parceiros do futuro

o terno (da esquerda para a direita): guilherme d'almeida, tim bernardes, victor chaves | fotos: daryan dornelles
Ano de 2012. Romulo Fróes começa a produzir o seu quinto trabalho solo. Tulipa Ruiz, Thiago Pethit, Letuce, Rodrigo Campos, qinhO, Gui Amabis, Marcia Castro e outros artistas lançam o tão aguardado segundo disco. Mallu Magalhães contabiliza cinco anos de carreia e, após lançar “Pitanga” (2011), é aclamada por crítica e público. A Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA), premia Gaby Amarantos (“Melhor Cantora”), SILVA (“Melhor Cantor”), Tulipa Ruiz (“Melhor Disco”) e Jair Naves (“Revelação”). Há doze anos, Kassin, Domenico e Moreno Veloso lançavam "Máquina de Escrever Música", o primeiro álbum do projeto +2. Há nove anos, a banda DonaZica - composta por Iara Rennó, Gustavo Ruiz, Andreia Dias, Anelis Assumpção, entre outros - lançava “Composição”. Assim, ao longo dos últimos anos, viu-se uma nova geração de artistas se firmando e assumindo seu devido espaço no cenário musical brasileiro. Entretanto, no início dos anos 2000, era praticamente impossível imaginar uma saída para a crise fonográfica e artística que assolava o país. Somente com o desenvolvimento de novas tecnologias e o trabalho árduo desses artistas é que se tomou forma um caminho alternativo. Caminho este bem menos acidentado para a geração que agora começa a surgir. Dorgas, O Terno, Mahmundi, Phill Veras, entre outros, já representam uma segunda leva de músicos que, ao seu modo, viabiliza suas carreiras e retifica a força da chamada neoMPB.
Uma das promessas da cena atual, a banda paulistana O Terno é composta por Tim Bernardes (vocal e guitarra), Guilherme d’Almeida (baixo) e Victor Chaves (bateria). Os integrantes do power trio se conheceram ainda no colégio, onde começaram a tocar e compor. Em 2012, lançaram seu primeiro disco, “66”. Filho do compositor, cantor e saxofonista Mauricio Pereira - parceiro de André Abujamra n’Os Mulheres Negras - Tim formou primeiramente uma dupla caipira suis generis com seu pai, chamada Pereirinha e Pereirão. Esse intenso diálogo musical está refletido no álbum de estreia do trio, onde metade das composições é de autoria de Mauricio. 
Vencedor na categoria “Aposta” do VMB deste ano e “Melhor Clipe do Ano” no Prêmio Multishow, O Terno veio ao Rio em novembro para participar do festival MoLA, no Circo Voador. Aproveitando a deixa, o Banda Desenhada conversou com os rapazes em um hotel na Lapa, onde estavam hospedados. Tim e Guilherme falaram a respeito de suas influências, da neoMPB e, claro, de Mauricio Pereira:

BD – Assim como o Rafael Castro, vocês também fogem daquela temática fofa que os jornalistas ultimamente vêm criticando. Mesmo sendo praticamente da mesma geração, ele chega a ser uma referência para vocês?

Guilherme d'Almeida – A gente sempre foi bem fã do Rafael Castro. Escutávamos os discos que ele lançou pela internet muito antes de o conhecermos pessoalmente. 

Tim Bernardes – Mas ele não chegou a influenciar o nosso som porque já havíamos composto as nossas músicas quando o conhecemos, mas, putz, o Rafael é um cara que...

Guilherme d'Almeida – A gente se identifica. 

Tim Bernardes – Acho que, das bandas e artistas que conhecemos, ele é o que mais tem afinidades com a gente. Quando o encontramos, aproveitei para convidá-lo para tocar em um dos nossos shows e, de lá pra cá, temos feitos alguns trabalhos juntos. 

Guilherme d'Almeida – Sim, estamos fazendo uma espécie de parceira.

Tim Bernardes – O Rafael é um cara que foge um pouco desse negócio blasé e fofinho. Ele é bem rock’n’roll, e tem o lance do humor. Mas a gente é bem menos radical, bem menos chocante. [Risos]. Ele possui uma linguagem bem dele, assim como nós. Gostamos de pegar os clichês e jogá-los em contextos mais estranhos, longe da mesmice. Mas que soe natural, entende? Já tentei fazer letras mais doidas, mas achei que estava forçando a barra. Talvez a gente tenha optado por esse recurso por estar cansado de ver tantos artistas fazendo “fofolk”. [Risos]. Mas, na verdade, há muitas cenas e tendências acontecendo ao mesmo tempo. E quando fazemos o nosso som, não nos preocupamos em onde seremos inseridos, se nos encaixamos ou não em algum rótulo.

