rio, 40 graus


Junto a qualquer cena ou geração musical sempre haverá ilustradores, designers, estilistas, videomakers e outros tantos profissionais que darão forma, cor e movimento às canções de uma época. Acreditando nisto, o Banda Desenhada convidou o designer Duda Simões para a entrevista desta semana. Nascido em Salvador, mas radicado no Rio desde 1981, Duda, junto com Synesio Neto, Murilo Ferreira e Marcelo Macedo, formam a Tangerina, agência de design responsável por diversos trabalhos em empresas como Globo.com, Complexo B, Coca-Cola, OI, Funart, Centro Cultural Banco do Brasil, entre outras. Duda também vem se destacando devido à sua grande participação nos projetos gráficos de uma boa parte da atual cena musical carioca. Colaborador no design dos álbuns da Bolacha Discos, coautor do projeto Semente da Música Brasileira e responsável pela direção de arte e ilustração dos discos de Seu Jorge, Rogê, Baia, 4 Cabeça, João Hermeto e outros tantos, Duda Simões tornou-se um dos responsáveis pela cara da nova MPB carioca.
O designer recebeu o Banda Desenhada em seu ateliê, Olga, que divide com os artistas Rafael Dória e Mateu Velasco, no bairro de Laranjeiras, e nos contou sobre seu processo de criação, a amizade com diversos nomes da música carioca e o trabalho com a Bolacha Discos, entre outras coisas:

BD – Quando você começou a se envolver com design e a trabalhar com projetos relacionados à música?

Duda Simões - Trabalho na Tangerina há uns 12 anos, mas a minha formação é de arquiteto. Foi como designer que me senti profissionalmente mais a vontade. Tenho muitos amigos e colegas que trabalham com música, o pessoal da Bolacha, o Baia, Rogê... Eu mesmo já me aventurei nesta área, em produção: Fazia o Semente da Música Brasileira, junto com a Aline [Brufato]. Fomos sócios por muito tempo... Quer dizer, ainda somos, mas me afastei da noite, a boêmia acabou comigo. [Risos]. O projeto ainda existe e é bem bacana, focado em samba, choro e música instrumental [ O Semente da Música brasileira  teve a sua última edição em dezembro passado] ... Então, por conta disto, fiz a arte dos álbuns do João Hermeto ["Lá onde eu moro", 2010], do Gabriel Geszti [“Confluência”, 2011] e de mais uma galera... E estes trabalhos me aproximam de outros artistas.


BD – Mas imagino que estes não tenham sido os iniciais. Você se lembra do seu primeiro trabalho com música?

Duda Simões - O primeiro? Sabe que eu não sei, cara. Teve o do Cabruera e do Scott Feiner. E o “Habeas Corpus” [2006] do Baia... Fizemos uma foto em uma cobertura, inspirada no filme do Roberto Carlos, “Em Ritmo de Aventura”. Mas eu não sei se este foi o primeiro... Assim de verdade, rodado em gráfica. [Risos]. Fiz um outro antes desse, também para o Baia, que nem entrou no mercado, era um lado B do Raul [Seixas].  Talvez este tenha sido o primeirão... Faz tempo. Eu curtia muito o som do Baia e já fui me apresentando levando uma proposta, uma ilustração que fiz do rosto dele. Daí nos aproximamos e comecei a fazer parte do seu processo criativo, para poder fazer a arte dos discos e os cenários... Ele é um cara que curte pra caramba essas coisas, investe mesmo. Depois desse do Raul e do “Habeas Corpus”, veio “Baia no Circo”, junto com o DVD. Nesse meio tempo fiz o Rogê, o 4 Cabeça  e a  Bolacha Discos. Com o meu envolvimento com a Bolacha, foram aparecendo outros artistas. Mas não tem muita encomenda, sabe? Conheço bem quase todos os músicos de quem já fiz os projetos. O último eu não conhecia, mas passei a conhecer... O Gabriel Geszti. Ele foi amigo de escola do Mateu [Velasco]... O trabalho chegou até mim por conta disso e acabei me envolvendo. Quando ouvi o disco, fiquei de cara! É incrível! Foi muito legal mergulhar nas suas ideias, na intimidade de seu trabalho, e participar do seu processo de criação. Não gosto de ficar esperando aparecer uma ideia, prefiro ouvir e questionar o que o artista está querendo passar com a sua música. Rola muito bate-papo e ouço bastante suas canções...

arte de duda simões e mateu velasco

BD - E você sempre quis trabalhar com design de discos?

