Risos] Aquelas pessoas todas cantando! Parecia uma procissão! Com a acústica do prédio, tudo foi amplificado. E isso em meio aquele cenário do Oscar Niemeyer e Tomie Ohtake. Meu Deus do céu! O show não terminou. Continuou, continuou... O Walter Franco estava na plateia e na hora de cantar a sua música, “Canalha”, eu o chamei para o palco. Foi realmente maravilhoso.

BD – Gal Costa também teve o seu som rejuvenescido ao se associar com músicos de gerações mais novas. Por sinal, a interpretação de Gal para “Vapor Barato” é o grande momento de sua atual turnê...

Jards Macalé – Pois é! O ápice do show! Fiquei surpreso ao ver! A plateia levanta e bate palma! É um negócio louco! A Gal é uma das maiores cantoras não só do Brasil, mas do mundo. Aquela voz superafinada... e ao mesmo tempo tão natural... é incrível. Eu a conheci bem no início de tudo, acho que em 65. A Bethânia foi morar lá em casa, enquanto se apresentava no “Opinião”. Ela veio para substituir a Nara [Leão], que a havia conhecido em Salvador. Caetano veio para tomar conta da irmã e Gal veio junto. O Torquato já havia me apresentado o Caetano em 59. Na época, Gal ainda era chamada de Gracinha. E como cantava lindo!Sempre cantou lindo! E a cada dia canta mais lindo ainda. Ela foi muito corajosa ao romper com aquela sua imagem intimista e cair de cabeça na tropicália: “É preciso estar atento e forte/ Não temos tempo de temer a morte” [Caetano Veloso/ Gilberto Gil]! Porra, ela arrebentou! Tive a sensação de que ela estava implodindo tudo, deixando a sua zona de conforto, para poder ressurgir e explodir daquele jeito. Foi incrível e fizemos muitas coisas junto. Principalmente quando o Caetano e o Gil estavam presos. Eu não sou tropicalista, nunca fui, mas fiquei ali, produzindo e dando sustentação. Não só eu, mas também o Waly, o Capinam... Todos nós dávamos sustentação à Gal para que ela prosseguisse em sua aventura musical.  A tropicália foi muito importante, pegando toda a música brasileira e a regurgitando de forma inédita. Mas ela foi abortada violentamente pela ditadura. Então ficamos apenas nós. E a voz da Gal era a nossa bandeira. Para mim, ela sempre foi e será a voz mais clara, bela e salutar da música brasileira.

BD – Você participou diretamente de três álbuns muito marcantes na história da MPB: “Transa”, “Legal” e o seu disco de estreia, “JardsMacalé”, de 72. Olhando para trás, imagino que dê um grande orgulho, não?

Jards Macalé – Sinto muita admiração por esses trabalhos. Porque quando você está fazendo, não é possível dar conta da dimensão histórica que eles terão. Eu pelo menos nunca dei, estava fazendo e pronto. Fazendo porque tinha que fazer. Havia uma necessidade, uma urgência. Meu primeiro disco, por exemplo, eu, Tutty [Moreno] e Lanny [Gordin] ensaiamos no porão do teatro Opinião. Era um lugar lúgubre, cheio de coisa velha, cenários velhos, uma poltrona velha e uma luzinha bruxuleante pendurada. Parecia uma garagem. E ali ensaiamos por duas semanas ininterruptamente. Entramos no estúdio e gravamos praticamente ao vivo. Era um trio, sendo que o Lanny gravou primeiro o baixo e depois o violão. Apesar da situação e do momento em que vivíamos, foi muito divertido. Fizemos o primeiro disco assim. Ali conseguimos avançar não só em termos musicais como também poéticos. Fugimos de tudo que era tradicional e ficamos transitando entre a música instrumental e o cancioneiro. Já no “Transa”, houve um convite. E lá fui eu para Londres. Tinha o Tutty e o Áureo [Souza] na bateria e percussão, o Moacyr [Albuquerque] no baixo e o Caetano na voz e violão. O negócio era a sonoridade! Eu queria arrancar um som diferente daquelas coisas. Mas não fiz os arranjos sozinho. Primeiro vieram as ideias do Caetano e, depois, cada um ali deu a sua contribuição. As decisões eram tomadas em conjunto. Então, o que eu fiz como diretor musical e arranjador, foi formalizar e formatar todas aquelas ideias. E o “Legal” foi divertidíssimo. O Hélio Oiticica fez a capa e o Waly Salomão também contribuiu bastante. Só a gravação de “Love, Try and Die” já valeria o disco! A letra é perfeita! [Cantarola] “Come on, come on, come on and love/Come on, come on, come on and try/Come on, come on, come on and die”. É de uma canastrice! [Gargalhadas]. Mas eu sentia que estava faltando um vocal. Fiquei na dúvida se ficaria bacana dobrar a voz... aí fui ao banheiro. E na hora em que eu estava indo, adivinhe quem vem andando pelo corredor? Erasmo Carlos e Tim Maia! Quando eu vi aqueles dois, não pensei duas vezes, chamei e disse que o disco da Gal estava precisando de uns vocais. E eles: “Oba! Oba!”. [Risos]. Aceitaram na hora. A faixa ficou engraçada e, ao mesmo tempo, muito delicada. Ainda tem o Lanny dizendo: “Go, Lanny, go!”. [Risos]. Esse era o clima.

