todos os rumos

fotos: daryan dornelles


Todos já ouviram até a exaustão a respeito da crise que, há mais de uma década, assolou o mercado fonográfico. Entre discursos alarmistas e outros tantos pragmáticos, o que ficou claro é que, de fato, a época de ouro das grandes gravadoras havia chegado ao fim. Ao longo dos últimos anos, em meio ao encolhimento do mercado, foi bastante perceptível a atuação das majors para manter seu status: desde o enxugamento de seu casting, passando por uma feroz e ainda presente guerra contra a pirataria e a terceirização e reestruturação de suas funções. Vivendo um processo de reconfiguração, onde tanto a produção quanto a circulação e o consumo foram alterados, a indústria musical tradicional viu surgir novos modelos de negócios provenientes da ascensão de poderosas corporações de serviços online, que, por sua vez, possibilitaram o crescimento de um mercado independente até então bastante precário no país. Com modelos de negócios alternativos e a utilização de ferramentas digitais acessíveis – como as rádios online, podcasting, streaming e plataformas como MySpace, YouTube e Facebook – artistas independentes, pequenas gravadoras e outros agentes culturais ganharam visibilidade. Sem esperar pela antiga infraestrutura das majors e o lucro proveniente da venda de CDs, uma nova geração de artistas assumiu o controle da produção e distribuição de seus álbuns, passando a rentabilizar suas músicas através de shows e da sua utilização em publicidade, trilhas sonoras de filmes e games. Assim, paralelamente à parcial perda de força das grandes gravadoras, os editais de fomento à cultura adquiriram enorme importância juntamente com os financiamentos coletivos, o que colaborou para que produtores e assessorias de imprensa obtivessem um papel de destaque no cenário atual.
Mesmo que ainda seja possível questionar a real democratização dos meios de difusão de música no país, tornou-se evidente que apenas com as mudanças ocorridas nos últimos anos foi possível o surgimento e o êxito de nomes como Criolo, Marcelo Jeneci, Tulipa Ruiz, Karina Buhr e Cícero, bem como a consolidação de gravadoras de pequeno e médio porte, distribuidoras independentes, coletivos e sites alternativos especializados na divulgação desses artistas.
É sobre este e outros assuntos que conversamos com o cantor e compositor paranaense Bruno Morais. Vindo do teatro, atuou em 1997 na montagem “Alice Através do Espelho”, da companhia de teatro Armazém. Dois anos depois, formou a banda Madame Brechot, onde interpretava clássicos do samba, soul, funk e samba jazz. Gravado entre Londrina e São Paulo, onde vive atualmente, Bruno lançou em 2005 seu primeiro álbum, “Volume Zero”, contando com as colaborações do duo Drumagick, Suely Mesquita, André Verselino, Zé Nigro, Rafael Fuca e do produtor Wendl (Kronk). Nesse mesmo ano, durante o período de divulgação do disco, foi selecionado para integrar o projeto Red Bull Music Academy, em Seattle. Lá, conheceu e realizou parcerias com importantes nomes como os produtores Leon Ware (Marvin Gaye, Quince Jones, Maxwell), XXXChange (Spank Rock, The Kills) e Vitamin D (Gift of Gab, Abstract Rude). Antes de voltar ao Brasil, fez ainda uma pequena turnê em Chicago, tocando em palcos da cena underground da cidade. Já em São Paulo, começou a produzir, ao lado de Guilherme Kastrup, o seu segundo disco: “A Vontade Superstar” (YB Music), lançado em 2009. Nesse mesmo ano, fez uma participação especial no álbum “Na Boca dos Outros”, de Kiko Dinucci. Em 2010, lançou o single “Bruno Morais no Estúdio A” e, no ano seguinte, “Bruno Morais no Estúdio A.2”, onde regravou “Sorriso Dela”, de Erasmo e Roberto Carlos. Disponibilizados para download gratuito, também tiveram versões em compacto. Auxiliando Pipo Pegoraro na produção de seu segundo álbum, “Táxi Imã” (YB Music), Bruno foi um dos responsáveis pela  formação da banda de afrobeat Bixiga 70. Em 2012, o músico lançou “A Vontade Superstar” em vinil e assinou contrato com a gravadora inglesa Black Brown & White, responsável por lançar, no mesmo ano, na Europa, o seu segundo álbum. Bruno recebeu boas críticas e destaque em diversas publicações estrangeiras, como The Guardian, Mojo, Le Monde, Les Inrocks e Spiegel Kultur. Ainda em 2012, participou, ao lado de Lulina, do projeto Lado A Lado B, lançando mais um compacto virtual.
Preparando-se para uma turnê europeia e as produções de mais um compacto e de seu próximo álbum, Bruno veio de férias para o Rio no início deste ano. O Banda Desenhada, aproveitando a chance, o convidou para esta entrevista, realizada no Estúdio Fotonauta, no bairro da Glória.