Duda Simões - É um trabalho muito desejado. Não só a música, mas a arte como um todo, tem esta qualidade: Agita os neurônios e te lança para outros mundos. Seja vendo um quadro ou ouvindo uma música, a gente acaba se identificando de alguma forma e mergulha no universo do artista. Por exemplo, as músicas da Letuce... Você vai ouvindo, imaginando o relacionamento dos dois, se aprofundando naqueles temas... E acaba se tornando íntimo de suas músicas. É muito legal. O novo da Mallu Magalhães também tem um pouco disto, desta intimidade. E este diálogo que a música tem, este sentimento, é muito instigante para qualquer um que trabalhe com arte. Eu não toco nenhum instrumento e a minha forma de participar daquilo ali é dando uma cara, uma identidade para uma obra que, por mais que venha a se desgastar, é eterna. Esta é a sensação que eu tenho, de um cara que curte disco, que tem nostalgia pelos impressos antigos... É aonde eu bebo. Não só pelo prazer, mas pela própria pesquisa estética. Tenho pastas e mais pastas no computador só com referências e a maioria delas é bem antiga.

BD – E como foi o projeto para a Bolacha Discos? Mesmo tendo vários designers trabalhando nos álbuns da gravadora, sinto que há certa unidade no trabalho gráfico...

Duda Simões - O Paulinho [Paulo Monte] e o Berna [Bernardo Palmeira], da Bolacha, são meus amigões. As ideias sobre a gravadora, o começo de tudo, foi muito desenhado neste ateliê e nas noites dos bares. Eu já havia feito outros trabalhos e vi naquela piração dos caras, de largar seus empregos nas gravadoras e bancar um trabalho independente, uma oportunidade de fazer muito mais! Porque é um trabalho que curto pra caramba: Transformar as ideias dos músicos, sua poesia e toda a obra em um projeto gráfico. Acredito que a unidade da Bolacha está no pack que desenvolvemos, mesmo tendo algumas variações... Queríamos dar tato aos discos, então colocamos um papel texturizado e nada de plástico... É uma pena que o formato não seja grande, mas só este tato com o papel já cria uma intimidade e um desejo que os antigos discos tinham, de querer colecioná-los e abrí-los como se fosse uma obra, como se folheássemos um livro. Não queríamos que fosse visto apenas como mais um CD. E, por mais que a relação das pessoas com o disco tenha se tornado descartável, por mais que a crise das gravadoras tenha levado uma boa parte dos músicos a lançar seus discos pela internet, deixando de se preocupar com a cara que eles precisam ter, ainda existem muitos artistas que valorizam uma capa, um projeto gráfico bem feito. Então, acho que os discos da Bolacha preservam este sentimento do disco. E este sentimento é algo que tive e ainda tenho. Tenho vitrola, compro discos e as capas sempre me atraíram muito. Às vezes compro coisas que eu nem conheço porque a capa é muito bacana! [Risos]. Não é à toa que eu trabalho com design... Desde moleque me sentia atraído por isto, mesmo que eu ainda não soubesse o que era design ou arte.


BD – Você é responsável por uma boa parte da arte dos álbuns da Bolacha, não?

Duda Simões - Cara, a arte da Bolacha é muito livre. Não tenho contrato de exclusividade não! [Risos]. O que acontece é que eu sou muito amigo deles e normalmente me ligam: “Pô, tô com mais um disco aqui, quer fazer”? E aí me envolvo e faço. Mas é muito mais por amizade e afinidade. Conheço bem quem fez os outros discos de lá e, de modo geral, todos fazem parte de um mesmo grupo de amigos, de artistas, que dialogam muito entre si. Acho legal essa ideia: Fico vendo os discos da Elenco... São incríveis! E tem toda uma unidade ali. Só que de uma forma mais explícita do que a Bolacha. Já imaginou se daqui uns 40 anos as pessoas olharem para estes discos e falarem: “Os discos da Bolacha!” [Risos]. Eu acho ótimo! Motown, né cara? [Risos].

direção de arte: duda simões e rafael dória  |  foto: guito moreto

BD – Por sinal, você acha que esta novíssima cena independente carioca tem uma cara? Tem uma identidade visual?

