um anticomputador sentimental


fotos: daryan dornelles


Os anos 60, tanto no Brasil quanto no exterior, ainda permanecem como o mais importante manancial de uma produção artística que, não se limitando apenas às questões estéticas, agitou política e comportamentalmente a sociedade da época. Sob os efeitos da ditadura militar e em meio aos festivais e às manifestações estudantis, os jovens artistas, tendo o tropicalismo como estandarte, não só renovaram a música popular brasileira como, ainda hoje, permanecem como as mais festejadas figuras de vanguarda do cenário cultural. Assim como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Gal Costa e outros tantos artistas, José Celso Martinez Corrêa e seu Teatro Oficina vem se mostrando extremamente pertinente e atuante, exercendo grande fascínio às novas gerações. Fundado em 1958, o Teatro Oficina se tornou um marco por suas montagens controversas, onde o experimentalismo e a provocação davam o tom. Também reconhecido por formar centenas de atores, o Teatro Oficina, juntamente com os tropicalistas, veriam nos anos 70 o desdobramento de seu ideário, com o aparecimento dos Secos e Molhados, Novos Baianos, Dzi Croquettes, Edy Star, Walter Franco e, bem mais adiante, a Vanguarda Paulista
Na última década, com a gradual ascensão da cena independente brasileira, Tom Zé, Caetano Veloso e Ney Matogrosso iniciaram um forte diálogo com a chamada NeoMPB, dividindo os palcos com diversos nomes desta geração. Mesmo negando-se enquanto movimento e não crendo em qualquer linha estética passível de convergência, estes novos artistas, em releituras bastante heterogêneas e diversas, retomaram certos paradigmas do movimento tropicalista, absorvendo tanto a tradicional cultura popular, quanto a alta cultura, o pop e o kitsch. Curiosamente, vários nomes desta cena passaram pelo Teatro Oficina, alguns chegando mesmo a integrá-lo por um determinado período, caso de Karina Buhr e Dan Dakagawa
Fortemente influenciado pelas décadas de 1960 e 1970, o músico e ator paulistano Dan Nakagawa montou sua primeira banda aos 10 anos. Mais tarde, levado por Celso Sim, ingressou no Teatro Oficina, participando da montagem do espetáculo "Mistérios Gozozos". Gravou seu primeiro trabalho musical em 1996, ganhando certo destaque com a canção “Aniversário”, bastante executada nas rádios de São Paulo. Alguns anos depois, indo para a Alemanha, compôs a trilha sonora do espetáculo de dança “RE-SorT”, do coreógrafo Thomas Plishke. Em 2005 lançou então seu primeiro álbum, “O Primeiro Círculo” (Lua Music), com participações de Paula Lima e da atriz Camila Morgado. Após realizar alguns trabalhos como ator para a Rede Globo, onde atuou nas novelas “Bang Bang” (2005) e “Pé na Jaca” (2006), Dan lançou em 2011, “O oposto de dizer adeus” (YB Music). Com forte acento pop e inspirado em Heráclito e Nietzsche, seu segundo álbum contou com as participações especiais de conhecidos nomes da nova geração, como Tulipa Ruiz, Bluebell e Pélico. Fazendo juz ao legado tropicalista, Dan transformou seu disco em um projeto coletivo, produzindo ao lado de amigos - diretores de cinema, artistas plásticos, músicos e fotógrafos – os 10 clipes das músicas que se encontram no álbum e os disponibilizando em seu site. 
Dividindo o palco em uma série de apresentações com Ney Matogrosso – que resultará em um DVD -, Dan Nakagawa passou com seu show pelo Studio RJ e, pouco antes de voltar para São Paulo, em pleno aeroporto, nos deu esta rápida e divertida entrevista: 

BD - Você tem um disco não assumido? Como assim? 

Dan Nakagawa - Foi uma demo que fiz e que acabou tocando em uma importante rádio de MPB de São Paulo. Eu não suporto ouvi-la! [Risos]. Renego com gosto. Foi importante naquele momento, mas realmente não gosto. Não gosto como cantava, não gosto das letras... Renego mesmo! [Risos]

BD - E como começou esta sua relação com o Ney Matogrosso? Ele é uma referência para você?

