meu segredo é que sou rapaz esforçado

foto: daryan dornelles

O verso acima, retirado de uma canção de Waly Salomão e Jards Macalé, não poderia descrever melhor o convidado desta semana. Um dos principais nomes da nova cena da MPB, qinhO, durante a sua entrevista ao Banda Desenhada, fez cair por terra a imagem de galã e “menino do Rio” que tanto o acompanha, revelando-se um artista arrojado, com grande senso crítico e extremamente articulado em suas ponderações sobre o atual cenário da música independente carioca. Prestes a lançar seu segundo álbum solo, qinhO também nos falou de seus diversos projetos, de suas influências e de sua interação com outros músicos da “Neo-MPB”:

BD - No trabalho Vulgo Qinho & Os Cara, era possível ouvir claramente as influências de Jorge Bem Jor e do samba funk. No entanto, em Canduras, o seu primeiro álbum solo, parece haver um flerte com a Bossa Nova e com Caetano e Gal iniciais, de “Domingo”. Qual o motivo desta mudança? O que o levou a isso? 

Qinho – O disco com a banda foi a minha primeira experiência em estúdio, foi uma produção coletiva. E foi ótimo.  Quando gravei Canduras, eu ainda estava na ativa com a banda, então, para diferenciá-lo, optei por fazer algo mais acústico.  Fiz umas gravações em casa, joguei no myspace, fiquei curtindo essa onda intimista do violão e a levei para o disco. A ideia partiu dessas composições e ficou esse clima que, aos poucos, a gente foi incrementando. Cada música teve um detalhe ou outro de arranjo: um sopro, uma percussão, um teclado... Teve até um fagote que o meu tio tocou. Foi basicamente isso. A banda tinha uma vontade de ser mais rock. Eu acho bacana, mas sou muito mais voltado para a Black Music, apesar de não ter usado essa referência no Canduras.  No disco que eu estou produzindo agora eu me reaproximei do soul e do afrobeat, que é uma onda que tenho curtido muito. Tem um movimento rolando por aqui, a Abayomy Afrobeat Orquestra no Rio e o Bixiga 70 em São Paulo. Eu já ouvia Fela Kuti há muito tempo e me amarrei quando essas duas bandas apareceram.

BD - Então o próximo álbum não será tão desplugado quanto o anterior...

Qinho - Não, nem um pouco. Vai ter banda. A formação básica é: baixo, bateria, guitarra e teclado. E aí têm sopros, percussão e tal. Ele é reflexo do Blé qinhO, que foi um projeto que fiz ano passado. Foram três shows em que convidei artistas da Black Music para cantar comigo. Participaram o Hyldon, a Fernanda Abreu, o Rogê, a Mart’nália, o Jards [Macalé] e o [Luiz] Melodia. Foi exatamente na hora em que comecei a montar a banda pro Canduras e o Vulgo Qinho & Os Cara terminou. Eu fui tateando... Esse projeto me deu uma puta experiência, ao me permitir tocar com essa galera que já tem uma carreira mais do que estabelecida. Foi muito importante pra mim e influenciou este disco novo. Ele também foi o primeiro passo para montar a minha banda. Eu toquei com muitos músicos durante o ano passado, até porque eu ainda tenho mais outros dois projetos, que são trabalhos coletivos. Então circulou muita gente. Aí no final de 2010 a galera do selo [Bolacha Discos] falou: “Qinho, não dá mais, cada show é uma banda”! [Risos]. “Escolhe uma e vambora”! Aí montamos uma banda final, fizemos um ensaio e tudo encaixou. Comecei a compor várias músicas e fiz um primeiro e único show com a banda, no Prata da Casa, em São Paulo. Daí fomos direto pro estúdio. 

BD – Além da Black Music o que mais te influenciou? Você chegou a participar do show do Leo Cavalcanti, no Oi Futuro. Qual a sua relação com essa nova geração de músicos de São Paulo? 

Qinho – Cara, a gente está começando a se conhecer. Acho que as duas cenas ainda são um pouco insipientes. Apesar da de São Paulo ter mais força do que a do Rio. Eu conheci o Leo via internet, há um ou dois anos. Nós temos alguns amigos em comum, como a Arícia Mess. Fomos nos conhecendo, nos aproximando, um ouviu o trabalho do outro, e rolou uma identificação. O resultado foi esse show super bacana. Estamos começando uma história de parceria, de tentar fazer shows juntos. O Leo é o cara da sua geração que eu tenho mais intimidade. Conheço a Karina [Buhr] através do Teatro Oficina e gosto muito do trabalho dela também. Além deles curto muito a Tulipa [Ruiz] e a Blubell, mas não sou tão íntimo delas, apesar de já existir uma identificação mútua através dos nossos trabalhos. O [Marcelo] Jeneci eu apenas esbarrei com ele aqui no Rio e elogiei as suas músicas. Acho que merecemos trocar mais idéias, temos uma identificação bacana. 