Duda Simões - Eu já fiz discos para gravadoras e não gostei muito... Eles te impõe muitas regras e termina que o dinheiro é ainda menor do que você receberia de um artista independente, sendo que este costuma ser muito mais bacana. Porque ele tem este olhar mais cuidadoso em relação à sua obra, à sua arte. A nova geração exige isto. A galera está toda conectada e acredita que um bom projeto gráfico é mais uma forma de você conquistar público, já que não terá uma gravadora com sua equipe de marketing colocando o seu cartaz nas Lojas Americanas ao lado de uma gôndola inteira só com os seus CDs. Então você tem que mostrar um produto mais elaborado, criativo e com conteúdo. As ferramentas estão aí, só precisa saber usar. É assim que surge uma Mallu Magalhães, por exemplo. Sai da internet, apresenta a sua verdade, inicia e dá segmento à sua carreira. O discurso das gravadoras sempre é: [Imitando de forma hilária um executivo] “Eu tenho aqui R$1500, é tabelado, e eu preciso para segunda-feira! O cara é novo e tem que ter a cara dele estampada! Já pensou na foto? Já pensou na locação?” qual a relação que eu terei com o artista com um negócio assim?! Não vai me permitir mergulhar na obra do cara, entender a sua música e o seu universo para, enfim, dar cor e forma a isso. Já me despenquei para fazer trabalhos que nem me trariam retorno financeiro, mas como o artista era camarada, generoso, e acabaria dando uma projeção bacana ao projeto, não pensei duas vezes, fiz mesmo! Eu ainda tenho gás para isto. Teve o “América Brasil” que eu e o Doria fizemos para o Seu Jorge...  Ele estava de viagem marcada para a Europa e nós teríamos que nos virar sem foto! [Risos]. Chamamos então o Guito Moreto para fotografar um menino que também se chama Jorge e que mora lá na Chácara do Céu. Fizemos a pipa e o fotografamos lá. Não é Photoshop não! [Risos]. E foi muito legal. Também fizemos a marca da sua gravadora, a Javali Records, em plena ponte aérea, enquanto íamos para uma reunião com ele. O bacana deste projeto foi o desafio de trabalharmos sem a foto do artista... Tivemos muitas idéias, viajamos pra caramba, e o Seu Jorge abriu muitas possibilidades. Só que depois de uns quatro meses do disco no mercado, ele assinou a distribuição com a EMI e a gravadora resolveu fazer uma camisinha para envolver a arte original e colocar a cara dele na capa. E sem nos consultar. Mas tá beleza, vendeu pra caramba e é isso que importa pra eles, né? [Risos].

ilustrações  de duda simões, mateu velasco e rafael dória

BD - E as parcerias? Você costuma normalmente trabalhar com outros ilustradores e designers...

Duda Simões - As parcerias estão aqui no ateliê. Aqui é uma espécie de tubo de ensaio onde nós desenvolvemos trabalhos mais artísticos. Quando o projeto envolve ilustração eu termino chamando esta galera. Neste caso aqui [mostra a capa do álbum "Brasil em brasa", do Rogê], tem desenho meu, do Mateu e do Dória. 

BD – O que eu percebo de forma geral é que existe certa tensão entre músicos e designers, por conta dos músicos terem já uma ideia preconcebida do que querem. Ao que parece, aqui é bastante tranquilo...

Duda Simões - Aqui sempre foi muito tranquilo. O Rogê, por exemplo, é um cara muito bacana. Ele está trabalhando em um disco novo e, há uns quatro meses, veio até aqui e tocou as músicas, sabe? É um trabalho em que me envolvo inclusive no processo criativo dele, antes mesmo da gravação do disco. E ele compra isso! Não vou esperar ficar pronto para ouvir, entender... A gente se conhece. Com o Seu Jorge também foi assim. Na verdade, sempre tive uma boa relação com os artistas, ultrapassando mesmo as questões profissionais. Então fica mais fácil, existe uma liberdade e uma facilidade muito grande na comunicação. 