BD – Tive dificuldades em encontrar o seu primeiro álbum para download. Ele é um trabalho renegado? Alguns de sua geração costumam olhar com certo constrangimento para a produção inicial...

Buno Morais – Não, absolutamente. Eu só não o trabalhei muito. Foi basicamente isso. Como o próprio título já indica, ele é o meu volume zero, anterior ao primeiro disco, o “A Vontade Superstar”. No “Volume Zero”, eu ainda não me sentia músico, não me sentia capaz... queria saber se o meu trabalho poderia ter alguma relevância. Afinal, a princípio, eu era apenas um cara que ouvia muita música e, sem grande disciplina, colecionava discos. Eu tinha contato com muita coisa que quase ninguém conhecia em Londrina e estava sempre querendo saber quais seriam os próximos lançamentos. Nessa época, estava fazendo teatro com uma turma descolada, a [Companhia] Armazém [de Teatro]. Fizemos um espetáculo de sucesso na cidade, o “Alice Através do Espelho” e chegamos a nos apresentar por aqui. Mas acabei desistindo disso tudo e comecei a compor e montar as minhas bandas. Só que era muito inseguro... as minhas referências e os meus parâmetros eram muito altos, sabe? Nas bandas em que participei, eu era sempre o cantor que “putz, está desafinando!”... Queria ser o Tim Maia! [Risos]. E, por conta disso, tive um monte de nóias! Não toco nenhum instrumento e sempre fui muito intuitivo. Acabei me vendo apenas como um cara de boas ideias, capaz de juntar pessoas interessantes que dão um bom caldo. Sempre tive uma cabeça meio de produtor. Então quis experimentar isso, já que, aos poucos, as bandas foram acabando e eu não queria voltar ao teatro. Mostrei algumas coisas para o Filipe Barthem [baixista e produtor] e o Julio Anizelli [engeneheiro de áudio e produtor]. Eles são duas feras, e estavam montando um estúdio lá em Londrina. Daí, o Filipe me disse: “Olha, Bruno, se você quiser ficar aqui, ajudando, lixando a parede, servindo cafezinho e tals, gravamos o que você quiser. Assim podemos experimentar a sala e os equipamentos”. Então, fui fazendo o disco meio nesse esquema. Eu gravava 30 takes de guitarra e não deixava apagar nada! [Risos]. Os técnicos ficavam loucos comigo. Gravava 50 takes diferentes de baixo! Convidei um amigo, o Jr. Deep, do Drumagick, para mapear o disco, loopar algumas coisas que já estavam gravadas e escolher comigo uns takes. Queria que essa demo soasse como uma suíte. Pretendia gravar apenas cinco das vinte canções que eu tinha. Saí de Londrina e me mudei para São Paulo com o disco todo gravado, mas ainda não era aquilo que queria. Ele estava bonito, tinha uma onda meio soul, meio bossa nova... era tudo muito discreto. Não conhecia praticamente ninguém na cidade, então fui metendo as caras. Até que cheguei no Wendl, um puta produtor, meio recluso, muito amigo do Drumagick. Eu queria que o disco tivesse um clima de trip hop e o Wendl gostava de rock industrial, de Nine Inch Nails, dessas coisas. Falei então para ele: “Pega esse disco e estraga tudo! Suja, muda os beats, troca a bateria por bateria eletrônica, faça o que você quiser!”. [Risos]. Eu só fiquei ali assistindo, vendo como era produzir um álbum de verdade. Achei superinteressante o que ele estava fazendo e decidi que essa demo seria o meu primeiro álbum. Juntei uma grana, prensei mil cópias e saí por aí pelas redações levando o disco. Queria que a minha história com a música tivesse alguma conclusão, sabe? Algum resultado. Então entreguei meu CD para alguns jornalistas de veículos que eu consumia e admirava para que eles ouvissem e me dissessem o que achavam. Eu entrava no meio das redações e perguntava: “Quem é o editor de música? Fulano? Toma aqui meu disco”. 

