para entender onde pisa o chão


fotos: daryan dornelles

Nem só de São Paulo vive a nova música popular brasileira. Trilhando um caminho próprio, o som que vem de Minas Gerais pode não ter a mesma reverberação que o da capital paulistana, mas, ainda assim, consegue mostrar sua força e imprimir sua identidade na nova MPB. Esta conquista deve-se, e muito, aos esforços de seus artistas, produtores, empresários, jornalistas e do próprio Estado que, privilegiando a música local e aglutinando-a em coletivos, fomentam uma das cenas mais estáveis da música contemporânea brasileira. Assim como os paulistanos, os músicos mineiros também se destacam por sua pluralidade, adotando os mais diversos estilos: samba, rock, pop, hip-hop, músicas eletrônica e regional. A diversidade de gêneros é proporcional ao número de artistas que vem se destacando nesta cena: Pedro Morais, Graveola e o Lixo Polifônico, Transmissor, Vitor Santana, Lucas Avelar, Capim Seco, Dudu Nicácio, Aline Calixto, Porcas Borboletas, Hell's Kitchen Project, Flávio Renegado, Julgamento e outros tantos.
Passeando pelo Pop Rock e a MPB, o festejado cantor, compositor e violonista Pedro Morais lançou em 2009 seu segundo álbum, “Sob o Sol" (Tratore), onde se destacam as canções autorais que, sem cair em clichês, abordam o universo amoroso e os conflitos existenciais de sua época. De passagem pelo Rio de Janeiro, Pedro realizou dois shows ao lado de Nina Becker, dentro do projeto Novos Brasileiros, na Caixa Cultural. Com uma agenda cheia, o músico mineiro recebeu o Banda Desenhada para uma rápida entrevista após a passagem de som: 

BD - A grande maioria dos músicos de sua geração, incluindo você, coloca Caetano Veloso como maior influência. Poderia comentar a respeito?

Pedro Morais – No meu caso existem dois momentos: Inicialmente, quando era menino ainda, pegava os LPs  do Caetano e colocava na vitrola para tocar. Nessa época, morava no Vale do Jequitinhonha, “interiorzão” de Minas e esse tipo de som chegava sempre através dos amigos do meu pai. Essa influência ocorreu muito naturalmente. Eu tinha uns seis anos...  Adorava a voz dele, achava bonito o modo como ele cantava. Não havia ainda nenhuma identificação estética. Eu não pensava nisso, ouvia as músicas por prazer. As capas de seus discos chamavam muito a minha atenção. Além do Caetano, eu ouvia pra caramba Novos Baianos e Mutantes. Os três possuíam uma ligação muito forte com o Tropicalismo. Caetano por ser um dos cabeças do movimento e os outros dois por, de certa forma, beberem dessa fonte. Havia uma inquietação e um posicionamento não só estético, mas político. O segundo momento em que Caetano me influenciou foi após o disco “Livro” [1998], quando me mudei para Belo Horizonte. Nessa época, além dele, eu também ouvia muito rock e uma figura que me marcou muito foi a Cássia Eller. A maneira dela cantar... Eu não cantava! Passei a infância até a adolescência sem cantar nada. Só tocava. Tocava bandolim e cavaquinho em rodas de choro. Então, com 15/16 anos, passei a entender e a me aprofundar no trabalho do Caetano. Percebi que havia ali um valor estético muito forte. O seu modus operandi, sua postura diante do próprio trabalho, o desligamento com tudo aquilo que ele já havia criado... Ele está o tempo todo refazendo a sua história! Essa quebra de paradigmas tem um pouco a ver com a própria forma como ele faz e pensa a música. Eu me identifiquei muito com isso, sabe? Acho incrível a capacidade do Caetano de se comportar como um artista sem rótulos. É o que hoje mais me atrai e influencia. Eu também não quero ser rotulado, acho isso tão ruim... Ao mesmo tempo eu tenho consciência que essa classificação é importante para que você seja identificado e entendido dentro de um contexto. Mas as amarras que se criam... Você acaba algemado dentro de um gênero. É como se você não pudesse fazer outra coisa. E se eu quiser deixar de fazer este som e me arriscar em um disco de rock ou de voz e violão?! Por isso que acho tão legal esse olhar amplo, sem limites, do Caetano.