BD – Nos últimos anos você tem apresentado na íntegra o repertório de seu primeiro disco. Poderia falar a respeito? 

Jards Macalé – A gente fez há pouco tempo no SESC Belenzinho. Inclusive contando com as presenças do Lanny e do Tutty. E também teve, em 2007, no Teatro Municipal de São Paulo, em um daqueles Viradões. Fiquei surpreso! Estava marcado para três horas da manhã e, quando cheguei, vi gente pra caramba! A fila dava três voltas no Municipal! Uma loucura! Eu pensei: “O que será que está acontecendo? Será que o show anterior ainda nem começou?!”. Não esperava que fosse para nós. E era! Tinha gente pendurada no lustre! Porra, foi um show maravilhoso!


BD – As letras de Waly, Capinam e Torquato são um grande trunfo em suas músicas. Como era o processo de composição com eles?

Jards Macalé – Com Capinam, a gente fazia junto ou então ele me mandava a letra para que eu a musicasse. Se havia algum problema ou alguma dúvida, a gente conversava pelo telefone ou pessoalmente. Já o Waly, levava as letras para a minha casa para explicar direitinho do que se tratavam. Por exemplo: ele morava em Niterói e vinha me visitar em Botafogo. Certo dia, veio com uma letra garranchada e disse: “Olha aqui, bota música nesse negócio!”. Como se estivesse me desafiando. Eu falei: “Claro que eu boto”. Li umas duas vezes e comecei. Meia hora depois, o rascunho de “Mambo da Cantareira” estava pronto. Aí a gente cantou, cantou, cantou, até definir de vez a música. As coisas funcionavam assim. Era tudo muito direto. Com o Torquato também. Outro com quem eu compus muito, muito, muito, foi o Xico Chaves. Tenho muitas fitas cassete com coisas que a gente compôs. Cheguei a ver um dia: é um saco cheio! Algumas são recuperáveis, outras não. Deixamos de gravar muitas dessas composições por conta do momento político e do mercado fonográfico. A coisa não estava pra peixe e nós ainda éramos taxados de malditos. Para algumas poucas pessoas isso era um elogio, como se nos comparassem a [Arthur] Rimbaud, Paul Valéry ou [Vladimir] Maiakovski! “Ah, nós somos os malditos, oba!”. Mas só que teve uma hora que isso virou um horror! Porque acabou vindo uma nova geração que não fazia a menor ideia de que porra era essa de malditos. E um maldito, se você for olhar no dicionário, não tem nada de bom! É para ficar apavorado! E o que no início era benéfico, se tornou uma maldição de verdade! Viramos marginais. As pessoas não conseguiam ou não queriam entender em que contexto estávamos. Quem via no trabalho do Hélio Oiticica a frase “seja marginal, seja herói”, começou a achar que o cara estava defendendo o crack! “Pô, tá defendendo a marginalidade, caralho!”. E não era nada disso. Havia ali toda uma conjuntura política e de posicionamento artístico!