BD – E funcionou?

Bruno Morais – Funcionou! [Risos]. Depois encontrei uma amiga que trabalhava nessa área e ela me disse: “Como você fez isso?! Não é assim que se faz! Está doido? Acabou de ferrar com o seu lançamento!”. Bem, eu pensei: “Foda-se, agora já era e eu queria muito que eles ouvissem”. Não pretendia voltar a trabalhar como garçom de novo... porque da primeira vez que fui morar em São Paulo, passei um bom tempo trabalhando no [restaurante] Santa Gula. E, bem, a minha estratégia funcionou! Não saíram grandes matérias, mas todos os jornalistas escreveram a respeito. Até alguns para quem eu não havia mandado o disco! [Risos]. Então, não tenho o menor problema com o “Volume Zero”. Eu o acho excelente! [Risos]. Mas quando o lancei, senti que ele já não me representava tanto. Intencionalmente, guardei as melhores composições para o disco seguinte. Já deveria ter mais umas 15 músicas prontas e outras dez inacabadas... Então, o “Volume Zero” foi mais um trabalho de experimentação, de aprendizado e de descobertas.


BD – E o Red Bull Music Academy? Ele parece ter sido muito importante para impulsionar a sua carreira…

Bruno Morais – Pois é... estava querendo divulgar o “Volume Zero” no exterior e acabei esbarrando com o Red Bull Music Academy. Preenchi um formulário complicadíssimo. Era algo do tipo: “Desenhe algo que represente a sua música” ou então perguntas como “o que você sabe fazer bem?” ou “qual foi a coisa mais engraçada que aconteceu com você esta semana?”. Era meio assim. Eles queriam saber se você era um cara legal e se o seu trabalho era interessante. O objetivo do Red Bull Music Academy é descobrir, todo ano, pelo mundo afora, novos nomes que eles acreditam ter potencial para se tornar grandes artistas. Eles fomentam um intercâmbio superinteressante e muito bem articulado. Botam vários medalhões da música para ficar trabalhando em estúdios montados em algum lugar do planeta. É uma Disneylândia de equipamentos! [Risos]. E rola uma hierarquia horizontalizada. É tudo muito livre, você faz o que quiser. Aí fui o escolhido para representar o Brasil. Olha onde fui parar! [Risos]. Foi um atalho enorme para a minha carreira. Mas eu menti na inscrição. Um dos pré-requisitos era saber inglês! E eu não sabia nada! Então foi uma puta cara de pau da minha parte! A intenção do projeto é que você vá e interaja, que grave e conheça as pessoas, que você se descubra, que você brilhe! [Risos]. E para isso acontecer, você tem que ter alguma fluência no inglês. Fiquei três semanas tendo aulas com a Blubell. Porque precisava de uma professora que também fosse musicista, que soubesse os termos técnicos. Fizemos uma listinha de frases que eu deveria falar quando estivesse trabalhando nos estúdios. [Risos]. Bem, chegando lá, no primeiro dia houve as apresentações. Eu sentei ao lado de um português e pedi pra ele traduzir o que estavam falando. Todos precisavam ir à frente e fazer uma mini-lecture, dizer como era o seu processo de criação e etc. Quando chegou a minha vez, fizeram umas cinco perguntas até perceberem que eu não estava entendendo nada! Voltei para a cadeira envergonhadíssimo! Eles então continuaram explicando que todo ano o Red Bull Music Academy convida uma lenda viva da música para integrar o projeto. Dessa vez, era um cara de cartola e de óculos que ficou sentado lá na frente, um tal de Leon Ware. À noite, saí para beber e acabei encontrando o tal do medalhão sentado em um bar tomando uísque. Como eu já estava meio bêbado, cheguei lá e falei em um inglês macarrônico: “Tudo bem, Leon?” e dei meu CD. Eu era um dos únicos participantes que havia lançado um disco. Realmente não sabia quem ele era. No dia seguinte, me contaram que o Leon estava falando de mim. Foi uma loucura! Pedi então para o português me explicar afinal quem era esse cara. Ele me falou: “Veja no Google!”.  Fui ver e... Caralho! Ele havia produzido “I Want You” [1976] um disco do Marvin Gaye que eu amo! Além de ter composto "I Wanna Be Where You Are", gravada pelo Michael Jackson. Ele é um dos maiores nomes da soul music! Então ganhei um puta respaldo. E a adrenalina fez o meu inglês brotar. [Risos]. As aulas da Blubell fizeram efeito e a minha timidez foi passando. Nesse mesmo dia, eu e o Leon compusemos uma música. Ficou linda. Mas até hoje eu não a lancei. E nem sei quando vou lançar. 

