sem preconceito ou mania de passado

fotos: daryan dornelles
Nos últimos anos, uma nova geração de músicos cariocas ganhou destaque em blogs e jornais locais. Flertando em maior ou menor grau com a MPB e o indie rock, nomes como Cícero, Letuce, Tono e Do Amor, somados aos veteranos da Orquestra Imperial, configuraram a cena independente da cidade. Paralelamente, outros grupos também se desenvolveram e ganharam destaque, como o samba da Lapa, o Coletivo Chama e a cena experimental. Contudo, se é fato que esta última nunca teve grandes dificuldades em dialogar com seus colegas indies, também se tornou perceptível a quase ausência de diálogo entre os outros grupos. Ausência esta provocada, na maioria das vezes, por polêmicas e posicionamentos artísticos conflitantes.
É sobre estas e outras questões que conversamos esta semana com o cantor e compositor Fernando Temporão. O músico começou a sua carreira na Lapa em 2005, onde integrou o grupo Sereno da Madrugada, com quem lançou, em 2010, o álbum “Modificado” (Biscoito Fino). Dois anos depois, em parceria com João Callado, Fernando gravou o disco “Primeira Nota” (Biscoito Fino), com participações especiais de Mônica Salmaso, Teresa Cristina, Moyseis Marques, Áurea Martins e Marcos Sacramento. Em 2013, sob a produção de Kassin e Alberto Continentino e contando com a presença de Domenico Lancelotti, Donatinho, Stéphane Sanjuan, entre outros, o músico lançou seu primeiro álbum solo, “De Dentro da Gaveta da Alma da Gente”. O disco, de forte influência pop e facilmente inserível no nicho indie carioca, foi disponibilizado para download gratuito pelo Musicoteca.
Interessados em saber a respeito de sua experiência no samba carioca e de seu diálogo com seus colegas de geração, convidamos Fernando para uma entrevista ao Banda Desenhada. O músico nos recebeu em seu apartamento, no bairro do Jardim Botânico (RJ) e nos falou de seus tempos de Lapa, da cena da cidade e de seu álbum.

BD – Apesar da sua importância, a cena musical da Lapa sempre foi criticada por ser muito tradicional. Em algum momento de sua carreira isso chegou a incomodá-lo?