BD – Entretanto, nos últimos anos, você, Tom Zé, Itamar [Assumpção] e Jorge Mautner parecem estar finalmente sendo reconhecidos por seus trabalhos...

Jards Macalé – Pois é. Eu ouvi falar disso. Tem um povo novo fissurado no Itamar!  Um povo bem jovem. Hoje, o Itamar está mais vivo do que nunca! Olha só! Bem vindo, Itamar! E ainda bem, porque Itamar sempre foi maravilhoso! O trabalho dele sempre foi maravilhoso. Tivemos uma relação pessoal muito boa. Ele era bacana, me respeitava, me admirava. E eu também o admirava. Aquele negro retinto e abusado! Bem abusado! [Risos, levemente emocionado]... A sua posição enquanto artista era muito difícil. O Itamar fazia as coisas às próprias custas, ia lá no fundo, no fundo. Era complicado segurar a onda dele. E agora... ainda bem! Antes tarde do que nunca! Mas não precisamos morrer para sermos reconhecidos! Pelo amor de Deus! Como dizia Nelson Cavaquinho: “Me tragam as flores em vida”! Porra! [Risos]. É claro! Que coisa chata! Tem que morrer?! Aaaah! Mas ainda assim, que bom que estão redescobrindo sua obra. Ouvir a música do Itamar é conhecer o Brasil e, principalmente, São Paulo, de forma profunda e libertadora.

BD – Como foi esse período de “maldição”, em que ficou sem gravar?

Jards Macalé – Vivi em uma penúria braba. Não passei fome, mas em termos de produção e de viver dessa produção foram tempos muito difíceis. Minha mãe me bancou até os cinquenta anos! Quando não conseguia fechar o mês, ela fechava. Eu fiz 70 agora. Então há vinte anos que eu não dependo mais de minha mamãezinha! [Risos]. E isso é uma coisa de louco, né? Tive muitas crises. Cheguei a falar que a música não prestava! Que era maluquice! Mas aí pegava o instrumento e desistia de desistir... Tem uma hora que você percebe que se largar de mão o prejuízo será maior. Mas até hoje a coisa é difícil. E isso vale para todo mundo.

BD – Quando lançaram o documentário “Um Morcego na Porta Principal”, você chegou a falar em algumas entrevistas que o filme suavizou o lado “sexo, drogas e rock’n’roll”...

Jards Macalé – É, eu brinquei com isso. Bom, se a gente for ver... o filme evoca momentos muito importantes, a forma como vivenciamos todas aquelas situações, a questão política, as minhas discussões e a saída praticamente forçada das gravadoras. O filme não é light. Tem muita coisa pesada. A ideia do suicídio...  Isso está contado ali. Mas se for contar tudo, tudo mesmo, bicho... aí já é outro filme! [Risos]. Mas também não é nada de tão absurdo assim. É a vida cotidiana da gente, louca... Naquela época, estávamos vivendo de forma radical. Havia um posicionamento libertário, de querer ultrapassar os nossos próprios limites. E eu sempre gostei de correr riscos. E ainda gosto.

BD – Você interagiu com muitos artistas visuais de sua época. Poderia comentar a respeito? 

Jards Macalé – Essa história de música e artes visuais... Para mim, arte não tem divisão! Arte é arte. O Gerchman me convidou para fazer a trilha sonora de um curta-metragem em super-8 do pai dele, que era um grande artista gráfico. Depois ele me convidou para fazer a trilha de duas exposições suas. Mais à frente participei de outro trabalho com o Waly e o Hélio Oiticica. Na época, era assim: eu fazia uma música e ganhava um quadro. Tenho dois quadros do Rubens que valem uma fortuna! Mas o principal para que isso acontecesse era a amizade. O Hélio era um grande amigo. Há um tempo, descobriram que ele havia projetado uma instalação chamada “Macaleia” e a montaram. Então, sempre houve essa admiração de ambas as partes. Eu gosto muito das artes plásticas. Na verdade, gosto de qualquer manifestação artística. A dança também é algo extraordinário. Tem a questão do corpo, da reconstrução do corpo. É maravilhosa. O importante na arte é a sinceridade. Aí, bicho, ela arrasa.