BD- Como assim?! Nem em single?

Bruno Morais – Ela não se encaixa em nenhum contexto. E eu queria lançá-la em um momento especial. E o Leon concorda comigo. A gente se fala até hoje, pelo Skype, e damos boas risadas. 


BD – Foi dessa experiência com o Red Bull Music Academy que surgiu o “A Vontade Superstar”?

Bruno Morais – Na verdade, o "A Vontade Superstar" já estava sendo gerado antes de ir para o Red Bull Music Academy. Mas aquele ambiente era perfeito para agir, botar as ideias na roda e começar o processo. Eu gravei três bases-demos lá e depois, quando voltei, dei continuidade, gravando outras com músicos daqui. Ia às casas e aos estúdios dos amigos e ficava compondo, experimentando e gravando. Somente em 2008 eu consegui juntar tudo o que havia feito. Era uma caixa de sapatos cheia de CDs e DVDs, com coisas gravadas em vários cantos do mundo e do Brasil. Mostrei pro Guilherme Kastrup aquelas sessions desorganizadas e decidimos editar e arrumar tudo para fazer daquele material um álbum. Praticamente 60% do disco já estava pronto. Depois disso entrei com o Kastrup, o Zepa, o Ricardo [Prado] e o Guizado no Estúdio da YB e gravamos o que faltava. Enfim, o Red Bull Music Academy acabou sendo um impulso, mas ainda levei praticamente dois anos pra finalizar o álbum.

BD – Você é um dos poucos da cena atual que tem uma clara influência de bossa nova. Além disso, o seu trabalho flerta bastante com o samba e o samba-jazz. É bastante interessante, porque, praticamente, ninguém da sua geração cita Tom Jobim ou João Gilberto como influência... 

