O samba, a prontidão e outras bossas


fotos: daryan donelles

Se pudéssemos sistematizar toda a cena carioca dos últimos 20 anos, veríamos, com certa boa vontade, dois elementos fundamentais que, de um modo ou de outro, estiveram presentes em boa parte da produção deste período: o samba funk setentista de Jorge Bem Jor, Tim Maia e Banda Black Rio; e o multicolorido e performático BRock. Mesmo com o aparecimento na década de 1990 de uma nova geração de cantoras, como Cássia Eller, Marisa Monte e Fernanda Abreu, e grupos de rap e reggae como Cidade Negra, Planet Hemp e O Rappa, era ainda possível perceber em maior ou menor grau a influência destas duas escolas. Assim também se sucedeu na década posterior, com o surgimento, em 2002, da Orquestra Imperial. As festas promovidas pela trupe, ao mesmo tempo que remetiam às gafieiras e aos bailes black de Messiê Limá & Cia, em muito lembravam as transloucadas apresentações de bandas como Blitz, Kid Abelha e Paralamas do Sucesso no seminal Circo Voador, no início da década de 1980. Em meio a esta atmosfera, Kassin, Domenico, Moreno Veloso, Pedro Sá, Rubinho Jacobina, Thalma de Freitas, Nina Becker e demais músicos acabariam por gerar em grande parte o que hoje se denomina Nova MPB. E, entre tantos, ninguém melhor condensou estas duas alas da música carioca que Rubinho. As canções de seu primeiro álbum “Rubinho Jacobina e A Força Bruta” (2005), mesmo flertando com diversos gêneros, remetiam a quase todo instante ao debochado “rock de bermuda”, enquanto baixo e guitarras as impulsionavam a um inacreditável samba funk, criando a sonoridade que melhor representaria a sua geração.
Prestes a lançar o seu segundo álbum “Onde moras?”, Rubinho aceitou participar do Banda Desenhada, nos encontrando no centenário Café Lamas, no Flamengo (RJ). Ali, o músico falou sobre a sua carreira, processo de criação e relacionamento com a Neo MPB:

Banda Desenhada – Antes da Orquestra Imperial, nos anos 90, você se apresentava no CEP 20000 (evento carioca de música e poesia). Você acredita que parte da linguagem da sua geração formou-se ali?

Rubinho Jacobina - Para mim foi muito importante. Era meio que uma cena, com poetas, músicos e artistas em geral. Comecei a me apresentar cantando no CEP 20000, no Planetário da Gávea, em uma de suas primeiras edições musicais. O evento começou com foco somente em poesia, lá na Faculdade da Cidade. As bandas que tocaram naquele dia gravaram uma fita K-7 que depois foi lançada em CD. Eu cantei três músicas. Duas delas entraram no meu primeiro álbum e a terceira entrará agora, no segundo. Foi bem no início dos anos 90. Esses primeiros shows no Planetário foram muito marcantes para mim. Foi quando realmente me lancei como compositor. Muita gente saiu dali, o Pedro Luís [e A Parede], por exemplo. 

Banda Desenhada – E depois veio a Orquestra Imperial?

Rubinho Jacobina – Não. Eu fiquei por muito tempo tocando samba na Lapa [RJ], com o Garrafieira. Era eu, o Pedro Miranda, a Mariana Bernardes, o Gabriel Improta e o Thiago. Na verdade, fui o fundador do grupo. Apresentávamos lá no Bar Semente. Muitos faziam parte do Cordão do Boitatá [que posteriormente se tornaria um dos mais populares blocos de Carnaval do Rio de Janeiro]. Foi um momento bem legal do início da revitalização do bairro. Na época, só havia o Semente e, na Rua do Lavradio, o empório 100. Fiquei um tempo com o Garrafieira e depois fui tocar nos Anjos da Lua, em uma verdadeira roda de samba. Passei mais de 10 anos tocando samba. Como tinha essa experiência toda, quando fiquei sabendo que o Kassin estava montando a Orquestra, liguei e disse que gostaria de participar. Ele topou e foi assim que entrei. 

Banda Desenhada – As suas composições entraram desde o início nos bailes da Orquestra Imperial?

Rubinho Jacobina – O “Dr. Sabe Tudo” e “Artista é o caralho” sim. A gente chegou até a cantar algumas outras, mas as que ficaram mesmo, que eram mais a cara da Orquestra foram estas duas. Depois, quando fomos gravar o primeiro CD, entrou “Salamaleque”.