Tim Bernardes – A gente tem muita influência dos Mutantes e dos Beatles. Eu mesmo já fui mais fechado, só ouvia música dos anos 60, adoro os timbres dessa época. Acho que a indústria fonográfica e a produção musical brasileira deram uma viajada nos anos 80. Tenho essa sensação. Talvez por terem tido mais recursos, mais possibilidade de efeitos... Parece que eles abusaram dessas ferramentas e acabou que o som não ficou tão legal. Nos anos 60, você sente mais a pegada, sabe? E a gente gosta disso. Fazemos um som que tem essas referências e que, por acaso, são as da moda. Esta geração toda usa guitarras com pedais de Fuzz. Mas você tem que utilizar sabendo que está em 2012. Nós realmente não estamos indo atrás de nenhuma tendência. A ideia é fazer um som próprio, que soe nosso. Ninguém aqui está querendo ser um Caetano [Veloso] da vida, entende? Além disso, fazer uma música tropicalista hoje em dia seria a coisa menos tropicalista do mundo! [Risos]. Eles queriam algo novo! E aí você vai fazer algo parecido com que já foi feito há 50 anos?! Todas as referências estão aí para você escolher e misturar do jeito que você quiser! 

Guilherme d'Almeida – Uma coisa que se ganhou nessa história toda de olhar para trás é justamente essa questão dos timbres, de voltar a ter sons de verdade nos discos, sabe? Existem artistas que estão estourando, que estão conseguindo seu espaço e tendo público com uma sonoridade bacana.

Tim Bernardes – E tem o lance da estrutura. Da canção daquela época ter uma estrutura doida. Os compositores não estavam preocupados se a parte B ia ficar igualzinha à parte A, sabe? Elas são bem diferentes uma das outras. E, mesmo assim, as canções não deixavam de ser pop. Elas podiam tocar no rádio, havia público, mas, ao mesmo tempo, era experimental. 

BD – Alguns críticos desta geração condenam a supervalorização dessa estética sessentista em detrimento da técnica e de uma busca por um som, vamos dizer assim, mais sofisticado...

Tim Bernardes – Mas existe a liberdade de escolha. Se quiser, a sua música pode ter harmonias muito loucas! A gente gosta bastante de Tame Impala, uma banda nova da Austrália. Cara, as harmonias são muito complexas, com uns acordes do tipo Clube da Esquina, mas com uns timbres bizarros de Fuzz e com sintetizadores doidos. Então, você pode ser sofisticado sem ser careta. Eu realmente não acho que tenha alguém dessa geração que esteja sendo privilegiado por estar seguindo uma tendência. Até porque, o tropicalismo era muito abrangente... Não é porque a gente resolve misturar uma coisa com outra que estamos sendo tropicalistas, entende? Isso é muito chato! [Risos]. Eu não tenho que ficar preso a nenhum termo. Sei que ele existe e se alguém quiser falar que somos tropicalistas, pode falar, mas estamos fazendo o nosso som, do nosso jeito. 

Guilherme d'Almeida – Não somos uma banda retrô. Temos influência dos anos 60 sim, mas também de bandas atuais. 

BD – Falando em bandas atuais e sabendo que artistas como Romulo Fróes, CéU, Mariana Aydar e Karina Buhr já têm anos de estrada, pode-se dizer que vocês fazem parte da segunda geração da neoMPB, não? 

Guilherme d'Almeida – Somos uma das bandas mais novas dessa cena, estamos lançando nosso primeiro disco agora. Então, esses artistas já têm muito mais experiência do que a gente. Por exemplo, no novo CD da Karina Buhr, você já percebe características próprias dela. Nesse sentido, eles estão em outro estágio, outro patamar. Já puderam parar e refletir a respeito de suas carreiras e de suas músicas. 

Tim Bernardes – A Tulipa [Ruiz] também mudou bastante do primeiro para o segundo disco. Ela amadureceu. Não que o primeiro seja pior que o segundo, não! [Risos]. Mas você percebe as experimentações, as novidades. Essa geração está começando a se consolidar com seus discos enquanto nós acabamos de gravar o primeiro. Leva tempo para uma linguagem ou um som se desenvolver... 

BD – E como foi o contato com essa primeira leva de artistas de São Paulo? O Marcelo Jeneci participou do álbum de vocês...

Tim Bernardes – O Jeneci tocou Harmond organ no disco. Mas não tínhamos tanto contato com ele assim. Tivemos agora, porque fomos colocados no mesmo contexto. E porque eu namorei por dois anos a Laura [Lavieri], que canta com o Jeneci. Foi através dela que fomos nos enturmando, ela foi a nossa ponte. E fizemos algumas coisas juntos: Jeneci, Laura, Tulipa, Rafael e Garotas Suecas participaram de nossos shows. E esse diálogo vem dando supercerto.

BD – Algo que é interessante nessa história de neoMPB é que se, por acaso, vocês tivessem começado a carreira há algumas décadas, seriam classificados de roqueiros...