BD – Essa questão das artes se fundirem é muito marcante no período tropicalista, não?

Jards Macalé – A tropicália veio a partir de um pensamento bastante nacionalista, apesar de não parecer. Ela aceitava o Brasil tal qual ele era, com tudo que havia de cafona. Misturavam Carmen Miranda, Ary Barroso e tudo o mais em um caldeirão e reconheciam aquilo como identidade nacional. E real. A ideia era altamente sofisticada. Os artistas ali envolvidos eram sofisticadíssimos. Capinam, Torquato, Tom Zé, Caetano e Gil eram formidáveis. Eles vinham, como alguns dizem, de uma linha evolutiva dentro da música popular brasileira. Havia uma história anterior. Eles reconheciam Ângela Maria, Cauby Peixoto e outros tantos que eram tidos como bregas. E, além disso tudo, havia um cunho político. Que não era óbvio, mas era tão político que levou Caetano e Gil para a cadeia. Eles foram os únicos músicos a irem em cana e serem formalmente expulsos do país. Os militares não entendiam nada daquilo, achavam a tropicália uma provocação pura. Não entendiam o seu conteúdo político, mas sabiam que havia alguma coisa ali naquela atitude, nas roupas, no discurso. É claro que todos nós éramos contra a ditadura. E tudo se complicou quando Caetano apareceu vestido de Papai Noel com um revólver na mão em um programa de TV cantando “Boas Festas”, do Assis Valente. Aí, também, puta que pariu! Bem abusado, né? Mas isso não dava o direito de terem feito o que fizeram com ele...

BD – Como era a sua relação com os tropicalistas?

Jards Macalé – O Rogério Duarte, que é uma das figuras mais importantes desse período, brincava comigo: “O quarto de empregada de sua casa, em Ipanema, foi o berço da tropicália”. Era um quarto pequeno, com beliche, armário e um movelzinho de cabeceira. Todo mundo ia pra lá: Caetano, Torquato, Duda, Rogério... Tínhamos um monte de conversas a respeito da música brasileira. Nessa época, estava substituindo o Roberto Nascimento como diretor musical do Teatro Opinião. Eu estudava violão clássico e tinha esse lado de instrumentista, arranjador e orquestrador. Por conta disso, a minha casa estava sempre cheia. Era uma espécie de passagem obrigatória dessa patota toda, tanto dos tropicalistas, quanto dos eruditos. Depois me casei e mudei pra Botafogo. Para a tal casa nove, que fizeram filme [“Casa 9”, de Luiz Carlos Lacerda]. Quando os meninos foram presos, ela virou uma muvuca! Vivia em ebulição, cheia de músicos, poetas, artistas plásticos... Daí o Caetano me convidou para ir para Londres e deixei a casa com alguém e fui.


BD – Mas afinal, qual a grande diferença entre o seu trabalho e o dos tropicalistas?

Jards Macalé – A tropicália foi uma coisa que durou sete, oito meses, na verdade. Começou com os artistas adotando aquela postura, lançando discos, fazendo o programa de televisão e terminou com a prisão do Caetano e Gil. Ali foi o fim da tropicália como movimento, como ideia de movimento. O que me diferenciava deles é que eu estava me preparando para ser um músico, instrumentista, orquestrador, algo mais formal. Então, mesmo que eu tenha participado daquelas discussões, havia um afastamento. Assisti a tudo bem de perto. E compunha. Que era realmente o meu negócio. Quando eu e Capinam compusemos “Gotham City”, que em termos musicais parecia uma música de western, mas com um forte conteúdo político: [cantarola] “Não se fala mais de amor/ Em Gotham City/ Só serei livre/ Se sair de Gotham City”... Eu radicalizei, coloquei aquela roupa toda, os Brasões entraram... era algo extremamente moderno. Mas fizemos a parte de qualquer tropicalismo. Aquilo ali era uma linguagem nossa. Apesar de Capinam ser tropicalista, naquele momento ele não era. Naquele momento a gente não estava querendo dar continuidade a coisa alguma. Mas é claro que havia ali uma revolta por conta da prisão dos dois e com tudo o que estava acontecendo naquele momento. “Gotham City” era uma espécie de desagravo. Eu me lembro de ter falado com o Capinam: “Pô, Capinam, fomos dormir anônimos e acordamos famosos!”. Porque só dava a gente na primeira página! Só dava “Gotham City”. E a partir dali, do desenvolvimento daquela linguagem, começou a minha história.

