menina do anel de lua e estrela

fotos: daryan dornelles

Todos os caminhos levam a São Paulo. Fato. A quantidade de músicos talentosos que migraram para a capital paulistana nos últimos anos é um verdadeiro assombro: Duani, Marcia Castro, Fernando Catatau, Bárbara Eugênia, Bruno Morais, Marina Lima, China, Ligiana, Seu Jorge, Marcelo Camelo, Claudia Dorei, Helio Flanders, Marcela Bellas, Filipe Catto, Karina Bhur, Lulina, Marcelo D2, Arícia Mess... A lista, praticamente interminável, torna-se uma prova contundente não só do poder financeiro da cidade, mas também da sua infra-estrutura, que viabiliza e promove diversos projetos culturais e fomenta um público que prestigia e estimula novas empreitadas.
Radicada há quatro anos na capital paulista, a cantora e compositora baiana Marcela Bellas se diferencia das demais colegas não só por seu bonito e inconfundível timbre, mas também pelo forte acento Pop que caracteriza seu trabalho. Sem pudores, a artista promove um intenso flerte entre a MPB e os hits radiofônicos, salpicando-os ainda com referências diversas, entre elas o Trip Hop. Seus dois primeiros álbuns, o EP “Leve” (2006) e “Será Que Caetano Vai Gostar?” (2009), evidenciam estas predileções e o caráter autoral de sua obra. Em 2010, mostrando ter fôlego para mil e um projetos, lançou o elogiado álbum “MiM: uma noite romântica” (2010), concebido em parceira com o músico paulista Daniel Cohen.
Passando pelo Rio de Janeiro nesta última semana, Marcela dividiu o palco do Centro Cultural Banco do Brasil com a sua conterrânea Marcia Castro, no projeto “Tabuleiro BA, a Bahia de todos os sons”. O Banda Desenhada não poderia deixar escapar esta oportunidade e foi atrás da moça. A entrevista, rápida e divertida, se deu em meio à passagem de som do espetáculo e uma insólita festa junina que ocorria no Centro Cultural:

BD - Você e a Marcia Castro optaram por morar em São Paulo, assim como vários outros músicos de todo o Brasil. Quais seriam os motivos para esse deslocamento? O que São Paulo oferece para que tantos artistas se dirijam para lá?

Marcela Bellas - Acho que é a estrutura que a cidade oferece. Pelo menos foi este o meu caso... E o de todo mundo, não é? São Paulo é a cidade do Brasil que tem mais opções de lugares para se apresentar. Lá, você consegue desenvolver melhor o seu trabalho, pois existe um mercado independente e alternativo um pouco mais organizado. Com a crise por que passam as gravadoras e o próprio mercado da música, São Paulo acabou sendo para mim a opção mais vantajosa naquele momento, mesmo não sendo a ideal.


BD - A sua geração tem um forte elo com o Tropicalismo e, principalmente, com a figura e a obra de Caetano Veloso.  Em sua opinião, ao que se deve tamanha reverência?

Macela Bellas - Embora o Tropicalismo e Caetano estejam ligados, acho que são duas referências diferentes. O movimento tropicalista realmente influencia muito esta geração, principalmente pelo que representa: a junção da música brasileira com os ritmos do mundo inteiro. Mas, no meu caso, Caetano tornou-se uma grande referência de um jeito natural. Eu comecei a ouvi-lo na infância e ainda hoje ele é o meu compositor preferido.  É com quem eu mais me identifico. As coisas que ele diz, as imagens que cria em suas canções... Mas é uma questão pessoal, do gosto de cada um... Como a música de alguém bate em você. Para mim foi assim. Caetano foi o cara que me despertou para a música, por isso ele é a minha maior referência. Foi ouvindo Caetano que descobri que queria ser compositora e que a música entraria na minha vida de uma forma profissional. Porque eu sempre cantei, sempre gostei de música. Aprendi a falar e logo depois já cantava de tudo. Músicas infantis, hits do rádio... Sempre fui musicalmente aberta, sem preconceitos... Eu ouvia e continuo ouvindo tudo. Claro que tem coisas que gosto e coisas que não gosto. Mas Caetano foi o que bateu mais. Sabe quando você sente aquela porrada e pensa: “Pô, isso aí é diferente!”? Pra mim foi assim. E é até hoje! [Risos]. Isso que é bom... Porque têm algumas coisas que você gosta durante um período, mas depois se desinteressa. Você até pensa: “Como eu pude gostar daquilo”?! No caso de Caetano eu continuo adorando!

BD - Sua geração é praticamente indefinível. Pode-se perceber a influência dos mais diversos gêneros em seus trabalhos. Como você encara esse fato?

Marcela Bellas – O que você disse... Eu sinto a mesma coisa. Eu fico me perguntando exatamente isso: “Mas como você não vai definir a sua própria música”? Então, eu lhe digo, no meu quinto disco [Marcela já lançou um EP e três álbuns] estou buscando um conceito sonoro mais bem definido, com o qual, ao mesmo tempo, eu me identifique e goste de ser identificada. Acredito que este processo faz parte da maturidade de cada artista. Será um disco dançante e Pop. Se hoje fosse classificar a minha música, diria que ela é Pop, “Música Pop Brasileira do Século XXI”. [Risos].