Bruno Morais – Eu percebo que as pessoas acham a bossa nova meio boring, não piram ou não têm uma ligação muito forte com ela. A bossa tem essa aura classuda e requintada da qual alguns artistas querem se esquivar. Mas acho que eu tenho um jeito meio punk e nem um pouco virtuoso de pensar a bossa nova. [Risos]. Não sei. Possuo um gosto muito específico. Como já disse, sempre colecionei música e ouço as coisas que me interessam. E a bossa nova foi muito importante pra mim. Sempre fez parte da minha vida. De forma bastante espontânea. É raro eu ouvir uma gravação do João Gilberto e não ficar muito emocionado, com os olhos cheios de lágrimas. O seu silêncio, o seu comedimento ao cantar, tem uma força muito grande. Às vezes, dizer alguma coisa bem baixinho e com calma é muito mais violento do que gritar. A bossa nova tem esse ar de requinte, mas o principal para mim é a questão da mensagem, da comunicação. A sinceridade em suas músicas e nas letras é que tornou a bossa nova importante para mim. Realmente não acho que ela tenha ficado velha, como alguns dizem. O problema é que, nos anos 90, ela foi tão explorada que chegou à exaustão. Ninguém aguentava mais ouvir falar em bossa nova! As pessoas se cansaram. É algo cíclico, sabe? Daqui a pouco pode ser que o tropicalismo saia de moda... Não acho certo seguir tendências. Não adianta, se não é aquilo que você realmente quer fazer ou dizer. Se o seu som é a coisa mais careta do mundo, faça! Vai funcionar! Se for bonito, sincero, de verdade, vai tocar as pessoas. Eu acredito muito nisso, nesse encantamento... Bem, além da bossa nova, o samba de raiz também mexe bastante comigo... a minha mãe adorava. Ela ouvia muito Martinho da Vila. Tínhamos todos os seus discos lá em casa. E, a partir daí, fui ouvir Paulinho da Viola, Monarco e a Velha Guarda da Portela. E Jorge Ben Jor! Eu adoro os seus discos, principalmente “Ben é Samba Bom” [1964] e “A Tábua da Esmeralda” [1974]. O primeiro, tem umas orquestrações fantásticas, lindas! Eu queria muito ter regravado “Descalço no Parque”. Os arranjos de “Ela e os Raios” [“Bruno Morais no Estúdio A”] é toda inspirada em “Cinco Minutos” [faixa de “A Tábua da Esmeralda”]. Tenho uma identificação forte com o discurso sonoro do Jorge Ben Jor, as letras curtas, a harmonia, os arranjos... A influência dele é determinante para o meu trabalho. E de João Gilberto e Monarco também.

BD – As suas referências são bem cariocas...

Bruno Morais – Será?...Verdade. Mas, afinal de contas, boa parte da produção musical brasileira vem daqui do Rio, né? Engraçado... nunca parei para pensar sobre isso. De fato, nunca fui muito ligado à música produzida em São Paulo. Por mais que eu seja de Londrina e o Arrigo [Barnabé] também, eu realmente não pirei quando ouvi “Clara Crocodilo” [1980]. Mas ele é um puta músico, sensacional, com um trabalho importantíssimo. Só estou começando a ouvir a vanguarda paulistana agora. Apesar de sempre ter gostado do Rumo. Ná Ozzetti é sensacional, a sua voz é uma das mais lindas que eu já ouvi na vida. Além disso, para mim, o Rumo tem um caráter mais pop, flertando um pouco com a música que se fazia no Rio de Janeiro. 


BD – Então cabe a pergunta: por que escolheu morar em São Paulo?

Bruno Morais – São Paulo tem muito mais espaços para você tocar e mais pessoas interessadas em seu trabalho. Quando me mudei de vez para lá, algo já estava acontecendo na cidade, era perceptível. Todos tinham a noção que alguma coisa ia sair dali. Dava para sentir na pele. Enquanto no Rio, eu não conseguia conhecer as pessoas. Ia aos shows e elas eram distantes. Já em São Paulo, eu ia ao show de alguém que gostava, entrava no camarim e já trocava ideias. Não só era mais legal como mais fácil. Aqui, quem eu queria conhecer já era muito famoso, o acesso era difícil. Já em São Paulo, eu era fã de uma galera independente. Ainda não conhecia muito bem o trabalho da Orquestra Imperial, apesar do Kassin, Domenico e Nina [Becker] serem bastante acessíveis. A banda Do Amor também. São artistas muito bacanas e generosos. Mas eles também viviam tocando em São Paulo, por conta dos espaços e das oportunidades que apareciam por lá. Então, a minha mudança foi muito natural e espontânea. As coisas foram acontecendo.

