sem nostalgia


romulo fróes um labirinto em cada pé







Dada a sua incapacidade de interação com as novas formas de consumo de música, a indústria fonográfica viu-se frente a uma galopante crise que acabou por promover, mesmo que não intencionalmente, o empobrecimento da música popular brasileira. Até mesmo um expectador menos atento seria capaz de observar o quão vazio se tornou o discurso de todo e qualquer gênero musical que transita pela grande mídia. Axés, sertanejos e rocks tão assépticos que nem de longe lembram as suas generosas raízes: o frevo, o forró, o maracatu, o reggae, a música caipira, o grunge, etc. Entretanto, sem se dar por conta, o país também produziu uma nova geração de músicos que, não mais utilizando as grandes gravadoras como ferramenta para divulgação e consolidação de suas carreiras e imbuídos de um dever quase romântico de expressar seu ideário, lançaram os álbuns mais criativos dos últimos anos no debilitado cenário da música popular. 
Nina Becker, Tulipa Ruiz, Romulo Fróes, Leo Cavalcanti, Curumin e tantos outros vêm conseguindo imprimir uma nova cara à MPB. Por sinal, uma das caras mais arrojadas que esta um dia teve. Sem as cobranças do mercado e das grandes gravadoras, os novos músicos detêm em suas mãos uma liberdade criativa que poucas ou quiçá nenhuma outra geração pôde ter. Curiosamente, mas não por acaso, grande parte destes nomes possuem alguma ligação com a gravadora YB Music. Criada em 1999, inicialmente como uma produtora, a YB Music já apostava em novos nomes, como Andrea Marquee, Mamelo Sound System e Rica Amabis. Responsável também por trilhas para comerciais, curtas e longas metragens, a gravadora criou uma espécie de selo de qualidade que se tornou um enorme atrativo para qualquer músico independente.
Após a última entrevista, com a cantora Nina Becker, o Banda Desenhada optou por se aprofundar nas questões do mercado fonográfico nacional e convidou para a entrevista um dos proprietários da YBMusic, o compositor, produtor musical, multiinstrumentista e ex-integrante da cultuada jazz band Nouvelle Cuisine, Mauricio Tagliari. Também conhecido por sua paixão por vinhos e drinks em geral, Maurício concedeu ao site uma das mais esclarecedoras e sensíveis entrevistas:

BD – A YBMusic se tornou a principal gravadora da chamada Neo MPB e muitos de seus discos vêm sendo celebrados como os melhores dos últimos anos em revistas e sites especializados. Como vocês conseguiram essa façanha e que métodos utilizam para selecionar um artista para a gravadora?

Mauricio Tagliari - Fico grato com o reconhecimento deste pessoal todo. Mas tenho a humildade de saber que somos uma gota d’água na cena brasileira. Apenas uma pequena parcela de jovens urbanos e muito antenados sabe da existência destes artistas. E entre estes antenados, apenas uma minoria sabe do trabalho da YBMusic. Ainda existe uma grande barreira a ser transposta. Talvez a Tulipa [Ruiz] seja a primeira, que de uma maneira bem indie, esteja alcançando um público maior. E independente das enormes qualidades dela, eu não sei dizer a razão. A YBMusic começou bem antes, em outra situação de mercado. Iniciamos de maneira muito amadora, no sentido positivo. Era apenas vontade de fazer música de qualidade. No fundo, 90% do trabalho de direção artística tem a marca exclusiva do meu gosto pessoal. Meus sócios são bem condescendentes comigo! Claro que amigos apresentam artistas. O [Carlos Eduardo] Miranda, por exemplo, sempre traz e recomenda gente. Recomendou Flu, Nina [Becker], Saulo Duarte, Romulo Fróes... O Romulo, por sua vez, eu brinco que tem um sub selo na YBMusic. Através dele chegaram o Bruno Morais, Rodrigo Campos e o Kiko Dinucci. O Ronaldo Evangelista também foi importante para eu escutar Tulipa, Ju (Juliana) R, Leo Cavalcanti e Blubell. A verdade é que as coisas estão acontecendo e acabam chegando a mim. Não preciso correr atrás. E isso se deve à nossa proposta artística, acima de tudo. Com certeza ter estúdios premium para gravar, mixar e masterizar facilita as coisas para os artistas independentes. O fato de termos um contrato, atualmente, que preserva os direitos da master para o artista, também deve ser visto com bons olhos por muita gente. Mas recebo muitos cds completamente produzidos e escuto que o artista quer apenas fazer parte deste elenco. Quer ser um artista YBMusic. Nem sempre eu aceito. Não tenho uma posição fechada, mas não assino com alguns bons trabalhos apenas por achar que não combina. E olha que tenho de Anvil FX até Clube do Balanço. Ecletismo é o que não falta. Mas voltando ao começo da história, muito rapidamente, ainda nos nossos primeiros lançamentos, conseguimos atrair a atenção de um selo médio inglês [Sterns Music] que nos deu chance de apostar num mercado de licenciamento interessante. Este foi um fator que atraiu artistas para nosso círculo. Dez, doze anos atrás, todos queriam fazer turnê na Europa. Fomos mudando e nos adaptando ao mercado, mas sempre mantivemos este amor à música. Se num momento chegamos a bancar passagens internacionais e até um apartamento para o Nação Zumbi em São Paulo, logo aprendemos, com o Trio Mocotó, o quão é difícil trabalhar com quem já tinha estado na “grande e velha” indústria fonográfica. Com a queda das vendas dos CDs, buscamos outras alternativas. Hoje só trabalhamos com artistas novos e que entendam nossa filosofia. Tem muita conversa antes de assinar e lançar.