BD - A primeira vista, a cena carioca parece bem mais modesta do que a de São Paulo. Em sua opinião, ao que se deve isso?

Eu não acho a cena carioca fraca não, mas acho que tem uma coisa que é determinante para que se tenha essa diferença: São Paulo é a capital econômica do país. Existe uma economia cultural bem mais exuberante e isso viabiliza muito mais projetos. Aqui a gente quer fazer um show e não dá. A galera de lá vive disso, faz shows e recebe pelo seu trabalho. A gente aqui faz shows e não ganha, não ganha MESMO [enfático]. Eu, até agora, praticamente, só paguei. Na maioria dos shows eu perco grana, fico investindo e investindo, sabe? Então acho que isso é uma coisa determinante para a cena de São Paulo ser mais forte. Tem mais grana, é mais fácil de trabalhar, tem mais tempo, tem mais disponibilidade, tem mais gente interessada, tem mais gente compartilhando, tem muito mais opções e tem mais público. Porque o Rio de Janeiro tem esse velho problema de ter um público muito voltado para o entretenimento e não para o autoral. A Lapa bomba na sexta-feira, qualquer show que você faça que tenha baile, que tenha músicas conhecidas, vai explodir de gente! Teve o show da Teresa Cristina com Os Outros cantando Roberto Carlos. Perfeito! Lotado! Agora tente você fazer um show autoral, com músicas inéditas... Tenta botar 100 pessoas... Dificílimo! Não tenho certeza, mas me parece que em São Paulo é mais fácil. Acho que existe um interesse maior das pessoas em conhecer trabalhos autorais. Pode ser somente uma impressão, mas... Muitos músicos de outras regiões do Brasil foram para lá...

Inclusive cariocas, como o Duani, Marina Lima...

Foi uma galera, na verdade, o [Marcelo] D2, Seu Jorge, o [Marcelo] Camelo. Eles saíram fora, porque aqui é mais complicado. Viver da cena independente carioca... Realmente está difícil. Nós tivemos uma perda muito grande com o fechamento do Cinemathèque, que era um lugar ótimo. Toda uma cena independente tocou lá: o Leo [Cavalcanti], o Tatá Aeroplano, o Thiago Pethit... Desde Nina Becker e Domênico até a galera que está começando. A casa era aberta ao novo e não fechou por causa de grana, tava dando certo! Fechou porque terminou o contrato mesmo e... A especulação imobiliária no Rio de Janeiro é o que está bombando, né? [Risos]. Aí construíram um prédio lá. Tivemos que encarar isso, ficamos órfãos do Cinemathèque. Mas aí o Espaço Sérgio Porto voltou, apareceu o Oi Futuro, o Rival + Tarde, que foi uma super iniciativa. Agora as coisas estão melhorando. A cidade também está crescendo como um todo. Acho que podemos nos favorecer muito com isso. Vai ter mais investimento no Rio de Janeiro nos próximos cinco anos e espero que a cultura se beneficie.

Se bem que o último Viradão Carioca encolheu pra dedéu! Foram só três palcos e teve o Luan Santana!

É que contrataram o Paul McCartney pra virada! [Risos]. [O show do ex-Beatle coincidiu com o segundo dia do Viradão]. Ah, e pra completar a história da cena, tem o Dia da Rua, que é um festival que começou a rolar a partir de um espetáculo, o “Bonitos e Paranóicos”, que fazia com o Vulgo Qinho & Os Cara e o Freddy Ribeiro. Foram sete meses de shows semanais numa esquina do Leblon. Sem pedir autorização nem nada! Montava e tocava. 

E nunca deu problema?

Deu. [Risos]. Mas a gente contornava e fazia, foi incrível. E daí surgiu a ideia de colocarmos várias bandas nas esquinas. Já fizemos duas vezes: em 2008 e 2009. E pode-se dizer que só se apresentou a galera da cena independente do Rio: o Binário, o Daniel Lopes do Les Pops, Bondesom, Os Outros, Matheus von Krüger e por aí vai. Teve também o André Carvalho, que é um cara super bacana desta nova geração e que é meu parceiro em uma das bandas que tenho. Ele lançou um disco agora. Estamos nos articulando para fazer uma terceira edição este ano, em 2010 papamos mosca. O projeto é bem essa idéia de retratar a cena, de chamar o Letuce, o Tono, Os Outros, o Bondesom... Tem esse desejo, essa pretensão. Não há um festival no Rio de Janeiro voltado pra isso.  Não tem um evento. Aqui existe uma cena anterior a nossa que é super forte que é a cena da Orquestra Imperial...

