e foi bahia pra todos os cantos

ilustrações: filipe cartaxo

Decididamente, a Bahia não se resume à axé music, tampouco esta representa a totalidade de gêneros musicais produzidos naquele estado. O termo, surgido no final dos anos 80, foi utilizado de forma bastante pejorativa para designar a música desenvolvida por alguns blocos de trio elétrico de Salvador que passaram a misturar o frevo baiano com o samba-reggae. O axé ganhou enorme visibilidade nos anos 90, graças ao seu caráter pop e pelo forte marketing da indústria fonográfica e das mídias que vislumbraram  uma fonte de renda extremamente lucrativa na música de carnaval soteropolitana. Malvista por boa parte da crítica especializada, a axé music foi acusada de se apropriar de elementos dos blocos afro e do samba-reggae – originários das periferias de Salvador – , diluindo ou mesmo descontextualizando o seu discurso de valorização da cultura afro-brasileira. O gênero também provocou certa discórdia entre músicos baianos icônicos, sendo duramente criticado por Dorival Caymmi e defendido com afinco por Caetano Veloso. Contudo, mesmo que se pese a forma opressora com que a indústria do carnaval lida com a produção cultural local, foi possível, ao longo dos últimos anos, assistir ao aparecimento de uma nova geração de músicos que, aos poucos, vem retomando a diversidade musical da Bahia. Em uma árdua batalha, artistas, blocos afro, afoxés, trio elétricos independentes e outras organizações culturais conseguiram se apropriar de um pequeno, mas significativo, espaço do carnaval soteropolitano. Graças ao dinamismo das novas tecnologias e apoiados por políticas de fomento e incentivo à cultura, BaianaSystem, Marcia Castro, Marcela Bellas, Orkestra Rumpilezz, Cascadura, Maglore, Retrofoguetes, Mariella Santiago, Opanijé, Manuela Rodrigues e Vivendo do Ócio, entre outros, conseguiram impulsionar suas carreiras e ganhar visibilidade, participando de projetos e podendo circular por diversos festivais pelo país.
Reconhecido por ampliar as possibilidades de uso da guitarra baiana ao somá-la com a percussão afro-brasileira, o dub e o sound system jamaicano, o BaianaSystem é uma das principais figuras da atual cena independente da Bahia. Criado em 2009, é formado por seu idealizador Robertinho Barreto (guitarra baiana e vocal), Russo Passapusso (vocal), Marcelo Seco (baixo), Wilton Batata (percussão) e DJ João Meirelles, tendo como seu sexto integrante extraoficial, o fotógrafo e designer Filipe Cartaxo, responsável pela identidade visual do grupo. Anteriormente, Barreto já havia tocado ao lado de diversos artistas de Salvador, como Ivete Sangalo, Timbalada e Crac!, tendo integrado a banda Lampirônicos, com quem gravou dois álbuns, “Que Luz É Essa?” (2001) e “Toda Prece” (2004). Com o BaianaSystem, lançou o primeiro e homônimo álbum em 2010, contando com a colaboração de Lucas Santtana, BNegão, Gerônimo, Buguinha Dub, Chico Corrêa e Roberto Mendes. O grupo já participou de diversos projetos como “Conexão Vivo” (2010 e 2011) e “Levada Oi Futuro” (2011), além de ter se apresentado em festivais nacionais e internacionais como o Festival de Inverno de Garanhuns (2010), RecBeat (2011), Expo Shangai (2010), World Music Shangai (2011), WOMEX (2011) e Voice of Nomads (2012).
Vindo em janeiro ao Rio para participar do projeto “Sai da Rede”, no Centro Cultural Banco do Brasil, os rapazes do BaianaSystem foram convidados para esta entrevista, realizada no camarim após a  primeira apresentação no evento. Robertinho, Russo e João conversaram com o Banda Desenhada a respeito de seu processo criativo, da cena independente baiana e de seu mais novo trabalho, o EP “Terapia”.

