da maior importância v. 2 – revisto e ampliado


fotos: daryan dornelles

Tulipa Ruiz já não precisa mais de apresentações. Uma das mais celebradas vozes de sua geração, há poucas semanas dividiu o palco do Teatro Municipal (RJ) com grandes nomes da MPB e, em agosto, realizará sua primeira turnê pelos EUA. “Efêmera”, seu álbum de estréia, foi recentemente lançado na Europa e no Japão e em outubro a cantora atrairá mais holofotes ao participar do festival Rock in Rio. Com um currículo como este, até então inimaginável para um artista independente, Tulipa já havia chamado há bastante tempo a atenção do Banda Desenhada. Caso não estejam lembrados, a cantora chegou a conceder uma entrevista para o site em maio deste ano. Contudo, na época ainda sofríamos de certo acanhamento e deixamos passar uma ótima oportunidade para nos aprofundarmos em questões importantes sobre a sua trajetória e a ascensão da cena independente brasileira. Tomado de novo fôlego, o Banda Desenhada foi ao hotel onde Tulipa esteve hospedada para participar da 22° edição do Prêmio de Música Brasileira. Em pleno almoço e prestes a embarcar para São Paulo, ela nos recebeu e, simpática como sempre, respondeu todas as nossas perguntas. Como brinde pra lá de especial, acabamos por ganhar um desenho exclusivo para ilustrar esta entrevista. Confiram:

BD - A sua ascensão, para uma artista independente, foi meteórica. Como você explica este sucesso repentino? 

Tulipa Ruiz – Acho que foi uma sequência de fatores. Tocamos bastante antes de gravar o disco, o que gerou expectativa por parte de algumas pessoas de São Paulo. Além disso, tivemos colaborações de vários músicos conhecidos, tanto pelo público quanto pelos críticos. Então, mesmo que não me conhecessem, eu estava cercada de um monte de gente bacanuda! [Risos].  Pode ter sido também o período em que lancei o álbum. Foi bem no meio do ano e outros artistas ainda não haviam lançado seus trabalhos. Eu realmente não sei, acho que foi mais por estar na hora certa e no lugar certo. Não sei teorizar a respeito disso. Eu me surpreendo a todo o momento. Fazer o álbum foi muito mais uma atitude romântica do que qualquer outra coisa. Eu precisava gravá-lo. Realmente achei que seria só um ritual. Não sabia o que iria acontecer depois, quais seriam os seus desdobramentos. Por exemplo: até hoje fico sem discos para comercializar. Não tenho em estoque. Mando prensar e o disco acaba. Ainda não sei lidar com isso. Em plena crise do mercado fonográfico, as pessoas ainda querem comprar o “Efêmera”! Realmente não esperava que fosse vender! [Risos]

BD - Um artista independente cujo álbum de estréia foi colocado na lista dos melhores de 2011, que irá participar do Rock In Rio e que, ontem, cantou no Teatro Municipal do RJ.  Isso seria impensável há algum tempo atrás. Como você analisa isto?

Tulipa Ruiz - A indústria fonográfica está numa curva. Nós artistas não sabemos o que vai acontecer e muito menos as pessoas que trabalham no mercado fonográfico. Então, todas as ações são válidas. As gravadoras não sabem muito bem como lidar com viral, Youtube, download... Ninguém sabe muito. Atualmente, grandes empresas cujos negócios até então não eram voltados para a área musical estão viabilizando a produção de álbuns incríveis. A comercialização da música já não é mais restrita ao universo fonográfico e as verbas que vem financiando nossos projetos são provenientes de outras instituições. Realmente estamos um pouco perdidos... Ninguém vende mais um milhão de discos, as vendas estão muito diluídas e dispersas. É um momento muito especial... Ontem, por exemplo, participei do Prêmio de Música Brasileira, algo que nunca imaginei que fosse acontecer. Durante a premiação, fiquei pensando muito nestas questões. O encerramento foi surreal, pois me encontrava no palco com a Zélia [Duncan], o Lenine, Marisa [Monte], Ivete [Sangalo], Zizi Possi, Nana Caymmi, Dori Caymmi, e Paulinho da Viola! E ainda tinha o Jô Soares, Aracy Balabanian e Natália Thimberg! Imagina! E eu felicíssima ali no meio, sem gravadora nem distribuidora. O mercado fonográfico realmente está sem saber o que fazer. Hoje o artista pode divulgar o seu trabalho, fazer shows e ser conhecido sem necessariamente ter uma gravadora. Ele assume o controle de todos os processos e, através da Internet e do boca a boca, consegue divulgar seu álbum e vender seu disco... É possível. 


BD - Mais do que qualquer outra cantora da sua geração, percebe-se que existe um elo muito forte entre você e seus fãs, como se eles a vissem como uma grande amiga e cúmplice. Você consegue perceber isso?