BD – A sensação que passa, principalmente se comparar a sua produção setentista com a tropicalista, é que, enquanto esta se dava ao direito da celebração, a sua já transmitia um total desencanto. Não sei se era essa a ideia...

Jards Macalé – Sim, éramos o rescaldo. Tínhamos essa sensação: “Pois é... afundamos!”. O registro era esse, mas não era proposital. As canções iam sendo criadas do jeito que eram sentidas. “Farinha do Desprezo”, “Anjo Exterminado”... eram todas, no fundo, ilusões e desilusões amorosas que refletiam aqueles tempos e que poderiam ter diversas leituras. Poderiam ser vistas com cunho político, contra a repressão e a ditadura, mas também poderiam ser entendidas como canções de amor. Porque no fundo, bem no fundo, todas eram canções de amor. Amor reprimido, amor violentado, amor que dá errado... e também amor que dá certo! [Risos]. De um jeito ou de outro, o amor está aí pra todo mundo, não é? Viva o amor! [Risos].







E volto pra curtir
 Fred Coelho

A comemoração dos setenta anos de Jards Anet da Silva, conhecido como Jards Macalé ou simplesmente Macao, foi uma espécie de consagração tardia para um músico que por longo tempo acumulou de forma esparsa fãs e críticas sem ter o reconhecimento amplo que sua obra cristalina merece. Alguns dos pontos altos desse processo de “re-conhecimento” de Macalé nos últimos anos foram expressos em documentários como o Jards (2012) de Erik Rocha, no relançamento de seu primeiro compacto e antigas gravações, em um show consagrador no Circo Voador, nas muitas entrevistas que deu e nos destaques que raramente se via e passou a receber nos jornais. Além disso, ocorreu e continua ocorrendo o renovador abraço de uma juventude que descobre sua obra dentre MP3 e vinis que voltam à moda.
O disco E volto pra curtir é mais uma contribuição para esse momento da carreira de Macalé. Ele é uma iniciativa de Márcio Bulk, piloto solitário e incansável do Banda Desenhada, seu blog de entrevistas dedicado à MPB. Arregimentando um time de nomes que estão em permanente ação na atual cena musical brasileira, Bulk consegue produzir uma bela coletânea de artistas. Um grupo que reúne Letuce, Garotas Suecas, Marcia Castro, Apanhador Só, Arícia Mess, Bruno Cosentino, Marcos Campello, Metá Metá, Felipe Catto, Rafael Castro, Ava Rocha e Leo Cavalcanti. Solos, duos, trios e bandas que visitam o primeiro disco de Macalé com o frescor que se espera de um projeto como esse. Um frescor que amplia os sentidos presentes nas versões originais sem precisar inventar grandes transformações das obras homenageadas (nem colocar bases farofas de música eletrônica para dar um clima “de pista” como vemos em muitas versões por aí).
Em E volto pra curtir, os arranjos dos músicos transformam as bases originais ao colocarem novas camadas em seus arranjos e apontarem soluções de atualização. O que é criado a partir de novos recursos e tecnologias, que não eram possíveis na época da gravação original, é utilizado para manter ou aprofundar alguns de suas sonoridades marcantes. Novos instrumentos, novas bases e novos arranjos conseguem surgir “dentro” das músicas gravadas por Macalé. Esse processo deixa mais potentes suas ideias utilizadas para compor as faixas há quatro décadas. De certa forma, os músicos da coletânea conseguiram farejar o ouro das versões originais e depurar seu brilho nas novas versões.