BD – Vocês estão inseridos em uma cena independente que já foi classificada de “hype” e “cool” e que é vista, por alguns críticos, como bastante elitista. Entretanto, o BaianaSystem está intimamente relacionado ao axé e ao samba-reggae. Como lidam com esta situação? Imagino que haja algum tipo de preconceito por conta disso...

Robertinho Barreto – Nós circulamos bastante pelos circuitos de música independente. Já nos apresentamos em vários festivais e palcos onde passaram diversos artistas dessa cena. Porém, mesmo que percebam essa influência de que você fala, do axé e do universo percussivo baiano, nunca fomos encarados com um olhar preconceituoso. Na verdade, acho que esse preconceito vem diminuindo muito. Já existe um distanciamento histórico e as pessoas conseguem perceber que, mesmo dentro do axé industrializado, existem artistas interessantes, como o Luiz Caldas e o [Carlinhos] Brown. Não vemos problemas em dialogar e utilizar elementos desse universo, até porque o nosso processo de criação e de produção é outro, distante do mainstream.

Russo Passapusso – As pessoas já conseguem perceber que há algo de bom ali [na axé music]. Já não pesam mais o olhar e nem criticam por usarmos esta referência. A música baiana passa atualmente por um processo de ressignificação, o que é ótimo. Temos influências do samba-reggae, além de termos um pé na Jamaica e outro na África... Mas não nos enxergamos dessa forma. Nosso processo de criação não passa por essa autocrítica. No começo, disseram que fazíamos “axé experimental”, “axé dub” ou então “axé psicodélico”... Isso deixou a gente assustado. Porque, ok, o axé está na gente, mas o que é axé?! Não achamos importante esse tipo de classificação e nem buscamos essa referência de forma tão consciente. Mas também não conseguiríamos batucar de outra forma, nem muito menos deixar de fazer uma música baiana sem a influência jamaicana. É tudo bem natural, entende? 

Robertinho Barreto – A gente tocou em Recife no [festival] Rec-Beat que, teoricamente, poderia ter um público um pouco menos receptível ao nosso som, já que temos essas referências.Mas não encontramos resistência, pelo contrário. Talvez pela forma como utilizamos a guitarra baiana e a percussão. Além de misturarmos outros elementos à nossa música. Acho que o preconceito já foi digerido, sabe? E o reggae ajudou bastante para que isso acontecesse. Muitos artistas da cena independente utilizam esse gênero como um fio condutor em seus trabalhos. Ele se tornou uma referência estética para Curumin, Céu, Criolo, Lucas Santtana... A relação da música baiana com o reggae é muito forte. Não só por conta do samba-reggae, mas também dos blocos afro que sofreram influência do estilo.


Russo Passapusso – A Bahia absorveu e retrabalhou a cultura jamaicana do sound system, da aparelhagem, fazendo com que a expressão “reggae” se tornasse sinônimo de festa e não somente de um estilo musical. Virou outra coisa! Assim como o movimento rastafári. Lá, o rasta pode ser qualquer um, inclusive você [apontando para o entrevistador]! [Risos]. Esse sincretismo faz parte de nós, de querer sair misturando tudo, de criar uma nova linguagem. E isso vale também para o BaianaSystem. Gostamos das fusões, de fugir dos rótulos. O que a gente percebe mesmo é que a resistência existe por conta das pessoas ainda não entenderem o nosso som. Muitos falam: “Oxe! O que é isso?”! [Risos]. É engraçado... Nós nos entregamos a este trabalho de forma bem natural, utilizando e misturando elementos que fazem parte da nossa formação, mas sem nos preocuparmos com o final do processo, com o que vai sair daquele angu. [Risos]. Misturamos o axé com as influências de guitarra baiana de Beto e o transformamos em um dubstep ou reggae! Mas essa história de rótulos... [um pouco consternado] Porque uma coisa é a indústria do axé e outra é o axé enquanto música. Infelizmente, a indústria mudou o direcionamento da música baiana. Mas, ainda assim, como disse Beto, é possível surgir grandes artistas.