Fernando Temporão – Cara, já pensei tanto a respeito disso... É que existem vários vieses... A questão da Lapa pode ser analisada por diversos prismas, ela é bastante complexa e envolve diversos fatores. Primeiro, tem que se considerar que o Rio de Janeiro é uma cidade turística, conhecida internacionalmente, e a Lapa é uma de suas atrações. Então, isso faz com que a música feita na Lapa se cristalize. Os turistas vão para lá para ouvir um repertório bem específico. Eles não querem ouvir novidades. Querem ouvir Ary Barroso, Cartola, Paulinho da Viola, Ismael Silva, Dorival Caymmi... E as próprias casas do bairro orientam que você toque isso. Com raras exceções, elas não estão interessadas em repertório autoral. Além do Semente, que abriga algumas iniciativas, um outro espaço onde também se podem ver novidades é o Circo Voador, que não tem absolutamente nada a ver com a música tradicional do bairro. Então, os artistas da Lapa acabam tendo que arcar com este peso, porque eles precisam pagar as contas, né? Mas essa questão da música tradicional não afeta só os artistas de lá. De forma geral, isso é recorrente à boa parte dos músicos cariocas. A tradição, no Rio de Janeiro, sempre foi um empecilho para a renovação de sua música. Nesse sentido, os paulistas puderam ter um desprendimento maior. Por questões históricas, eles são musicalmente mais livres de certa responsabilidade em manter viva a tradição da música popular. Na Lapa, a impressão que eu tinha, com alguma frequência, era que estavam sempre cantando as mesmas histórias, como a do mulato que se apaixonou pela mulata no meio do salão... O Ary Barroso já falava disso nos anos 30! O samba carioca é bastante conservador e reativo ao novo. Ponto. É claro que houve algumas mudanças, mas não se pode, e talvez nem se deva, esperar algo muito diferente dele. O cavaquinho, o violão, o surdo... A instrumentação é muito definida. E mesmo as composições novas seguem certos padrões, abordando temas recorrentes. Mas as pessoas também precisam entender que o samba é uma cultura de resistência, sabe? Se você for ao subúrbio, verá que ele é um gerador de identidade importantíssimo. Envolve ancestralidade... algo que está para além da música. Então, temos que respeitar quem está nele. A Teresa Cristina, por exemplo, é uma compositora espetacular! De mão cheia. O Moyseis Marques é, para mim, um dos maiores cantores desse país. Maravilhoso. O problema é que por mais que o samba seja um gênero formado por diversas referências culturais, tanto africanas quanto europeias, o seu universo se tornou conservador. Por conta da necessidade de preservação. É compreensível, claro. Mas sofri muito com isso. Era frustrante... Eu discutia com os meus colegas, exigindo deles o que eles não podiam me dar. Todo mundo era muito preocupado com as tradições. A palavra que eu mais ouvia era respeito, respeito, respeito, respeito... nossa! Salve fulano, salve ciclano! Não aguentava mais! [Risos]. É importante que exista essa turma da preservação, mas não sou isso. Eu era muito ingênuo quando comecei. Estudava Ciências Sociais ali perto, no IFICS [Instituto de Filosofia e Ciências Sociais], e resolvi me meter no meio daqueles músicos. Foi uma época boa, comecei a trabalhar e a ganhar meu dinheiro. Conheci artistas maravilhosos, talentosíssimos, me envolvi verdadeiramente com o samba. Mas estava louco para fugir daquilo tudo, sabe? Sempre tive uma relação muito forte com o samba, e ainda tenho, mas, desde quando comecei a me apresentar na Lapa, eu também queria fazer outras coisas. Nunca quis fazer samba tradicional. Inclusive, o disco que lancei com o meu grupo, o Sereno da Madrugada, se chamava “Modificado”. Se você reparar, a sua sonoridade é completamente diferente dos outros discos daquela cena. Gravamos o “Samba a Dois” do Marcelo Camelo: [cantarola] “Quem se atreve a me dizer do que é feito o samba / Quem se atreve a me dizer”... fazíamos algumas provocações, sabe? Tudo muito embrionário. Lançamos o disco em 2010 e três ou quatro meses depois o grupo acabou. Nessa época, eu já queria fazer algo parecido com o que faço hoje. Mas eu ainda era musicalmente imaturo e não posso negar que esse universo conservador da Lapa me ajudou a ganhar experiência. Porque você tem que estudar, tem que tocar o instrumento muito bem e cantar afinado... O samba tem um rigor estético. O negócio é sério! [Risos]. E como eu comecei tarde na música, precisei de um pouco dessa disciplina para depois poder falar: “Agora posso seguir outro rumo”. Quando passei a me questionar artisticamente, me dei conta de que aquele nicho em que eu estava inserido era extremamente fechado e que precisava buscar outras coisas. A gente sempre espera que a arte seja dinâmica, né? Que ela se modifique com o tempo, que agregue coisas novas, se atualize... e, naquele ambiente, eu não conseguia me transformar, nem transformar a minha música. No fim, a questão era minha, e não da Lapa ou do samba.


BD – E como foi essa transição?

Fernando Temporão – Para mim foi muito natural. Porque, apesar dessa minha relação antiga com o samba, eu também acompanhava e era afetivamente ligado à MPB e à música pop. Por exemplo, acompanhei toda a carreira do Los Hermanos. Desde o primeiro disco. Fui aos seus shows ainda nos anos 90, no Ballroom. Em 2000, quando o +2 lançou “Máquina de Escrever Música”, eu fiquei louco, cara! E isso foi muito antes de trabalhar na Lapa. Pode ser que alguém que não me conheça direito acredite que eu tenha passado por uma mudança muito extremada, mas, para mim, foi bem natural. Eu cresci ouvindo Cartola e Paulinho da Viola, assim como Beatles, Bob Marley e Stevie Wonder. A música pop foi fundamental na minha formação. Além do mais, nunca soube fazer samba! [Risos]. No disco do Sereno da Madrugada, cheguei a fazer dois sambas com uma carinha meio pop... mas o outro compositor do grupo [Miguel Garcia] certamente compunha sambas muito melhor do que eu. Já o disco que fiz com o João Callado, eu colaborei mais com as letras do que com a música em si.