  
BD – Entretanto, no seu último álbum vê-se claramente a influência da MPB e da música Pop. 

Pedro Morais - Não sei... O meu propósito é fazer uma música da maneira mais personalizada possível, independente de qual será a pegada do disco. Eu acho isso mais importante do que o arranjo, por exemplo. Tento fazer uma música comprometida com aquilo que é verdade para mim. A partir do momento em que faço isso, passo a fortalecer o meu discurso. É esse poder que eu acho que Caetano tem, de fazer tudo e não precisar de rótulos. O Nação Zumbi também. Nós começamos a identificá-los como uma banda de rock depois de muito tempo. Os caras tinham uma influência muito grande do maracatu. Os ritmos regionais não só faziam parte de suas vidas como eram a essência do trabalho deles. Contudo, o Nação era basicamente uma banda de rock. O discurso, as letras... Havia ali uma enorme inquietação. Eu acho isso do caralho! Ainda vou demorar muito para produzir um trabalho em que as pessoas ouçam sem a necessidade de rotulá-lo. Se bem que falar sobre a ausência de rótulos é uma coisa muito vaga. Virou lugar comum. [Risos]. Todo músico que se preocupa minimamente em fazer um som mais autoral e arrojado começa com esse discurso. Também não quero virar as costas para esta questão, é importante assumir uma postura. O segundo disco realmente tem um acento muito mais Pop do que o primeiro [“Pedro Morais”, 2006]. Em meu primeiro álbum, estava mais voltado para a MPB tradicional. O “Sob o sol” já é um disco de banda, o Chico Neves [famoso produtor musical responsável por álbuns do Rappa, Skank, Paralamas do Sucesso, entre outros] foi o produtor. Então há realmente esse diálogo com o Pop. 

BD - Muito se fala sobre a nova geração paulistana e você chegou a dividir os palcos com Tulipa Ruiz e Curumin. Qual a sua relação com essa safra de músicos e quais são as maiores diferenças e semelhanças entre ela e a cena mineira?

Pedro Morais – Nós nos unimos pela ausência de rótulos. Acho que estamos justamente neste lugar indefinido. O nosso som pode ora  ter um acento pop, ora ter um apelo regional, por exemplo... Acho que temos um conjunto de coisas em comum: a inquietação, a vontade de fazer um trabalho, de fazer shows, de viver de música. Estes princípios antecedem até mesmo as questões estéticas.  Além disso, o momento em que estamos lançando nossos trabalhos e construindo nossas carreiras é repleto de necessidades muito particulares. Não podemos ser ingênuos. Nós lidamos com a nossa carreira, com a nossa música, como um trabalho convencional, assim como o seu. Acordamos todos os dias e necessitamos fazer determinadas tarefas. Acho que este comportamento em relação às novas necessidades de nossas carreias é o que acaba nos unindo... Por enquanto, a minha relação com o pessoal de São Paulo e do Rio é muito tênue. A gente se fala mais pela internet. Eu tive maior contato com o Curumin, pois fizemos uma turnê juntos. Fiz outras com o Paulinho Moska e o Max de Castro, que também foram muito legais. E agora estou nesta com a Nina [Becker]... Acho que a gente está começando a viver um momento de fortalecimento da liberdade criativa. Cada dia que passa ampliamos as nossas referências, acrescentamos mais elementos ao nosso som, inclusive incorporando outras mídias. Alguns trabalhos, devido às suas propostas, têm uma forte ligação com a imagem. Acredito que a minha geração está caminhando para a construção de uma identidade... Mesmo que a Nina tenha um estilo e o Marcelo Jeneci outro totalmente diferente. Você vê que ele é influenciado pelo Roberto Carlos e ao mesmo tempo faz rock. Acho tão legal! Isso gera novas nuances, uma diversidade de sons que é muito importante não só para o artista, mas também para o público.