Banda Desenhada - E você tinha noção que a Orquestra Imperial ganharia esta proporção toda?

Rubinho Jacobina – Não, ninguém tinha. Era uma coisa despretensiosa, para uma temporada.

Banda Desenhada – Mas você, Domênico, Kassin e Moreno, mesmo relativamente novos, acabam influenciando toda uma novíssima geração de músicos. Como é isto para você?

Rubinho Jacobina – Eu não saberia dizer. É difícil ter esta visão. Não sei se a minha música tem essa visibilidade toda. Não conseguiria citar o nome de algum músico que é influenciado por mim. Com o pessoal mais próximo é comum acontecer uma troca, um sempre está aprendendo com o outro e aí as influências acontecem. Eu até consigo identificar alguma coisa no som do pessoal que é mais chegado, como o Jonas [Sá], o Domenico e o Moreno. Mas é muita pretensão afirmar que é influência.
  


Banda Desenhada – Como você analisa a cena carioca e o surgimento desta nova geração de músicos paulistanos? Existe realmente uma grande diferença estética entre os artistas do Rio e de São Paulo?

Rubinho Jacobina – Acho que Rio e São Paulo são muito próximos. É óbvio que existem diferenças, mas o intercâmbio é grande. Na verdade, acho que a cena carioca se fez naturalmente. Talvez algum crítico ao analisar o que estou fazendo junto aos meus colegas possa até dar um nome disso ou daquilo, mas eu não tenho essa preocupação teórica, de engendrar um conceito, de criar um movimento. Não tenho esse formalismo. 

Banda Desenhada – Você falou em intercâmbio. Como é essa troca com você?

Rubinho Jacobina – Ainda não rolou, mas adoraria que rolasse. Eu tenho essa coisa de ser mais recolhido, tímido. Só que tem uma hora que a gente tem que se esforçar, tem que travar contato. Mas tenho certo autismo. [Risos]. Eu adoro a Tulipa [Ruiz], gosto muito do seu disco. Encontro com ela, a gente se fala, mas não tenho uma relação mais estreita. Gosto do Romulo [Fróes] também, dessa coisa paulista mais séria, da consciência da canção. Admiro mesmo. Eles têm essa tradição, [José Miguel] Wisnik, [Carlos] Rennó, Itamar [Assumpção], Arrigo [Barnabé]... Adoro todos. O Itamar influenciou muito o meu trabalho, eu escutava bastante. Ele foi responsável por um dos melhores shows que assisti na minha vida, no Circo Voador.  

Banda desenhada – Você e o restante da nova geração carioca têm essa marca de despretensão que caracteriza seu som. 

Rubinho Jacobina - Geralmente os músicos cariocas tendem a ser mais despretensiosos. Acho que existe uma tendência da turma de São Paulo em ser mais formal. Tem uma consciência estética. O que eu acho bom. É uma característica.

Banda Desenhada – Por mais que você esteja ligado ao samba, em seu álbum de estréia há referências aos anos 80 e até mesmo à jovem guarda. Como foi isso?

Rubinho Jacobina – Nessa época em que tocava nos Anjos da Lua, já fazia shows com a minha banda, A Força Bruta. Comecei com ela em 1999 e só fomos gravar em 2005. A maior parte das músicas do primeiro álbum já estava no repertório há um bom tempo. Quando comecei a compor, tinha uns 10/9 anos, no período do rock dos anos 80. Então, havia mesmo uma pegada punk rock. E jovem guarda também, por influência do meu irmão, que é de uma geração anterior à minha. As primeiras músicas que fiz eram todas meio rock: “minha mãe delira na cama, meu pai delira no bar, minha irmã delira em qualquer lugar” [canção que Rubinho fez aos oito anos de idade]! (Risos). Sempre tive estas duas referências: o rock e o samba. Muito também por influência da minha mãe. Ela era da época da Rádio Nacional e cantava muitas músicas. Meu irmão [Nelson Jacobina] também tinha um vasto repertório de samba. E eu curtia essa coisa toda. Durante um bom tempo achei difícil conciliar estas duas referências. Rolava um pouco de crise de identidade. Mas acho que acabei resolvendo no segundo disco. O primeiro tinha realmente a intenção de ser um álbum de rock, era meu desejo.  Já no segundo não. Tem rock, mas tem também samba, marcha e até fado. 

Banda Desenhada – Você lançou seu primeiro e único álbum, “Rubinho e Força Bruta”, em 2005. Seis anos já se passaram e só agora é que se ouve falar em seu sucessor. Por quê?