Tulipa Ruiz – Eu gosto disso, dessa aproximação. A gente foi pra João Pessoa e, durante o show, eu desci, coloquei o pedestal no meio da platéia e o pessoal começou a cantar no microfone. Eu ainda preciso pensar um pouco mais sobre essa questão, refletir mais... Isso é papo para um bom vinho! [Risos]. Mas a sensação foi muito boa. Estava lendo um texto sobre Jean Rouch [diretor de cinema e etnólogo francês] que me fez pensar neste assunto. Ele dizia que em dado momento o objeto de estudo irá voltar o olhar para quem o documenta. E isso aconteceu, o observado passou também a observar. Foi um pouco essa sensação, de troca de lugares, de inversão dos papéis. Para mim é muito interessante quando isso acontece, porque gosto deste tipo de experimentação, poder descer e jogar o microfone na mão de alguém e essa pessoa somar à minha música e fazer parte do show. Não sei se isso tem muito a ver com o que você me perguntou! [Risos]. Essas histórias são muito loucas. Várias pessoas vêm me falar: “Olha, a minha filha de quatro anos escuta o seu disco”! Ou então: “Só sei dançar foi a música do primeiro encontro com meu namorado”. É muito legal! As minhas canções vêm servindo de trilha do cotidiano. Isso me faz lembrar dos discos que a minha mãe ouvia quando eu tinha quatro anos e que foram muito importantes para a minha formação musical. Acho um grande barato. Essa relação tão próxima com o público é uma coisa absolutamente nova. Uma pessoa vai ao seu show, depois vai pra casa, bota “@fulano de tal” e fala diretamente com você. É um contato muito direto, cria-se um vínculo.  Ainda não sei muito bem como lidar com isto... Hoje todo mundo pode se relacionar muito facilmente e é... 

BD – Assustador!

Tulipa Ruiz – Assustador, superficial e, ao mesmo tempo, muito bonito. Pode ser fantástico como também perigoso. Você tem que ter um feeling para filtrar as coisas. É por isso que a fama hoje em dia está muito diluída. Não dá mais para você ser mega hiper ultra famoso, andar de limusine e não falar com ninguém. As pessoas vão te achar no Twitter e no Facebook. E hoje em dia os artistas precisam ser virtualmente ativos. Para mim é fundamental estar conectada. Então, se você participa e interage nas redes sociais, as pessoas irão falar com você, vai gerar um diálogo, uma aproximação. E tudo isto é absolutamente novo. Faz parte do momento atual... São novas degustações e formas de consumo da música. 

tulipa ruiz: decifra-me ou te devoro
BD - Você é bem categórica em relação a não haver um movimento, até por conta da pluralidade de estilos de seus colegas de geração.  Essa tentativa de “enquadramento” lhe incomoda muito?

Tulipa Ruiz – Eu acho isso muito espontâneo, é do ser humano. Para contextualizar e compreende-lo, precisam compará-lo com algum outro artista ou movimento. É natural que me confrontem com as gerações anteriores e que eu sofra esse tipo de cobrança. É uma necessidade interna das pessoas: decifra-me ou te devoro. [Risos]. E eu adoro! Quando eu compreendi isso, eu fiquei totalmente à vontade com esses questionamentos. A minha resposta é: não há movimento, o que temos é o momento. Vamos trocar essas palavras! Não existe um grupo de pessoas unidas em prol de uma causa ou de uma estética específica. O que nós temos são muitos músicos bons, contemporâneos, que vivem em uma mesma época e que estão gravando vários discos legais. Nós nos encontramos e trocamos idéias porque o circuito de shows é o mesmo. E isto acontece em todo o Brasil. Então é muito mais momento do que movimento, entende? É somente uma nova geração. Todos vivemos no Brasil em 2011! Eu, a galera de São Paulo, o Do Amor, Thalma [de Freitas], Nina Becker, Kassin, Domênico, Mombojó, Érika Machado, Garotas Suecas... Há mais de 40 mil nomes que fazem parte dessa geração! 

BD – Agora tem o pessoal de Curitiba.

Tulipa Ruiz – É! Exatamente. A cada dia surgem novas bandas. Não dá pra falar que é um movimento. 
BD – Alguns jornalistas chegam a dizer que vocês fazem ”Indie MPB”. Mesmo que seja outro rótulo duvidoso, comenta-se que o seu trabalho tem referências de bandas como Belle and Sebastian, Architecture In Helsinki, Of Montreal e The Flaming Lips. Isso realmente acontece ou é a sua declarada influência por Joni Mitchell, Wings e outros nomes dos anos 70 que acabou por dar esse tom ao seu trabalho?

Tulipa Ruiz – Acho que tanto eu quanto estas bandas fomos influenciadas pelos anos 70. Entretanto, realmente adoro Of Montreal, escuto muito. Essa resposta é muito subjetiva. Não saberia dizer se não há influência ou se ela é indireta. Para você ter noção, quando descobri as capas do Of Montreal, meu! Meus desenhos são muito parecidos com as capas desses caras! E nunca tinha visto antes. Então acaba surgindo estas semelhanças por sermos contemporâneos. Eles também ouviram a galera dos anos 70, sabe? O que os influenciou é o que me influenciou também. Eu me apresentei ano passado no Planeta Terra antes do Of Montreal e estava super feliz porque iria assistir ao show deles. Do nada, quando terminou a apresentação e eu fui falar com o Kevin Barnes [vocalista do Of Montreal], ele saiu correndo e me abraçou, gritando: “AAAAAAAAAAAH! Eu adorei o show de vocês”! [Risos]. Eu nem sabia o que fazer, eu estava ali por conta deles! Então, houve essa troca, a gente se curtiu.  Esses caras possuem as mesmas influências que eu tenho, por isso que tem a ver. Ouvimos os mesmos discos, provavelmente. 




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