tulipa ruiz efêmera









BD – Muito se fala da crise do mercado fonográfico. Como vocês vêm reagindo a ela e quais são as suas perspectivas?

Mauricio Tagliari - Vejo o mercado como o conhecíamos se esfacelando. Questões como pirataria, flexibilização do direito autoral, impostos e lentidão na reação à nova realidade empurraram o artista para uma posição dura. O cara hoje tem que ser artista, produtor, agente, empresário, vendedor de CDs, RP, etc. No nicho no qual atuamos não chega dinheiro para bancar as estruturas necessárias para fazer dinheiro. É um círculo vicioso. A YB Music saiu da venda física. Não trabalhamos com CD. O CD físico é do artista. Nosso principal foco é a sincronização. Seja em longa metragens, comerciais ou novelas, o que for. É uma aposta. Meio maluca, adimito. Mas está rolando. Temos vários cases rolando. Já fizemos mais de 80 sincronizações. De montantes e importâncias diversas. Você coloca uma faixa num comercial ou num episódio do CSI, e isso rende o equivalente a vender, sei lá, 10.000 CDs. Não sei qual o futuro da música e muito menos do mercado musical. Cada um vai ter que se reinventar. Nós estamos neste caminho. Mas uma coisa eu digo: sou terminantemente contra a não remuneração do criador. As grandes corporações de comunicação, telefonias, os fabricantes de hardware, todos, sem exceção, ganham muito dinheiro com o uso destes conteúdos.  Eles vendem o peixe da flexibilização, pois é interesse deles e ponto. É má fé. Imagine tirar a música da Internet, da TV e da rádio. O que sobra? Se eles precisam da música, do conteúdo, eles têm que pagar uma parte disso. Se o ECAD tem problemas, se a distribuição é complicada, é outra história. Só não apoio esta ideia que confunde free com free, isto é, livre com gratuito. O mundo, o mercado, os artistas, os legisladores e os empresários e técnicos tem que achar uma solução. Já fui mais descrente neste assunto. Se puder assistir alguns dos vídeos chamados think tank, no canal da YB do Vimeo, você poderá ver muitos debates sobre o assunto: 

bruno morais a vontade superstar

BD – A YBMusic está invariavelmente relacionada à atual cena musical de São Paulo. Em sua opinião, o que há de tão especial nessa geração?

Mauricio Tagliari - A cena musical de São Paulo tem gente do Brasil todo. Acho que o fim do oligopólio das majors, que ficam no Rio, trouxe este povo para cá. Desde o Mangue Beat, talvez. Mas isso já havia acontecido no tempo do Tropicalismo, né? Então talvez a diferença seja outra. Talvez haja finalmente um reconhecimento de uma tênue linha evolutiva de música paulista que vem de Adoniran Barbosa e passa por Mutantes, Secos e Molhados e Itamar Assumpção, que era paranaense... Uma visão de mundo meio cínica, meio anárquica, mas no fundo muito inocente. O paulistano não é um cara da corte como o carioca. Não tem raízes culturais fortes como o baiano. O paulista, via o mito bandeirante, é um aventureiro que não se fixa na terra. Mas ao mesmo tempo é um desbravador que faz o trabalho sujo e não tem muito do que se orgulhar. O que mudou? Talvez finalmente seja uma geração que não tenha vergonha de ser paulista. Que puxa nos “erres” e até se sente orgulhosa de não ter raízes em nenhum ritmo regional. Muito disso, acredito, veio do Hip Hop. Gente como Racionais, Sabotage, através do Coletivo Instituto, contaminou esta classe média com uma atitude “sou paulista, urbano e foda-se”. Hoje o cara se sente mais livre para procurar seu som. No fundo eles finalmente se libertaram de Caetano (Veloso) e Chico (Buarque).