BD – Poderia falar um pouco mais sobre o “Primeira Nota”?

Fernando Temporão – Eu considero esse disco um importante trabalho de transição. As músicas de “De dentro da gaveta...” ainda não estavam prontas e eu vinha compondo com o João. Daí, pintou a chance de gravar esse disco. Achei ótimo. Ganhei experiência em estúdio e pude trabalhar ao lado de artistas que admiro. “Primeira Nota” é basicamente um disco de compositor. A gente fazia as músicas e depois pensava em quem iria cantar: “Pô, essa vai ficar linda na voz da Mônica Salmaso”. E convidávamos. Chamamos também a Áurea Martins, o Marcos Sacramento, o Moyseis Marques, a Soraya Ravenle e a Teresa Cristina. Só cantei cinco músicas. Foi ótimo trabalhar com o Jorge Helder, o Pretinho da Serrinha, o Edu Neves... são músicos maravilhosos. E o disco teve uma boa repercussão. Saíram várias matérias e críticas elogiosas. O João Callado é um artista brilhante, incrivelmente talentoso e que me ajudou muito. Mas, para mim, acabou sendo mais um trabalho de transição do que um definidor de estilo.

BD – Como foi essa sua aproximação com o Kassin? Essa parceria deve ter causado estranhamento para muita gente, não?

Fernando Temporão – Tudo foi muito simples, na verdade. Eu já havia feito algumas músicas para este disco e fiquei pensando em quem poderia produzi-lo. Sempre fui fã do trabalho do Kassin. Ia muito ao Ballroom, aos bailes da Orquestra Imperial. Então resolvi mandar um e-mail para ele, eu acho... Sei lá, não me lembro! [Risos]. O João [Callado] tocava no Acabou La Tequila e era da turma do colégio do Kassin. Eles eram amigos. Acho que foi ele quem fez a ponte. Enviei umas músicas e o Kassin me respondeu, disse que havia gostado e me chamou para conversar a respeito do disco. Ele é um cara sem preconceitos. Ouviu as músicas e curtiu. Nessa época, eu já estava compondo algumas coisas com o Domenico. Também havia o procurado e fizemos algumas parcerias. Não teve nenhum mistério. Escuto o som dessa galera há muitos anos. E sempre achei foda. É claro que alguns poderão estranhar essa aproximação, mas, com o tempo, consolidando a minha carreira e lançando mais discos, as pessoas perceberão melhor quais são as minhas preocupações musicais. Enfim... este é o meu primeiro disco solo. Acho complicado fazer um julgamento a respeito da minha aproximação com esta turma. Por exemplo, o Ed Félix, [editor] do [blog] Embrulhador, após publicar a lista dos 100 melhores do ano, me enviou um e-mail me perguntando: “Pô, cara, e os sambas? O que aconteceu com os sambas?”. Bem, ele acabou julgando o “De dentro da gaveta...” a partir dos meus discos com o Sereno e o João Callado. Ele esperava um disco de samba e, óbvio, não achou. Então, decidiu me cobrar! [Risos]. Sempre acreditei que o artista não pode ter medo da crítica. Não farei um disco de samba porque alguém decidiu que estou preso a este gênero. Não! Pelo amor de Deus! Imagina! Não posso procurar a minha turma?! Não posso mudar de rumo?! Não posso fazer o que me der na telha?! 

BD – Além desta questão de estilo, o “Primeira Nota” foi lançado por uma gravadora, a Biscoito Fino, já o “De dentro da gaveta...” foi independente... 

Fernando Temporão – Sim. Fui eu que fiz. Paguei do meu bolso. Havia guardado uma grana e, juntando com o patrocínio que descolei da AMIL, gravei o disco. Lancei na internet pela Musicoteca, fiz uma edição física e o pessoal da Tratore distribuiu. Eu precisava que as pessoas conhecessem o meu som! Por isso decidi colocar para download gratuito, para que todo mundo pudesse baixar. Nem conversei com as gravadoras. Foi uma opção minha.