Dan Nakagawa - O Ney tem uma relevância não só no meu trabalho, mas também na cultura brasileira. Falo de cultura brasileira porque o Ney ultrapassa a questão musical. Os paradigmas que quebrou o fazem um divisor de águas. Em plena ditadura militar, a atitude e as músicas do Secos e Molhados eram de uma coragem,  de um desbunde, que nunca mais se viu. Eu admiro, ouvi e ainda ouço bastante. Os anos 70 me tocam muito: Gal, Jorge Mautner, Ney... Todos estes artistas me influenciam. E o Ney, especificamente... Já morei um ano aqui no Rio, fiz novela [Pé na Jaca, Rede Globo]... Eu ainda não o conhecia pessoalmente. Foi um amigo em comum que disse: “Manda um disco pro Ney”. Achei que ele não iria ouvir e não queria incomodar, sabe? Mas esse amigo insistiu e acabei enviando. Como ainda não havia tido contato com ele, acreditei que jamais iria ouvir. Mas era lógico que ele ouviria. Porque o Ney é uma pessoa muito curiosa, nunca ficou acomodado em seu lugar repetindo fórmulas. Está em constante pesquisa, ouvindo tudo que entregam a ele. Principalmente se for novidade. E aí o Ney adorou, pirou no disco, quis cantar três músicas e no final escolheu “Um pouco de calor”. Por conta disso a gente se aproximou muito e nossos santos bateram, sabe? Fizemos um show no Teatro Oficina que foi muito legal. Repetimos e o transformamos em DVD. Depois disso, nos apresentamos juntos mais algumas vezes.


BD - Em seu show há duas músicas do repertório tropicalista de Gal [“Negro amor” e “Dê um rolê”]. Por quê? 

Dan Nakagawa - Na realidade são três músicas do repertório da Gal: “Negro amor”, Dê um role” e “Bloco do prazer”. A última é da década de 80, do álbum "Minha Voz" [1982]. Mas juro que não havia percebido. Só me dei conta um dia antes de fazer o show aqui. Paciência! [Risos]. É o que gosto e o que eu queria falar naquele momento.

BD - O que acaba coincidindo com o que você havia dito, sobre as influências dos anos 70: Secos e Molhados, Gal...

Dan Nakagawa - Exatamente.  Mas não são as minhas únicas influências. Também gosto muito de rock, de Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan... Toda aquela atmosfera hippie... Eu nasci naquela década. Para mim é muito instigante. Mas também tenho outras referências. Tem muita coisa interessante sendo feita hoje em dia, não só no Brasil, mas no mundo. E está chegando até nós, graças à internet. E sem depender de uma grande gravadora ou da mídia. 

BD - Apesar da forte influência dos anos 70, você tem uma sonoridade muito pop. A sua geração, de modo geral, se classifica como pop. Qual a sua relação com este tipo de música?

Dan Nakagawa - Olha, eu não tenho este objetivo: “Ah, eu quero ser pop”! Na verdade, não tenho nenhum compromisso estético. Utilizo a música para me expressar, junto com a minha banda, a um grupo de pessoas... Amanhã eu posso fazer um disco de samba ou de jazz! Por um acaso, neste momento, as coisas que eu tenho ouvido e a forma como venho trabalhando me levaram por este caminho. Mas essa história do pop... É que o pop é tão abrangente, é um caldeirão tão farto... Beatles é pop, Ivete Sangalo é pop! Na verdade, para mim, pop significa música popular e, antes de mais nada, acredito que a minha música seja isto: popular. Já fiz composições mais complexas melódica e harmonicamente, sabe? Mas prefiro este lugar, mais simples. Sempre gostei tanto de Bilie Holiday, Chet Baker, quanto de Michael Jackson... Esta questão é difícil... Porque a gente acaba misturando tudo na nossa cabeça e “brrrrrrrr” [imitando o barulho de um liquidificador]. [Gargalhadas].


BD - E o mais interessante é que mesmo com tantas referências, ao vivo, suas músicas ficam com uma pegada muito mais rock do que no CD...

Dan Nakagawa - Fica! Acho que tenho esta coisa do rock mesmo. Gosto do seu peso e dramaticidade. Sinto falta disso nos shows. Além das bases eletrônicas que a gente coloca, eu quero ouvir a guitarra alto e a bateria pesada. O disco tem certa leveza, mas na hora de montar o show acabo pedindo para a banda: “Vamos lá gente, com força”! [Risos].
  
BD - Você parece estar bem entrosado com esta nova cena paulistana. Seu álbum tem as participações de Tulipa Ruiz, Blubell, Pélico... O que o levou a chamá-los para participar?

Dan Nakagawa - Admiro muito todos eles. Foi bem natural. Fui ao show de um e aí conheci o outro e fomos ficando amigos...  A Blubell eu conheço há mais tempo. Já trabalhamos juntos há uns três anos atrás. Foi meio instintivo, sabe? Não houve um plano: “Vou chamar este ou aquele”. Basicamente foi por amizade e admiração. Mas agora, eu não acredito nesta história de cena paulistana. Acho que isto é uma bobagem. Tem gente do Brasil inteiro fazendo som. Falar somente de São Paulo é reduzir toda uma geração. Existe esta mesma riqueza em todo o Brasil. Talvez haja mais visibilidade por lá [SP], mas no meu disco também tem participação do Nelo Johann, que é um músico gaúcho. As escolhas não foram feitas por uma questão bairrista. Detesto isto. É que se torna mais difícil quando as pessoas moram distante de você... Tem muita gente daqui que eu admiro muito e que adoraria ter chamado para fazer, mas ir pra São Paulo, gravar... Dá um trabalho... Mas volto a afirmar: Acho linda esta nossa geração. Ela é incrível, só que é muito maior do que São Paulo. Fico aborrecido com esta ideia de turminha. É chato e limitante.