juliana r



BD – A YB Music também realiza trilhas para comerciais e filmes. Como isso é equacionado? Há alguma área de interseção entre essas atividades? 

Mauricio Tagliari - As coisas são feitas por projeto. Trilhas de comerciais são eventos rápidos. Entra hoje e amanhã você nem lembra que fez. Longas são bem mais complicados. Demanda tempo, organização, briefings, reuniões. Ambas situações te colocam atendendo um terceiro, seja o cliente, a agência ou o diretor do filme. Os CDs são projetos mais soltos e pessoais. Tentamos colocar datas no estúdio e nos lançamentos, mas há mais flexibilidade e vamos encaixando as agendas. Mas basicamente trabalhamos com a mesma equipe para todos os setores. Meu sócio, Cacá Lima, é o responsável técnico e eu cuido mais do artístico. Mas tem mais gente cuidando da burocracia, do marketing, contratos, editora, etc. Quando recebemos um briefing de um comercial sempre procuramos sugerir algum artista nosso. Nem sempre isto é possível, seja por adequação ou por questões de orçamento. Nos longas metragens temos conseguido fazer bastante indicação. Em “Garcia” [filme de José Luiz Rugeles, 2010] há uma faixa do Bruno Morais e uma participação do Romulo cantando “El dia en que me quieras”. No “Homem do futuro” [filme de Cláudio Torres, 2011] colocamos “Hook me up”, do The Radishes, uma banda de um selo americano que representamos. Na verdade representamos vários selos, independentemente de serem da YBMusic. A diferença é que temos um trabalho de marketing digital, assessoria de imprensa e um acompanhamento mais próximo dos nossos artistas. O pessoal do selo Instituto, que trabalha muito próximo à YBMusic, também tem papel importante nessa área. Basta ver a quantidade de músicas licenciadas em filmes como “Bruna Surfistinha” ou na série “Alice”, da HBO, por exemplo, com trilhas assinadas por eles.

nina becker azul


BD – E quais são os próximos projetos da YB Music?

Mauricio Tagliari - Muita coisa vem por aí. Até mais do que eu imagino como ideal. Ainda este ano saem dois longas: “O homem do futuro”, do Cláudio Torres, com quem já fizemos outros trabalhos, como a “Mulher invisível” e “Garcia”, uma co-produção Brasil/Colômbia, de José Luiz Rugeles. São filmes completamente diferentes. E isto é o legal de fazer trilhas. Quanto aos lançamentos musicais, meio fora de ordem, mas previstos ainda para este ano, temos: Dudu Tsuda, um trabalho bem bonito, nada mainstream; “Passo torto”, um encontro do Romulo com Rodrigo Campos e Kiko Dinucci, um dos melhores trabalhos que já assinei; Rodrigo Campos, ainda em produção; Saulo Duarte, um moleque paraense criado na turma do Ceará, tributário de [Fernando] Catatau & Cia, meio Bob Marley, meio Jimi Hendrix, que toca de carimbó até funk estilo Sly & Family Stone, difícil explicar; Pipo Pegoraro, em um CD autoral; Dan Nakagawa, também autoral, meio balada, lembra um pouco outro CD que lançamos recentemente, do Pélico; um EP do Bruno Morais; Zeroum, banda eletrônica/progressiva com participação de Damo Suzuki; Flu, um cd só de rock; Juliana Perdigão, cantora e clarinetista mineira; Sambanzo, projeto meio afro do também mineiro Thiago França; Gringo, o baixista do Clube do Balanço gravou um cd meio easy listening com o conceito “bailinho de elevador”... Confesso que fiquei um pouco assustado com esta lista!  Não tinha me tocado que tanta coisa estava em andamento.

pélico que isso fique entre nós



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http://olharsemtempo.wordpress.com/

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