BD – Diferente de outros discos lançados em 2013, como o do [Rodrigo] Amarante, [Marcelo] Jeneci e Lucas Vasconcellos, o seu é bastante solar...

 Fernando Temporão – Pois é, teve essa onda, né? Essas músicas que fiz para o “De dentro da gaveta...” são retratos do meu dia a dia, mesmo, falam sobre mim. Estou passando por uma fase maravilhosa. Saí da casa dos meus pais há uns três ou quatro anos, vim morar aqui e, durante a gravação do disco, me casei, viajamos em lua de mel e, quando voltamos, minha mulher engravidou. Estou passando por um momento muito bacana na minha vida, estou muito feliz e acho que as músicas refletem isso. São como instantâneos, sabe? Música é fotografia. E é legal que você seja feliz, pelo menos de vez em quando! [Risos]. Até “Melancholia” [Fernando Temporão/Mauro Aguiar] tem uma letra superfeliz! É uma ode ao otimismo,.em que peço para uma menina deixar a tristeza de lado e rir à toa.  

BD – Os arranjos também passam essa leveza...

Fernando Temporão – Sim, eles foram feitos em conjunto: eu mostrava as músicas no violão para o Kassin e o Alberto Continentino [co-produtor do disco] e eles ficavam ouvindo. E a gente achava um clima para a música. Teve uma coisa neste disco que foi meio louca: não houve ensaio algum! Nada! Chegamos ao estúdio com todos os músicos, microfonamos tudo e gravamos na hora. Eu mostrava as canções no violão, o Stéphane [San Juan] encontrava uma levada e gravávamos! 

BD – E isso não deu medo?

Fernando Temporão - Deu! Porque não tinha como prever o que iria acontecer e sempre fiz tudo muito ensaiado. Mas foi uma experiência muito bacana! Porque o ensaio, por outro lado, endurece um pouco o som, tudo fica muito ordenadinho, não dá margens para improvisos ou surpresas... 

BD  Mas e as cordas?

Fernando Temporão – Gravamos primeiro as bases, depois escrevi as harmonias para enviar para o [Arthur] Verocai. Mas o cara é um gênio! Nem precisou das partituras! Perguntei se podia mandar, mas ele só escutou as gravações e saiu escrevendo! De ouvido! A participação dele foi foda! Os arranjos ficaram lindos. Foi emocionante ouvi-los pela primeira vez no estúdio. Compus algumas músicas pensando em arranjos orquestrais e o Kassin já havia trabalhado com o Verocai nos discos do Jeneci. 

BD  E como tem sido o retorno do disco?

Fernando Temporão – Cara, ele foi lançado há pouco tempo, vai fazer quatro meses. Admito que fiquei um pouco preocupado em tê-lo disponibilizado no final de novembro... Os jornalistas já estavam considerando o ano finalizado, fechando as suas listas de melhores do ano e não é fácil conseguir espaço para divulgação. Mas o retorno está sendo ótimo. O disco acabou entrando em várias listas. E eu achando que não ia entrar em nenhuma! [Risos].  Mas, por sorte, muitos discos bons também foram lançados no final do ano, o da Verônica Ferriani [“Porque a boca fala aquilo do que o coração tá cheio”], o da Iara Rennó [“IARA”], o do Lucas Vasconcellos [“Falo do Coração”], o do Castello Branco [“Serviço”], o do Amarante [“Cavalo”]... [pensativo] Eu sou um cara muito otimista, sabe? Não tenho pressa. Vou continuar compondo, cuidando da minha carreira... ainda tenho que trabalhar mais esse disco. Eu gosto muito dele! É redundante falar isso, mas acredito que “De dentro da gaveta...” tenha um potencial enorme. Ele precisa aparecer mais, ser mais ouvido. Mas é complicado sair do eixo Rio-São Paulo. Fiz dois shows de lançamento no ano passado, um no Solar de Botafogo e outro no Studio RJ. Este ano, fiz um no [Espaço Cultural] Sérgio Porto e agora vou para São Paulo. Quero circular bastante com este disco e fazer muitos mais shows no Rio.

BD – O que é um pouco complicado, não? Todos reclamam da falta de espaços na cidade...