BD – Diferente do que acontece com os paulistanos, poucos nomes da cena mineira têm destaque aqui no Rio. Você poderia comentar um pouco sobre ela?

Pedro Morais - Bom, em Minas há vários músicos e bandas super bacanas. Uma delas é o Transmissor, o som dos caras é bem legal, tem uma influência de Beatles, Cake... É leve e Pop. Outro nome é o Graveola e o Lixo Polifônico. Eles têm uma pegada tropicalista  e uma maneira debochada e muito pessoal de fazer música. Indico também os meninos do Falcatrua. Eles são uma banda que já estão a alguns anos na estrada e mandam um rock super autêntico, bem feito. Tem outra banda de Minas que é a Dead Lover's Twisted Heart. É meio punk e tem uma proposta bem diferente. Há Também a Érika Machado que é super original e é uma queridinha de lá. É uma artista interessante pela maneira desapegada de fazer música, de um jeito meio confessional... Bem, com certeza estou esquecendo de muita gente, lá em Minas tem muitos outros nomes ótimos.

BD - Os cariocas queixam-se muito da falta de lugares para tocar. Como é em Belo Horizonte?

Pedro Morais - Em BH está acontecendo algo muito legal que é uma espécie de frente coletiva, uma força onde todos colaboram em prol de um mesmo objeto. Vários músicos estão tocando uns com os outros e participando de pequenos festivais criados por produtores que se dedicam ao seu trabalho e que acham importante a participação do maior número de artistas dos mais diferentes gêneros. Estamos conseguindo criar festivais em Belo Horizonte que privilegiam a diversidade. Isso acontece, é claro, graças à força dos artistas e produtores. Há uma pressão política inclusive, em cima dos órgãos públicos de fomento de cultura. Isso contribui para a construção de uma cena musical mineira e, de certa forma, cria um público. Existe em BH um pessoal que realmente busca novidades, que não é dependente da cultura de massa. Ele está por aí, procurando novos sons na Internet, trocando informações em redes sociais...  A cena musical mineira é um reflexo disso tudo. Existe a vontade dos artistas em produzir e dos produtores em privilegiar a cena local. Não sei como é aqui no Rio. Eu venho muito pouco para cá, mas em BH a cena é muito forte. Conseguimos construí-la através de projetos. Fazemos shows com freqüência e o público lota. O jornal Estado de Minas colabora muito conosco. Nesta semana, um amigo baixista que tem um trio de jazz lançou um DVD gravado em um lugar pequeno, o Café com Letras. Ele saiu na capa do caderno de cultura, com uma foto gigante! A imprensa é generosa com a gente. Também tem a Rede Minas que é uma TV estatal e que em sua grade tem inúmeros programas que privilegiam a cultura da região. A Rádio Inconfidência, por sua vez, toca somente música brasileira. É a regra. E eles tocam absolutamente tudo. Assim as coisas vão caminhando e a cena vai sendo construída. 


comentários - para entender onde pisa o chão

  1. Anônimo :

    Gostei bastante da reportagem! Texto muito bem escrito. Entrevista bastante interessante. Fico muito feliz em ver que a cena musical brasileira não está completamente perdida. Temos muita coisa ruim sendo passada através da música ultimamente; sei que sempre tivemos, mas atualmente tem sido pior. A ideia midialísta sempre foi vender. E com o tempo, passaram a vender coisas descartáveis, mas fáceis de se escutar, tocar e cantar. E exatamente por isso, não podemos ceder à essa força que infelizmente é muito grande. Tem muita coisa ruim? Sim, fato. Tem muita coisa boa? Sim, quem procura acha. Parabéns pelo trabalho!
    Um abraço, Daniel Tamietti

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