Robertinho Barreto – Na verdade, a música baiana é muito mais do que aquele estereótipo do axé divulgado para o restante do país. É uma visão muito errada, entende? Se você for pesquisar, se aprofundar, vai perceber que o cenário musical de lá é muito mais amplo. 

Russo Passapusso – A industrial do axé é cruel. Todos sabem. Mas não dá para você peitá-la e entrar em um enfrentamento, tentando criar uma barreira e se auto-denominar contracultura. Acho muito mais interessante perceber que aquilo tudo faz parte de nós, de nosso cotidiano. O importante para a gente é pegar esses elementos e criar algo diferente. Outros artistas baianos pensam a mesma coisa. Por exemplo, iremos tocar com os SKAnibais, um grupo de ska soteropolitano que, entre outras coisas, também traz referências de música baiana. 

Robertinho Barreto – Alguns jornalistas e críticos daqui do Sudeste já começaram a perceber essa pluralidade. O Lauro Lisboa, jornalista do Estadão, vem escrevendo há um bom tempo a respeito disso. Sinto que a música baiana está passando por uma fase semelhante à paraense, que foi redescoberta há pouco pelo Sudeste. Veja o sucesso da Gaby Amarantos e do Felipe Cordeiro! As pessoas estão ouvindo guitarrada, carimbó e tecnobrega! E isso é muito bom.O problema é que a Bahia, mesmo tendo uma música tão cheia de possibilidades, ficou muito marcada pelo axé. Parece que as pessoas esqueceram que foi de lá que vieram Dorival [Caymmi], João Gilberto, Caetano [Veloso], [Gilberto] Gil, Gal [Costa], Raul Seixas... A música baiana sempre foi muito diversificada. É uma característica nossa. Temos artistas e bandas de todos os estilos: Orkestra Rumpilezz, Marcia Castro, Cascadura, Vivendo do Ócio, Pitty, Lucas Santtana... aos poucos a Bahia vem mostrado a sua pluralidade, muito além de qualquer clichê.

Russo Passapusso – As pessoas estão começando a entender isso. Mas existe realmente uma dificuldade inicial, uma espécie de película que precisamos romper sempre.

BD – E em relação à infraestrutura? Como a cena de Salvador se viabiliza?

Russo Passapusso – Ainda é um pouco complicado...

Robertinho Barreto – Nós circulamos muito, por conta dos festivais, como o  “Conexão Vivo”, e das leis de incentivo. Tornou-se um formato, sabe? Em São Paulo, os SESCs se tornaram muito importantes para o desenvolvimento da cena independente. Mas fora de lá, as coisas não são fáceis. Inclusive no Rio. Conhecemos vários artistas daqui que tocam nos mesmos lugares que nós e que costumam se queixar: “Moramos no Rio, mas trabalhamos em São Paulo”. É importante para nós que circulemos. Tocar só em Salvador gera um desgaste. Não existem tantos espaços assim na cidade. Então, é importante que haja esses editais para que possamos nos apresentar pelo resto do país. Temos pensado bastante em fazer shows no exterior. Já fizemos algumas vezes e foi interessante.


BD – Imagino que o carnaval acabe por interferir no desenvolvimento da cena independente, não?

Robertinho Barreto – O carnaval baiano é muito especial. Não existe algo parecido em nenhum outro lugar. No início, ele era bem espontâneo, você via pelas ruas uma expressão cultural muito rica e diversificada. Só que, a partir de um determinado momento, tentaram organizá-lo. E essa organização acabou transformando a música e o carnaval baiano em um produto feito e comercializado em escala industrial. E aí temos os blocos que todos conhecem e que têm como público-alvo os turistas. A maioria dos blocos de carnaval que tem destaque na mídia é assim. Então, todas as outras expressões artísticas, como os blocos afro, os afoxés e os trios elétricos independentes, ficam disputando os espaços que ainda não foram ocupados por essa indústria. Mas, de uns seis, sete anos para cá, as coisas melhoraram um pouco. Houve uma mobilização para se fomentar o“Carnaval Pipoca” [projeto estadual criado em 2009 com o objetivo de promover a diversidade artístico-cultural na capital baiana], um tipo de carnaval que não está ligado aos grandes blocos e à indústria e que torna possível ao artista independente circular e se apresentar nos espaços públicos da cidade. 