BD – Por falar nisso, no álbum que você fez com Daniel Cohen (MiM: Um Disco Romântico) é possível perceber uma clara influência da música pop. Chegou mesmo a ser falado em uma certa inspiração nas canções de Marina Lima e Herbert Viana. Você parece não ter problemas com esse tipo de som...

Marcela Bellas – Como eu disse, considero a minha música Pop. Ela pode ainda não ter a reverberação nem ser um hit no sentido amplo da palavra, mas sou influenciada por esta cultura... Pelos hits de todos os tempos e gêneros. Gosto de melodias simples, de letras leves, e acho que, de uma forma geral, tudo isso tem a ver com a Pop Music... Os temas cotidianos, o amor... Considero-me uma cantora romântica... O que é muito Pop. [Risos]. Então, o que eu espero fazer é uma música Pop de verdade e que vire um estouro! [Risos]. Não quero ter esse rótulo de alternativa, cool, que eu nunca me dei.


BD - Você já falou que Portishead é uma influência em seu trabalho. Qual a sua relação com a música eletrônica?

Marcela Bellas – Não sou uma mega consumidora da música eletrônica. O Portishead, assim como Caetano, bateram em mim de uma maneira... Música você não explica. Música é do coração. É assim que eu faço música e é assim que eu ouço música. Portishead foi deste modo... Um dia eu ouvi e falei: “Que diabos é isso”? Aí me disseram: “Portishead”! A partir daí fui ouvir e pesquisar. O Trip Hop me emociona muito. Mas não posso dizer que eu tenha uma grande influência da música eletrônica... Eu gosto dela como um recurso dentro do meu trabalho. O gênero que realmente gosto, que é a minha base, é a música popular brasileira.

BD - Poderia falar um pouco do seu projeto "Undergrude", álbum paralelo em parceria com Jorge Papapá e Helson Hart? Existem outros projetos em desenvolvimento, não?

Marcela Bellas – No meu universo criativo desenvolvo muitas coisas. Não me restrinjo somente à “Marcela Bellas”. Eu componho para os outros, faço jingles, também trabalho com publicidade. Lancei inicialmente um álbum solo [“Será que Caetano vai gostar?”] para poder me fazer presente, para mostrar a minha cara. Partindo desse trabalho, dos encontros musicais que resultaram neste álbum, surgiram novos parceiros. E junto com eles novos projetos. Primeiro foi o “Cohen & Marcela”. Eu conheci o Daniel [Cohen] já em São Paulo. Parceria musical é como paixão! Igualzinho! Nós nos apaixonamos e começamos a fazer várias músicas juntos. Depois de certo tempo, percebemos que havia alguma coisa ali, fechada, redonda, e que tinha a nossa cara. Montamos uma dupla e hoje fazemos este show. Já o “Undergrude” surgiu no verão seguinte, em Salvador, compondo com dois parceiros meus, Helson Hart e Jorge Papapá. Brincamos de fazer letras politicamente incorretas em melodias inspiradas no Pop. A sonoridade vai do sertanejo ao rock. Percebemos então que aquela brincadeira era “undergrunde” e que tínhamos ali canções que caberiam em um álbum. Então, junto com o Rovilson Pascoal, produzi o disco virtual... Está lá no site pra baixar. Ainda não sei se este projeto irá se tornar um show. É difícil montar shows com repertórios e músicos diferentes. Eu também acabei de finalizar a minha primeira produção musical, sozinha, que é o EP da Talita Avelino, cantora e compositora paulistana. O disco tem músicas dela e algumas composições minhas. E agora, neste momento, estou gravando um álbum de marchinhas inéditas para o Carnaval do próximo ano, com o Tenison Del Rey e Edu Casanova, que são dois hitmakers do Carnaval da Bahia. Na verdade, o disco é parte de um projeto maior, que inclui ensaios de Carnaval...

BD – Mas o projeto é voltado para o Carnaval baiano? Porque a marchinha é tão associada ao Carnaval carioca...

Marcela Bellas – É para o Carnaval do Brasil! A marchinha do Carnaval carioca é um ícone, mas é também uma tendência no Brasil inteiro. Nós percebemos isto e fizemos este produto para o Carnaval do Rio, de Pernambuco, da Bahia... É um produto de entretenimento e de resgate de uma cultura que está atrelada ao Carnaval antigo, que é fabuloso! Estou super apaixonada por este projeto e acho que vai dar muito certo.  Ele se chama “TEM”. “TEM” de conteúdo e de Tenison, Edu e Marcela. [Risos]

BD - Como é viver somente de música em um período tão incerto como o atual? Com os constantes downloads e a indústria fonográfica em crise?

Marcela Bellas - Você não vive muito bem, não vive no luxo... Estou bem longe disso. Mas, batalhando, consigo me dedicar e investir na minha carreira. O que não acontece, na verdade, é viver de música da forma como gostaria. Eu a priorizo porque dividi-la com outra atividade seria praticamente impossível. Ela toma muito tempo e os resultados vêm aos poucos, em um ritmo lento... É preciso investimento, dedicação, empenho nas pesquisas, nos estudos, no processo de criação e de composição... Além disso, hoje em dia, os artistas se vêem na necessidade de arcar com toda uma produção para conseguir que seu trabalho chegue ao público. Os recursos são difíceis e falta investimento financeiro, tanto por parte do Estado quanto do setor privado.



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