Vale também lembrar que o repertório de 1972 era denso – e tenso – para o período em que foi feito. Esse foi talvez um dos anos mais violentos do regime militar. Ao mesmo tempo, foi o pico de prosperidade da classe média durante o chamado “Milagre Econômico”. Tigres de papel, silêncios, mortes, despedidas e partidas são partes do universo poético que Macalé apresentava para seu ouvinte. Nas novas versões, apesar de uma alegria que transborda de alguma forma dentre os que prestam a homenagem, vemos os sentidos originais das letras feitas em plena ditadura militar irem mais fundo em sua poética transgressora.
Ao falarmos um pouco de cada faixa, vemos a variedade de caminhos que a atual cena musical brasileira nos apresenta. O duo Letuce mostra na faixa de abertura, “Farinha do desprezo”, sua maturidade sonora que anda em passos largos. As bases eletrônicas ganham texturas que formam um espaço aberto e lírico para as interpretações seguras de Letícia Novas e Lucas Vasconcelos. Já a banda Garotas Suecas enfrentou  a dura missão de revisitar “Vapor barato”, o maior hit de Macalé. Se, na sua primeira versão, a canção é uma espécie de interlúdio sussurrado pelo cantor, no tributo a banda paulista opta por dialogar com suas versões mais contemporâneas, cujo registro d’O Rappa é a grande referência. Apesar de não ser um reggae, seu groove solto e seco sinaliza uma trilha similar. Temos teclados e efeitos sutis emoldurando a canção em sua melodia clássica para a letra-hino de Waly Salomão.
Já Marcia Castro consegue ampliar com “Revendo amigos” um clima de celebração e desafio que já existe na versão original. A diferença aqui é sua voz firme, feliz, que marca sua interpretação e permite que a música ganhe outras dimensões sonoras, expandindo a segunda parte da canção para um lugar inesperado de psicodelismo com efeitos de cítaras. Os gaúchos do Apanhador Só conseguem transmitir em sua versão de “Mal secreto” o mesmo clima de amor e angústia que existia na faixa de 1973. Violões, escaletas e efeitos eletrônicos nos dão a sensação de que o drama de quem “joga tudo em um verso intitulado mal secreto” continua poderoso seja em qualquer contexto musical que ele seja cantado.
Outra versão preciosa é a concisa e sinuosa “78 rotações”, com Arícia Mess. Um registro delicado e seco em voz, violão e pedais, nos conduzindo para um lisergia de efeitos que comentam a poesia da canção e a interpretação original de Macalé. Ela é seguida pela interpretação dissonante e desafiadora que Bruno Cosentino (da banda Isadora) e Marcos Campello fizeram de “Movimento dos Barcos”. A própria opção da dupla por fazer da versão um clima soturno é uma espécie de comentário musical da letra, de sua desolação amorosa e de sua profundidade. A guitarra solitária de Campello pontua e desvia a voz de Bruno para lugares inóspitos, como o movimento dos barcos de cada um de nós. Na mesma vibração, mas como outro lado da moeda, vemos a versão de Filipe Catto. Seu virtuosismo vocal contrasta com a forma de cantar de Macalé, mas consegue transferir para a canção a força que “Um tigre de papel” demanda quando ouvimos sua letra de impasse. Um coração que range e ruge, como Catto e sua bela voz.