BD – Este processo é quase um coletivo...

Duda Simões - Eu gosto de me envolver, mesmo. Acho que a sinceridade é a ferramenta principal para que haja comunicação e liberdade entre o designer e o músico. Porque a arte é do cara, ele tem uma obra ali na cabeça, sabe? E eu tenho esta ansiedade de, antes de qualquer rabisco, buscar a verdade do artista. Acho que assim os resultados são mais autênticos. Os músicos freqüentam o ateliê, ouvimos as suas músicas... Filmamos muita coisa no estúdio. 

BD – Como assim “filmamos”?

Duda Simões - Ah, é que a gente entra na pilha! Os encontros são muito bacanas. Todo o processo de criação é muito instigante. E de uns tempos para cá a gente tem feito registros. Quem fez o último foi o Ramon [Moreira], da Cotidiano Filmes. Não sabemos ainda o que fazer com o material, mas sempre conseguimos convencer os artistas a investirem nisso, mesmo não sabendo para onde vai. Estamos de alguma forma construindo a história deles e a nossa também.  Então o conteúdo existe, ainda falta editar, mas tem muita coisa do Rogê, do Baia e do Seu Jorge. A gente está para fazer o novo do Gabriel Moura e estou fazendo agora o do Daniel Marques, se chama “Carnaval de Perneta”.


BD – Você faz trabalho para muitos instrumentistas...

Duda Simões - Sim, por conta da época em que eu estive envolvido com o Semente da Música Brasileira. A gente tem tudo gravado também. Eu conheci o Berna e o Paulo nessa época, pois queria gravar o áudio das apresentações, registrar aqueles encontros incríveis: Yamandu Costa tocando guitarra com Chiquinho Chagas na sanfona! Então, no primeiro ano do projeto conheci o Berna e ele falou: “Pô, isso é história, 'bro'! Vamos fazer uma unidade móvel, gravar essas coisas e fazer uma coletânea daqui a um tempo”. E com isso a gente tem uns três anos de shows gravados. A coletânea vai sair e farei todas as capas. Foi aí, nessa época, que tudo teve início. Começamos a gravar e registrar e, mais tarde, chegou o Ramón e passou a filmar. Mas sempre foi na amizade, cada um com a sua expertise registrando as coisas e guardando para contar para os netos. [Risos]

BD – Você já fez algum LP?

Duda Simões - Talvez o próximo do Rogê saia também em LP. Eu me coço! Mas ainda é muito caro. É muito caro e só tem uma empresa no Brasil que faz, a Polysom da Deckdisc. E eu não sei, tenho um pouco de dúvida quanto à qualidade. Não peguei nenhum disco dessa nova administração da Polysom, mas não gostei dos promocionais que eles fizeram para teste. Mas os caras investiram tanto que agora a coisa deve estar boa. Mas voltando, espero um dia poder fazer um disco, é um tesão. Tomara que saia esse do Rogê. Vamos ver.


BD – E o que você ouve?

Duda Simões - Durante o processo de criação, escuto muito todos os discos em que trabalho, o que me faz deixá-los de ouvir no dia a dia. Só volto a escutá-los nos shows, sendo que em muitos deles eu termino fazendo a cenografia também. Então, não tem jeito, acabo mantendo um elo muito forte com essas músicas. Mas o desgaste é muito grande, então são discos que praticamente não ouço em casa, só em momentos raros. Talvez os mais antigos, quando rola aquela nostalgia... Agora, eu escuto todos os álbuns da Bolacha, menos os discos que fiz! [Gargalhadas]. Toda hora estou mandando ou recebendo links do Berna. A gente troca muita informação. Atualmente tenho ouvido o novo da Mallu Magalhães, estou curtindo muito. E  outros também: Benji Hughes, que faz um folk brega esquisito; The Growlers; Otto; Cidadão Instigado; Marcelo Janeci; Criolo; Domenico; Mayra Andrade; Albert Hammond, Jr;  Jards Macalé; Sondre Lerche; Jonas Sá; Angela Rô Rô; Curumin; Ben Kweller…

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