Rubinho Jacobina – Nesse meio tempo meu filho nasceu, eu me casei, minha mãe faleceu. Estas coisas exigiram a minha atenção. Mas, na verdade, eu demorei mais ainda para lançar o primeiro. Para você ter uma idéia, algumas músicas que estão no álbum de estréia foram feitas quando eu tinha 16/17 anos. Acho que foi importante ter esse tempo para amadurecer. O primeiro não foi nada trabalhado, não houve uma grande divulgação. Eu ainda ficava na expectativa que iria conseguir trabalhá-lo mais. Até que percebi que não, que já era hora mesmo de lançar o próximo. E, de um modo geral, o segundo disco vai acabar alavancando o primeiro. As pessoas vão correr atrás do “Rubinho e Força Bruta” quando escutarem o segundo. E, claro, também precisei desse tempo para ter assunto para criar novas canções.  

Banda desenhada – Você sente esta necessidade de reunir suas músicas e criar um álbum? De registrar?

Rubinho Jacobina – No início eu era um compositor que fazia as músicas quando elas brotavam. As canções aconteciam, surgiam em situações que me levavam a fazê-las. Eu achava que era assim que deveria ser. Só que chega um momento em que você amadurece como compositor e percebe que não pode ser assim sempre, porque senão vira um compositor bissexto. Comecei a me forçar na busca de melodias, letras... É aí que realmente surge o trabalho do compositor, com a tal da transpiração. 


Banda Desenhada – Posso estar errado, mas a impressão que passa é que você é o mais low profile dos membros da Orquestra Imperial. É essa a sua intenção? Ter uma carreira mais discreta?

Rubinho Jacobina – Não, acho que é uma conseqüência do meu modo de ser mesmo. Não é uma intenção. Não é premeditado, pelo contrário. Eu apenas não a priorizava. Agora é que estou mais voltado para ela. Tem uma hora em que você tem que assumir o papel do compositor, do músico. Tem que buscar o seu reconhecimento, tem que se apresentar. Eu nunca tive empresário. E ser manager não é a minha especialidade... Agora finalmente eu consegui alguém que vai fazer isto para mim. Eu tenho mais a alma de poeta. Essa coisa de trabalhar o tempo todo... Devo confessar que tinha certo preconceito. Eu estava mais para: “O trabalho dá trabalho demais” [cantarola “Inventor do trabalho”, do Batatinha]. [Risos]. Eu tinha essa coisa romântica, do flâneur. Ainda tenho um pouco disso hoje em dia, só que de forma mais controlada. 

Banda Desenhada - E como foi o processo de criação do segundo álbum? 

Rubinho Jacobina – Foi rápido. Quando resolvi fazer o disco, em um ano ficou pronto. Foram apenas quatro dias de gravação, ao vivo, na Toca do Bandido. Com a mesma turma do primeiro álbum, a Força Bruta: Domenico, Marcelinho, o Bubu, o Pedro Sá e Bartolo. O Nelson, meu irmão, toca em algumas faixas. É um disco que também tem um lado mais intérprete. Estou cantando duas músicas do Haroldo Barbosa [compositor de grandes sucessos como “Mesa de bar”, “Isso não se aprende na escola” e “De Conversa em conversa”]. Uma delas é inédita. Fui visitar sua filha, a Maria Carmem Barbosa, pois sou amigo de infância do Pedro [neto de Haroldo]. E aí ela cantou uma música e disse que nunca havia sido gravada, que era uma das últimas canções que o Haroldo fez.  A música coincidia com o meu momento pessoal e acabei falando: “Eu tenho que cantar isso”.  Ela permitiu a gravação e a música entrou. Chama-se “Andando no ar”. No álbum também tem uma música do Nelson [Jacobina], criada a partir de um poema do poeta português Antônio Feijó, que ele musicou a pedido do meu pai [o cineasta baiano Fernando Coni Campos] para um filme seu [“O mágico e o delegado”]. A música se chama “Onde moras?” e dará título ao disco. É praticamente um fado. Tem ainda uma parceria com o Domenico que se chama “Pressa”. Gravei também “Meio tom” que é uma música que cantei na primeira apresentação que fiz no CEP 20000. Tem ainda mais algumas canções antigas, que fazem parte da minha história e que não entraram no primeiro disco, e algumas mais novas. Tem sambas, tem marchas, tem roques. Tem a “Segue esculachando”, que por pouco não se tornou o título do álbum. O pessoal da banda queria, mas achei que poderia soar um pouco arrogante, um pouco bazófia demais.(Risos).

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