Fernando Temporão – Pois é... Mas os artistas daqui estão começando a se organizar, a se reunir para discutir essa situação. Eu acho essa nova geração muito foda. O pessoal do Tono, o Lucas [Vasconcellos] e a Letícia [Novaes], a Alice Caymmi... O que é a Alice, cara? Aquela voz! Ela tem uma potência, uma determinação... O [Negro] Leo também é um cara artisticamente importantíssimo para a cena. Uma figura assim não surge todo dia. Ele é muito corajoso ao se propor a fazer um tipo de arte que dificilmente atrai dinheiro, público ou mídia. Todos têm uma preocupação real com seu trabalho e a integridade artística. E isso não é pouca coisa. Então, está rolando uma parada bem legal na cidade. É uma turma que dialoga bastante entre si, que tem o desejo de se comunicar e que compartilha de alguns signos em comum.


BD – O grande problema parece ser conseguir sair do nicho indie, não? De conseguir mais visibilidade...

Fernando Temporão – Eu me preocupo muito com isso. Não faço música para guetos. Quero me comunicar com todas as pessoas. Eu admiro o Marcelo Jeneci por causa isso. Ele faz música pop. Uma música pop de qualidade. É importante que haja artistas que busquem esse poder de síntese, de traduzir o complexo através de um formato simples. É possível ser pop e não ser banal. Aliás, historicamente, até ao final da década de 90, o mainstream era foda! O pop na década de 60 era tanto os Beatles, [Rolling] Stones e [Jimi] Hendrix quanto a bossa nova do Tom [Jobim]. O pop já comportou liberdade artística, já foi desafiador e isso precisa voltar a ser feito. Na década de 80, mainstream era Michael Jackson e Madonna, U2 e etc. No Brasil tínhamos a MPB no mainstream, além do rock de Cazuza, Paralamas [do Sucesso], Legião [Urbana]... Isso era o que hoje é o “tchê tchê rere” [“Balada”, hit de Gusttavo Lima]. Há um elo perdido aí. Em algum momento recente, a música de massa, que claro, sempre teve representantes banais, passou a ser essencialmente banal! É por isso que sempre falo em Dorival Caymmi. Ele é o máximo para mim. Dorival fazia sambas com quatro acordes! As suas letras e melodias eram simples. Mas não havia simplicidade nenhuma naquilo ali. Suas músicas eram riquíssimas. É muito difícil alcançar essa qualidade, de conseguir sintetizar as ideias mais complexas e entregá-las ao público de uma forma clara. O Tom Jobim também fazia isso. Embora tivesse uma erudição musical muito grande nos arranjos e nas harmonias, boa parte de suas melodias são assobiáveis e as letras dele e as de seus parceiros são fáceis de serem compreendidas: “É você que é feito de azul / Me deixa morar nesse azul / Me deixa encontrar minha paz / Você que é bonita demais” [“Só Tinha De Ser Com Você”, de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira]... Não tem nenhuma complicação! Tom era um maestro, mas um maestro que falava simples. Para mim, a complexidade pela complexidade não faz sentido, só é efetivamente complexa se consegue ser simples ao mesmo tempo. São ideias que parecem opostas, mas são complementares. O Chico Buarque é extremamente complexo. E simples. Por isso é um gênio, por ter a capacidade, que o Caymmi tem, de traduzir as coisas. Um artista que escreve letras herméticas e enche sua música com harmonias impossíveis de serem executadas não me diz absolutamente nada. Porque, no fundo isso é muito fácil ser difícil. Qualquer um que estuda música, que estuda harmonia, pode criar algo assim. É meramente matemático. Difícil é você saber música pra caralho, dominar ou não toda essa técnica, e conseguir criar algo humano, simples, e, ao mesmo tempo, rico. O Caymmi fazia isso de forma magistral. Essa é a minha maior preocupação quando faço música. Digo isso porque não tenho a menor vergonha em ser pop, em dizer que faço música pop. Quero me comunicar pra caralho! [Risos]. Mas sem abrir mão da minha complexidade e dos ganhos com os meus estudos. O que não pode haver é esse preconceito burro, mesquinho e elitista. Eu cresci em um mundo pop, ouvindo música pop, entende? É disso que eu gosto. 

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