João Meirelles – Existe espaço, mas você precisa brigar por ele. Porque os grandes blocos também querem se expandir. 

Russo Passapusso – A briga é bonita. [Risos]. E difícil. Mas, no final das contas, plantamos uma semente que vem germinando. Existe uma cena que vem acontecendo, de forma um pouco desorganizada, mas acontecendo.

Robertinho Barreto – Sim. Está havendo uma movimentação que favorece não só os artistas baianos, mas também artistas de outros estados: há uns dois anos, a gente saiu no trio elétrico do Ministereopublico, ao lado do Lucas [Santtana] e doBNegão... Este ano, o BNegão vai participar do carnaval de Salvador junto com o Bemba Trio e o APAFUNK [Associação dos Profissionais e Amigos do Funk], aqui do Rio. A Elza Soares já se apresentou [em 2009, no trio Elza Pede Passagem] acompanhada do Sambatrônica e da Marcela Bellas. Em 2010, o Gerson King Kombo esteve no trio Quilombolasoul. O único problema é que a grande mídia que cobre o carnaval deixa esses trios de lado e nós ainda não conseguimos furar essa barreira. Mas acho que a própria massificação e a falta de conteúdo dessas coberturas acabavam fazendo com que algumas pessoas busquem o carnaval alternativo...


BD – Existe algum tipo de diálogo entre os artistas independentes e o mainstream de Salvador?

Russo Passapusso – Temos em mente que o principal em nosso trabalho é a música e que é esta que tem que ser o instrumento de diálogo com os outros artistas, não importando se são independentes ou do mainstream. É importante nos lembrarmos sempre disso. O Beto se aproximou naturalmente do Luiz Caldas por conta da música, da convivência musical. Isso é o mais importante. Por exemplo: Nós nos apresentamos no Braskem [Prêmio Braskem de Teatro], com o [Carlinhos] Brown. Ele entrou no meio do nosso ensaio e começou a tocar!

Robertinho Barreto – O Brown na verdade era o homenageado da noite. Ele foi receber um prêmio especial. E aí nos perguntaram se teria alguém que a gente quisesse chamar para tocar. O Russo então falou: “O Brow já vai estar lá e nós já fazemos uma música dele em nossos shows, ‘Selva Branca’...”. 

Russo Passapusso – E quando a gente viu, Brown já estava no palco! Entrou direto e saiu cantando! [Risos].

Robertinho Barreto – O diálogo tem surgido assim, através da música. Neste carnaval, vamos tocar com a Larissa Luz e o Fael, que integra junto com o Russo e o DJ Raiz, o Bemba Trio. Vamos todos nos apresentar no trio elétrico da Secretaria de Cultura [do Estado]. Os artistas têm essa vontade de linkar, sabe? Vira e mexe você vê um gravando com outro. Por exemplo, eu e o Russo viemos para o Rio de Janeiro no final do ano passado para participar da gravação do disco do Maga Bo, “Maga Bo e o Quilombo do Futuro”, apresentado para nós pelo BNegão... 

Russo Passapusso – Havia outras participações especiais no disco: o falecido Speed, que Deus o tenha; o Biguli, do Monobloco; MC Funkero; Rosângela Macedo e vários outros músicos que só se conheceram graças a essa gravação. Então, a partir do projeto do Maga Bo, outros irão surgir e o diálogo vai se ampliando. Isso, para mim, é o mais importante, estar circulando, trocando ideias, gravando com outros artistas e estando aberto para a diversidade. A máquina não nos interessa, sabe? A máquina dura, que roda e só produz dinheiro e deixa a pluralidade de lado. 