Na sequência, a versão arrasa-quarteirão do trio paulista Metá Metá para “Let’s play that” amplia a pressão original em seu novo arranjo, aprofundando sonoramente e dando cores de desespero e epifania ao drama do anjo torto de Torquato Neto/Carlos Drummond. Rafael Castro consegue fazer de “Farrapo Humano” uma canção desconstruída e reconstruída em sua própria engrenagem sonora, deixando solta em um reggae peculiar e deliciosamente assoviável a pegada roqueira da versão original. Já a versão com o clima preciso e hipnótico que a carioca Ava Rocha imprime para  a sampleada e belíssima versão de “A morte” nos traz o caos em meio à beleza e a tensão necessária para adentrarmos algumas facetas obscuras do universo de Macalé (a noite, a morte, a margem, o morcego e outros elementos que cruzam sua obra, principalmente nos anos 1970). Leo Cavalcanti fecha esse último bloco com uma versão preciosa e solitária de “Hotel das estrelas”. O cantor e compositor dá conta de enfrentar com segurança uma das mais belas canções do repertório de Macalé, usando contenção e grandiloquência na medida certa e brindando o ouvinte com um fecho de ouro para o projeto. De cada jeito particular, todas as faixas conseguem atingir esse diálogo criativo que amplia a obra e, ao mesmo tempo, nos remete o tempo inteiro à sua força original.
Outro mérito do projeto é termos diversos sotaques e gerações atravessando o seu repertório. A baiana Marcia Castro, cariocas como Letícia Novaes e Lucas Vasconcelos (Letuce), o paulista Leo Cavalcanti ou os gaúchos do Apanhador Só demonstram a diversidade regional que abraçou o trabalho de Macalé. Além disso, nos apresenta um panorama da própria cena musical contemporânea ao costurar diferentes dicções musicais em prol dessa obra. A curadoria do projeto buscou apresentar nomes que, se não são novos, estão em um momento privilegiado para compor o time de cantores e bandas participantes. São cantores e bandas que, se não frequentam a velha ideia de “sucesso”, já apresentam carreiras sólidas e fortes trabalhos autorais. Ao reinventarem o mundo musical de Macalé, tornam-se cúmplices com o homenageado e com suas próprias trajetórias. Cada música cai como uma luva para os intérpretes, evidenciando ainda mais esse laço de cumplicidade.
A história do disco original é conhecida: Macalé tinha acabado de voltar de seu período como músico das bandas de Gilberto Gil e, principalmente, Caetano Veloso. Após ser uma peça-chave no clássico Transa, lançado por Caetano Veloso em 1972, se tranca em um estúdio carioca para gravar pela Philips seu primeiro disco solo com os músicos de primeira linha Lanny Gordin e Tuti Moreno. Macalé e Gordin revezavam guitarra, baixo e violão enquanto Tuti movia o power trio com sua bateria. Mesmo com essa formação típica de rock, o disco apresenta um caleidoscópio de climas, riffs, levadas e experimentações que o deixou marcado dentre especialistas e enquetes com o público como um dos grandes discos da sua geração – e de todos os tempos – na música brasileira. É nele também que Macalé apresenta um time de parceiros que marcariam sua obra: os poetas Waly Salomão, José Carlos Capinam, Torquato Neto, Duda Machado e o novato amigo do Morro de São Carlos, Luiz Melodia.
De certa forma, E volto pra curtir cumpre o destino do disco original em trazer novos nomes, em ser um disco que traz músicos abertos para os seus riscos e belezas registradas em 1972. Algumas faixas ganham força nesse casamento entre a afirmação de uma produção autoral – um forte traço da cena musical brasileira contemporânea – e o repertório de Macalé. São versões em que vemos como cada banda ou cantor/cantora traduzem o repertório original para a sua própria forma de pensar esse repertório. Novamente, não se trata de fazer uma nova música pelo simples dever de deixá-la “atual”. No projeto de Bulk, o Macalé de 1972 soa como um disco feito em 2013. Ao mesmo tempo em que homenageia, também sugere outros tempos espaços sonoros. Os fãs de Jards Anet da Silva, ou melhor, da Selva, ou pior, da Silva, agradecem.