BD - Quando você lançou "Primeiro Círculo" a atual cena independente ainda estava começando a dar os seus primeiros passos. O que mudou de lá para cá? 

Dan Nagagawa - Acho que muita coisa mudou... Eu me sentia um E.T. dentro daquele contexto. Talvez porque a minha geração ainda não tivesse ganhado visibilidade com a internet e as redes sociais... Agora  parece existir uma cena mais plural e abundante. Vejo um pouco de tudo despontando por aí....

BD - “O oposto de dizer adeus” é definido como um projeto coletivo virtual. Poderia explicar de onde surgiu a ideia e como você o colocou em prática?

Dan Nagakawa - É esquizofrênico, né? [Risos]. “O oposto de dizer adeus” fala de uma afirmação à vida. À vida coletiva. Acho que é o que a gente mais precisa atualmente. Vivemos um momento de individualismo extremo e senti a necessidade de gritar isto para as pessoas. “O oposto de dizer adeus” é uma referência direta ao mito do eterno retorno do Nietzsche, que é: “Você voltaria a esta vida repetidas vezes, exatamente do jeito que ela é”? A resposta é sim, quero fazer tudo de novo. E este “tudo de novo” é no coletivo. Então, dentro desta perspectiva, queria fazer algo maior, que, a partir da minha música, artistas plásticos, atores e diretores criassem um universo imagético... Eu surtei, liguei para todos os meus amigos, juntei um monte de artistas malucos na minha casa e falei da ideia. Foi uma maneira de se fazer algo em conjunto e de nos expressarmos. Quando me dei conta que estava em um projeto deste porte e que iria atrasar em um ano o lançamento do álbum, cheguei a pensar: [Com uma expressão comicamente angustiada] “Ai, cara, como é que se faz para voltar”?! [Gargalhadas]. Não dava mais tempo, estava todo mundo trabalhando. Valeu à pena. Mais de 200 pessoas participaram ativamente do projeto. Ele acabou se tornando um site e ainda está vivo: Postam-se poesias, fotografias... 

BD - E para viabilizar? O pessoal foi mesmo na cara e na coragem?

Dan Nakagawa - Ah, foi. Pedi daqui e dali, alguns fizeram de graça... Chamei amigos e pronto! Quando vi, estava tudo funcionando. Se você quer fazer alguma coisa, dá certo! Essa história de: “Ah, não tenho dinheiro”... Não é impeditivo. 


BD - Você e Karina Buhr passaram pelo Teatro Oficina. Qual a importância dele para a sua carreira e para o cenário de agora?

Dan Nakagawa - [Surpreso] É verdade! Karina Buhr também participou! Bem, eu não posso falar por ela, mas o Teatro Oficina me influenciou demais. Foi ali que me entendi como artista. Adquiri uma consciência de troca e uma postura provocativa que acho muito importante para o diálogo artístico. Estas ideias me norteiam totalmente. É muito fácil para um ator ou um músico entrar em um molde e passar a fazer tudo igual. O Zé Celso contestava isso a todo o momento, fazia com que nos conectássemos com o presente, com o que estava acontecendo naquele exato momento, no aqui e agora. Se você está se apresentando para três pessoas, então você tem que se focar nelas. Não posso cantar da mesma maneira para uma platéia pequena e para uma de cem mil pessoas. “Onde eu estou? Que horas são? O que estou sentindo e o que estou falando”? Esta era a questão. Foi uma grande escola para mim. Havia essa ideia antropofágica, que é totalmente brasileira, de deglutir o que vem de fora e criar outra coisa. Isso tudo impregnou muito o que eu faço. 

BD - Inegavelmente você tem uma postura muito sexualizada no palco, ainda mais ao lado do Ney Matogrosso. Qual é a sua intenção com isto?

Dan Nakagawa – [Encabulado]. É você que está falando! [Risos]

BD – Mas você mexe os quadris o tempo todo! [Risos]. Ontem mesmo [durante a sua apresentação no Studio RJ] havia umas meninas gritando: “Lindo! Lindo”! 

Dan Nakagawa – Não é intencional. Essa coisa do quadril, talvez também seja influência do Zé Celso. A gente trabalhava muito isso, porque nesta região tem o chacra da sexualidade e é muito importante liberá-lo, sabe? Mas não é algo que faço propositalmente. Achava que era mais contido, na verdade. [Risos]. É engraçado você falar disso.

BD – Se compará-lo à Tiê, Nina Becker, [Marcelo] Jeneci, Romulo Fróes, Marcelo Camelo... Você é bastante expressivo no palco. Nunca ninguém falou? 

Dan Nakagawa – Não. Nunca ninguém falou! [Gargalhadas].

BD – Mas ontem, no Studio RJ, você estava. Pergunte para as meninas! [Risos]





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