Robertinho Barreto – A indústria do carnaval realmente pode ser muito ruim. A Larissa Luz cantava no Araketu e, de uns tempos para cá, o bloco vem sofrendo uma grande crise de identidade, perdendo o que havia de mais interessante. O Araketu era basicamente um bloco de percussão. No início eles flertavam com o afropop. Eu vi um show lindíssimo deles, no final da década de 80, em Salvador, com o Salif Keita e o Olodum. De repente, eles se tornaram outra coisa! Você nem consegue saber ao certo aonde eles querem chegar com isso. É muito triste...


D – O BaianaSystem tem uma ligação forte com o BNegão. Como foi esse encontro?

Robertinho Barreto – O BNegão estava indo bastante a Salvador, para participar dos projetos do Ministereopublico, o sound system que o Russo fazia parte. Percebemos ali que havia afinidades entre nós. O BNegão ficou maravilhado com o tambor e o canto dos blocos afro. Fomos trocando ideias... Ele participou do nosso primeiro disco e fez várias outras parcerias com a gente.

Russo Passapusso – o BNegão nos ajudou a compreender o nosso som. Às vezes, quem está de fora consegue enxergar melhor o que está acontecendo dentro. Ele entendeu o que estávamos fazendo, a questão da guitarra, da voz, dos beats... O BNegão participou do processo de confecção do disco, na busca por uma sonoridade. Ele e o Buguinha Dub. Os dois conseguiram ter um entendimento do que realmente é a música baiana, o axé e a forma como processamos essas informações... Fomos então encaixando todas essas peças, até chegar ao resultado final. 

BD – A cena contemporânea é bastante colaborativa, não?

Robertinho Barreto – Essas ligações vão surgindo naturalmente. O Russo participou do disco do Curumin que, por sua vez, gravou uma música do Russo. Viajamos para o exterior e tocamos com um grupo do Zimbábue em um festival. Sentimos que havia afinidades e, a partir daí, decidimos produzir uma música juntos. Esses contatos, esses diálogos, geram uma proximidade e o desejo de colaborar. E aí vão surgindo outros artistas que também gostam do nosso som e essa troca vai se ampliando. Trabalhamos agora com o Dudu Marote, de São Paulo, que, junto com aquele cara que está dormindo ali [aponta para Marcelo Seco, que está deitado em um sofá ao lado], produziu duas faixas nossas, “Terapia” e “Amendoim, Pão e Mel”, que estamos lançando em EP. O Dudu trouxe uma linguagem mais pop para o nosso som, além de suas referências de música eletrônica. 

Russo Passapusso – Conhecemos o Dudu Marote em um projeto da Conexão Vivo. A ideia era que o Jota Quest lançasse uma nova música de trabalho, “É Preciso Falar”, em um vídeo com participações especiais de artistas de outros estados, e estes recriariam a música à sua maneira. Da Bahia, o Dudu Marote escolheu o Baiana e o Ilê Ayê. Quando recebemos o convite, pensamos: “Como assim?!”.[Risos]. Não entendemos o motivo, até porque, nessa época, as pessoas diziam que fazíamos “axé experimental”! [Risos].

Robertinho Barreto – A gente não se sentiu à vontade com o projeto e decidimos recusar o convite. Mas o Dudu ligou e nos explicou: “Vocês podem fazer o que quiserem com a música. Mudem letra, melodia, tudo! Façam do jeito de vocês. Só não me alterem o tom e o andamento.”. A ideia era fazer algo semelhante ao “Playing for Change” [projeto multimídia que reúne músicos do diversos países em prol da paz mundial] e ir colando os trechos de cada um. Então, fizemos praticamente outra música. E ele adorou!  E o mais louco: os caras do Jota Quest também! [Risos]. Inclusive nos chamaram para participar de um show. Durante a produção da música, ficamos muito impressionados com o trabalho de Dudu. Ele ouviu e operou o nosso som de uma forma que nunca havíamos imaginado. Então, no meio da gravação dessas duas faixas novas, que estavam sendo produzidas pelo Seco, resolvemos convidá-lo para que desse uma roupagem mais pop, que elas fossem capazes de passar a sua mensagem de forma mais direta e universal.