curadoria – márcio bulk
capa – daryan dornelles, tello gemmal, márcio bulk
masterização – pedro montano

1 – letuce
farinha do desprezo (jards macalé, capinam) warner chappell edições musicais
letícia novaes – vocais
lucas vasconcellos – vocais, bateria, guitarra, violão, baixo, teclado, synth.
produzido, arranjado e mixado por Lucas Vasconcellos.

2 – garotas suecas
vapor barato (jards macalé, waly salomão) kabuki/warner chappell edições musicais
guilherme sal - vocais
tomaz paoliello – guitarra e shaker
irina bertolucci – órgão e sintetizador
fernando freire – baixo, congas e vocais
nico paoliello – bateria eletrônica e vocais
gravado e mixado por nico paoliello. produzido por garotas suecas.

3 – marcia castro
“revendo amigos” (jards macalé, waly salomão) kabuki/warner chappell edições musicais
marcia castro – vocais
guegue medeiros – bateria
ricardo prado – baixo
gustavo souza – percussão
rovilson pascoal – guitarras e produção musical.
mixado por bruno dos reis.

4 – apanhador só
“mal secreto” (jards macalé, waly salomão) kabuki/warner chappell edições musicais
alexandre kumpinski – violão e vocal
felipe zancanaro – percussão em enfeites de mesa
andré zinelli – bateria eletrônica
fernão agra – escaleta
diego poloni – efeitos e loops
gravado, produzido e mixado por diego poloni.

5 –  arícia mess
“78 rotações” (jards macalé, capinam) warner chappell edições musicais
arícia mess – vocais
joão paulo deogracias – violão e efeitos
gravado e mixado por arícia mess e joão paulo deogracias. produzido por joão paulo deogracias.

6 – bruno cosentino & marcos campello
movimento dos barcos (jards macalé, capinam) warner chappell edições musicais
bruno cosentino – vocais
marcos campello – guitarra
gravado por andrés patiño. produzido e mixado por bruno cosentino e marcos campello.

7 – filipe catto
meu amor me agarra & geme & treme & chora & mata (jards macalé, capinam) warner chappell edições musicais 
filipe catto – vocais
pipo pegoraro – violão, baixo, bateria, guitarra, órgão e programações
produzido e mixado por pipo pegoraro.

8 – metá metá
let's play that (jards macalé, torquato neto) warner chappell edições musicais
kiko dinucci – violão
thiago frança – sax
juçara marçal – vocais
gravado e mixado por zé nigro.

9 – rafael castro
farrapo humano (luiz melodia) warner chappell edições musicais
rafael castro – tudo, menos a garota do backing vocal (tulipa ruiz)

10 – ava rocha
“a morte” (gilberto gil) gege edições
ava rocha - vocais e sampler
antônio neves – trombone
thomas harres – percussão
felipe zenicola – arranjo, programação, sampler e mixagem.
produzido por felipe zenicola.

11 – leo cavalcanti
“hotel das estrelas” (jards macalé, duda) warner chappell edições musicais
leo cavalcanti – vocais, programações, baixo, pandeiro, caixa, bumbo, tambor
produzido por leo cavalcanti e fabio pinczowski.



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11 Responses to e volto pra curtir

  1. finíssimo! vo salvar essa entrevista! estou fazendo uma pesquisa sobre os malditos

  2. Anônimo :

    só curti da 8ª até a 11ª..
    mas.. massa a iniciativa.
    mas jards merecia coisa melhor..

  3. Maravilhoso, interpretações de tirar o chapéu, quem não é anônimo que sabe o que é bom !

  4. maravilha de idéia. vou curtir o som agora
    axé para todos
    filipe cavalieri
    sonoplasta e produtor

  5. Alguém saberia dizer se este disco terá edição física à venda? Gostaria de poder adquirí-lo.

  6. BANDA DESENHADA :

    Rafael, por enquanto, infelizmente, não há previsão.

  7. Adoro o Jards, mas tenho certa dificuldade pra encontrar mais coisas do seu acervo na Internet. Alguém sabe alguma boa fonte?
    Valeu!

  8. BANDA DESENHADA :

    Mariana, já foi no http://umquetenha.org/?

  9. Heron :

    descaracterizaram a musica do mestre...

  10. Anônimo :

    farinha do desprezo ficou bem ruim...

  11. Anônimo :

    sonoro... adorei todas as músicas... só gente maravilhosa nos vocais

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