Que acaba se misturando com a sua geração...

Acaba se misturando, mas de um jeito diferente. Eles são 10/15 anos mais velhos e estão em um lugar de destaque no mercado. Kassin, Moreno [Veloso], Pedro Sá e Domênico têm um puta reconhecimento. Nós ainda temos uma dificuldade de trabalhar, é uma dureza, uma luta. A gente está cavando o tempo inteiro enquanto eles já estão super bem. Mas nos misturamos sim, não é um namoro tão intenso, mas rola. 

BD – Mudando um pouco de assunto: você já foi capa da revista TPM e vem aparecendo numa mídia que quase sempre o coloca como símbolo sexual e o associa à figura do “menino do rio” ou do “garoto de Ipanema”.  Entretanto, o seu som e a postura de seus colegas de geração, em sua esmagadora maioria, fogem deste lugar comum e negam, veementemente, qualquer possível rótulo. Como você lida então com esse cabo de guerra? 

É um cabo de guerra mesmo. É mais fácil o interesse por esse lado do que pelo meu trabalho, infelizmente. Acredito até que as pessoas gostem do meu som, mas acham mais garantido ir pra esse lado superficial e não arriscar muito. Porque não há riscos na superficialidade: “olha só esse menino aqui, bonitinho”. Mas falar “olha só esse novo cantor, preste atenção nesse compositor, veja esse talento”... Ninguém quer se arriscar. Então, um cara que não tem gravadora, que não tem empresário, que não tem padrinhos que endossem seu trabalho, acaba sendo vendido desse jeito.  Existe uma coisa de você ter que ser carimbado. Se você está chegando solto assim, é difícil o jornalista te comprar e falar: “cara, você é foda, vou te dar um espaço e falar do seu trabalho”. Normalmente é o contrário, o cara pega pesadíssimo. Ele vai te ver, te acha um cara bacana, acha que o seu trabalho é interessante, que tem potencial, mas na hora de escrever... Ele faz uma crítica que é quase uma sacanagem pra quem está começando uma carreira de forma totalmente independente. Parece que você precisa ser perfeito já na estréia e isso é irreal. Eu já discuti com alguns colegas que trabalham na mídia: vamos dar valor às coisas novas que estão acontecendo. Eu vejo gente torcendo o nariz pro Letuce, pra mim, pra Karina [Buhr], pro Leo [Cavalcanti]. Pra que isso?! Tudo bem, é claro que não somos perfeitos, mas se é um artista novo que, de algum modo, está te impressionando, que você acha interessante... Pô, fala bem! Pra que ficar tocando na mesma tecla, concentrando toda a matéria no detalhe que não gostou?! Só agora a minha geração está chegando numa idade em que está tendo mais colegas dentro das redações. Enquanto você é muito jovem e as pessoas que estão escrevendo fazem parte da cena anterior, elas acabavam te olhando de cima pra baixo e não ajudam a fomentar uma nova cena. Apesar disso, apesar de ser mais difícil no Rio, apesar de termos menos espaço na mídia, até porque a mídia ainda é dominada pelas atrações da Rede Globo e das majors, do mainstream... Apesar disso tudo, a gente está aí tocando, botando o trabalho na rua, fazendo um trabalho de base. Existe um movimento, nós já conquistamos um mínimo lugar, não viemos do nada, já temos uma história. Eu comecei com o Vulgo Qinho & Os Cara em 2004... O Lucas [Vasconcellos], do Letuce, então, nem se fala! Ele esteve no Binário durante muito tempo. Era foda! Até hoje eu não entendo como o Binário não deu certo. Era incrível, eu era fã deles! E ninguém foi lá e falou: “isso é foda”! Teve um inglês que lançou o disco dos caras na “Far Out Recordings”, da Inglaterra. Você vai lá, em Londres, e tem o disco dos caras, mas aqui não tem! Porra, como é que pode?! Uma puta banda! Eram duas bateras, um som experimental... As letras do Lucas eram foda. Ele cantava, tinha uma presença... e não foi adiante. Teve uma ou outra matéria, mas... Como um som tão genial pode ficar desconhecido? Ao mesmo tempo, apesar de não ter sido absorvido pelo mercado, o Binário acabou resultando no Letuce, no Rabotnik e no Tono, que são grandes nomes dessa nova geração. 

2 Responses to meu segredo é que sou rapaz esforçado

  1. Bom o trabalho do moço. Realmente é pena toda essa indústria cultural com seus Luans em cena. A imprensa tem medo do que não é espelho. E há uma expectativa pelo Fantástico para saber o que é bom ou não.
    Muito boa a entrevista.

  2. O som do Qinho é muito bom.

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