BD – Antes do Dudu Marote, como era o processo criativo do BaianaSystem? Pelo que vocês falam, parece que era bem caótico...

Russo Passapusso – Nós nunca nos preocupamos em definir como seria o nosso som ou o que exatamente seria o BaianaSystem. Deixamos isso sempre em aberto. O nosso processo de criação é muito fundamentado na colagem de samplers com guitarra, voz e baixo. Nunca fizemos uma música tendo a ideia de como ela ficaria ao final. Colocávamos um sampler, a guitarra solava, vinha a voz, a guitarra solava novamente, mudávamos o tema, o baixista vinha e bum, terminávamos! [Risos]. Então, o Dudu foi importante para formatar o nosso som. Pela primeira vez produzimos músicas estando atentos à composição. Havíamos nos acostumado com aquela sensação de estranhamento que o nosso som gerava. Sempre trabalhamos com a ideia da improvisação e, dessa vez, resolvemos fazer diferente. Tomamos consciência de nossas influências e de como iríamos utilizá-las.

Robertinho Barreto – O nosso primeiro álbum surgiu a partir de uns rascunhos. O Seco pegou algumas músicas que eu tinha e foi organizando, inserindo novos elementos. 

Russo Passapusso – O Seco produziu as bases e fez os baixos. Cada um que vinha participar da gravação adicionava algo diferente ao som. Inclusive o Filipe Cartaxo, que ficou responsável por pensar a nossa sonoridade através de imagens. Ele foi muito importante nesse processo. Mas os shows eram uma loucura! Nós nunca reproduzimos o disco fielmente! [Risos]. Mudávamos tudo. Eu vinha da minha experiência no sound system, onde, improvisando, inseria letras em cima das bases, dos beats... 

Robertinho Barreto – Quando ouvi o Russo cantando pela primeira vez, percebi que havia uma semelhança entre o sound system e os antigos blocos afro, onde, em cima da base da percussão, era possível cantar vários temas.Os blocos de trio elétrico, quando surgiram, também tinha essa característica: uma mesma levada de frevo onde, a partir dali, era possível cantar umas 20 músicas que iam se emendando... então, levávamos essa ideia para os nossos shows. Foi o que Russo disse: as músicas nos shows nunca foram tocadas como no álbum. Até hoje é assim. Damos muito espaço para a improvisação, a ponto de transformarmos uma música em outra, inserindo outros elementos. E isso ao vivo! [Risos].


Russo Passapusso – Agora estamos sentindo a necessidade de ter algumas músicas completas. Porque as do primeiro disco eram basicamente vinhetas que, por improvisarmos, duravam quatro minutos! [Risos].

Robertinho Barreto – Queremos formatar melhor nossas ideias para o próximo trabalho, que ainda não sabemos como será. Este single que estamos lançando pode ser considerado o primeiro passo para isso. Estamos pensando em lançar alguns EPs, e depois juntá-los e transformá-los em um álbum. Este processo está sendo importante para nós, pois é muito diferente de como pensamos nosso primeiro disco. Queremos experimentar mais. Fomos tocar na Sibéria e na China, em um festival de world music [Voice of Nomads, 2012] com grupos da Mongólia, do Zimbábue... isso é muito enriquecedor. No ano passado, o nosso disco foi lançado no Japão e, por conta disso, iremos tocar em julho no festival Fuji Rock. Queremos dialogar mais com quem se identifica com o nosso som. Provavelmente, iremos a alguns festivais do verão europeu. Eles têm se mostrado muito interessados pela música da Bahia. Além de servir para divulgar o nosso trabalho, essas apresentações no exterior ajudam muito a entendermos melhor o nosso ofício e a nos posicionarmos artisticamente.

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