Tim Bernardes – É que a única coisa que se tem hoje é a cena de MPB. [Risos]. Não há uma cena forte de rock. E o termo MPB ficou mais abrangente. Então, acabamos caindo nele. Mas acho que os rótulos rock'n'roll e MPB já não se encaixam mais na situação atual. A mistura é muito grande, cara. A gente é uma banda de rock, um power trio, mas se nos chamarem de MPB, também pode ser, porque temos influência de música brasileira. A gente está fazendo um show acústico lá em São Paulo, meio folk, que também contribui para essa confusão. A música atualmente vive em um liquidificador ligado na velocidade máxima, misturando tudo!

BD – Vocês falaram a respeito de misturas... foi difícil trabalhar com o Mauricio Pereira? Não houve um embate de gerações ao chamá-lo para participar do CD?

Tim Bernardes – Não. Ele foi um cara que se preocupou muito em não interferir. Meu pai não quis deixar a sua marca, fazer do jeito dele e pronto. No nosso disco, indicamos a ele o que queríamos. 

Guilherme d'Almeida – Ele, inclusive, deu liberdade para mexermos em suas músicas. Criamos os arranjos sem qualquer interferência. 

Tim Bernardes – Meu pai se tornou uma influência musical um pouco tardia para mim. Só fui pegar os discos dele e d'Os Mulheres Negras muito mais tarde. Não acho que O Terno soe parecido com os trabalhos dele. São propostas muito diferentes. Em casa, meu pai colocava sempre Beatles, Rolling Stones, Tim Maia e outros artistas brasileiros para a gente ouvir... para conhecer, mas sem aquela conversa do tipo “isso aqui é bom e aquilo ruim”. Então, na hora que mostramos as nossas músicas, foi a mesma coisa, sabe? Não houve julgamento. Foi bem livre. Nunca tive esse tipo de grilo, de achar que precisaria seguir artisticamente meu pai ou então evitá-lo. Por acaso fomos fazendo alguns trabalhos juntos e, como ficaram legais, resolvemos investir. Agora estamos trabalhando mais o nosso lado autoral. 

Guilherme d'Almeida – O Mauricio é um cara que já fez de tudo. Já gravou música de todos os tipos, de todos os jeitos, e isso casou muito bem com o nosso som. Foi uma relação de soma. Em nenhum momento ele foi restritivo. Antes do lançamento do disco rolaram alguns shows em conjunto, onde ele entrava tocando sax e cantando algumas de suas músicas. 

Tim Bernardes – As suas composições somaram com as nossas. Se achássemos que elas fugiriam da nossa proposta autoral, nós não as colocaríamos. Conseguimos dar a nossa cara, com as nossas versões e novos arranjos. E foi muito bom. Aprendemos muito. Foi um processo bastante livre, fizemos tudo sozinhos. Quando meu pai chegou ao ensaio, já estava tudo pronto. 

Guilherme d'Almeida – O disco é um registro, um recorte de um tempo que passamos juntos. Enquanto fazíamos nossas músicas e arranjávamos as do Mauricio, dividimos o palco com ele... Então este disco é mais o registro do que aconteceu. Não há motivos para ele estar fora desse trabalho.

Tim Bernardes – Mas o CD demorou tanto tempo para ficar pronto que, quando conseguimos concluir, já não estávamos fazendo shows com meu pai. Foi um ano inteiro de gravação, mixagem, masterização... E nesse tempo de espera, nos emancipamos! [Risos]. Passamos a tocar sozinhos e começamos a compor e apresentar músicas novas. Tanto que, quando a gente foi escolher a canção para o primeiro clipe [“66”], decidimos pôr uma que não fosse dele. 

BD – Antes de O Terno, houve o Pereirinha e Pereirão. Como era? Há alguma influência?

Tim Bernardes – O Pereirinha e Pereirão foi o primeiro projeto que fiz com meu pai. Eu já havia tocado na sua banda, mas não era a mesma coisa. Nesse projeto, tocávamos folk e músicas caipiras que gostávamos. Foi aí que reparamos o quanto as nossas vozes são parecidas e se colam. Então, quando gravamos “Modão de Pinheiros”, uma música meio caipira que transformamos em um rock'n'roll com uma pegada Rolling Stones, decidimos colocar um vocal que lembrasse Pereirinha e Pereirão. Ficou uma coisa bem de dupla caipira de pai e filho, sabe? Achei legal. Você ouve e algumas vezes não sabe quem está cantando. Até eu me confundo! [Risos]




2 Responses to parceiros do futuro

  1. Anônimo :

    Que massa a matéria. Adorei.
    A banda é muito boa, recomendo sempre para meus bons e velhos amigos.

  2. Hellen de Paula :

    O Terno é uma daquelas bandas que você fica meio que acompanhando pra caralho e descobrindo um monte de coisas... Daí quando você se dá conta está comentando, com muita alegria, uma matéria de um blog que fala sobre eles. O som deles é foda! Feliz por ter gente que também acha a mesma coisa. Indico muito.

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