BD – Tem algo de interessante na sua geração que pouco se via antes: mesmo sendo majoritariamente independente, a sua produção é nitidamente pop, podendo, sem muitas dificuldades, tocar em rádios e novelas. Alguns jornalistas chegam mesmo a falar que já não há grandes diferenças, inclusive estéticas, entre a cena independente e o mainstream... 

Bruno Morais – Na verdade, gostamos mesmo de música pop! Ela possui um caráter aglutinador muito interessante e é cheia de possibilidades. Mas também gostamos de um monte de coisas complicadas, cabeçudas e experimentais. E, hoje em dia, ser independente não é mais uma posição política, mas sim uma possibilidade, uma opção de trabalho que pode dar certo. Por exemplo: Você é músico, compõe, acha que o seu som está ficando legal, então grava e disponibiliza, sem grandes pretensões e sem se importar muito se uma multidão irá ouvir ou gostar. Mas como isso demanda tempo e esforço, você também espera que aquilo se torne um job, um trampo. Afinal, a sua música é um tipo de produto que você deseja que dê algum retorno. Porque se você não vender, terá que trabalhar em outra coisa. A música toma muito tempo, sabe? Tem a hora do estudo, da criação, do ensaio, da gravação... Você acaba sendo seu próprio produtor e assessor. Então não dá para ter outros empregos. No máximo, uns bicos. É importante que a sua música chegue às pessoas e que você ganhe algo com isso. É a sua arte, mas também é o seu produto. E está tudo dentro de um pacote. Alguns da minha geração até podem estar em gravadoras, mas o ponto de partida hoje em dia não é mais como antigamente, onde um caçador de talentos te descobre e fala: “Vou mudar a sua vida. Vou tirar você desse boteco e dar uma grana pra gravar em um puta estúdio e te lançar”. Isso é uma coisa que não existe mais. Hoje é exatamente ao contrário. Você vai lá e pira o cabeção, faz uma demo, mostra para alguém e este alguém investe em você porque acha o seu som do caralho e acredita que será um bom negócio. Eu creio que seja o que acontece com a maioria esmagadora das pessoas que fazem música hoje no mundo, como no caso da Tulipa [Ruiz] com a Natura Musical.  Eles ouviram seu primeiro álbum, viram seu show e, com certeza, devem ter pensado: “Uau! Vamos apostar nessa menina porque ela é sensacional, tem um potencial enorme”. E nós, desta geração, dependemos muito destes investidores para colocar nossos trabalhos no mercado. Precisamos deles para acontecer. Mas, antes de tudo isso, já tínhamos nossas músicas, nosso som. A vontade de lançar um disco parte exclusivamente de nós. Estamos vivendo realmente outro momento. Há, atualmente, diversos filtros. Não temos mais apenas cinco gravadoras ditando o que todos devem ouvir. Você tem milhões de selos, de pequenas gravadoras e de outras tantas ferramentas para divulgar a sua música. E isso é ótimo. De outro jeito, nós não teríamos conseguido mostrar nossos trabalhos. Nos últimos anos, surgiram novas formas de negócios, e cada uma delas com características muito próprias, com custos e benefícios bem específicos. Isso trouxe uma liberdade enorme para nós, sabe? Você quer lançar um disco? A gente grava aqui com o seu celular e disponibiliza na internet! E se alguém comprar a ideia e nos contratar, pagando uns trinta contos, podemos fazer um show aqui no bar da esquina! Quando eu comecei, quando lancei o “Volume Zero”, era um caos, ninguém sabia o que iria acontecer. Agora as pessoas continuam não sabendo, mas surgiram algumas opções para você negociar seu trabalho. Quando lancei “A Vontade Superstar”, ainda não era possível imaginar o que aconteceria um ano depois, quando o [Marcelo] Jeneci, a Tulipa e a Karina [Buhr] estouraram. 2010 foi incrível! O sucesso desses artistas, fez com que acreditássemos que realmente existia outra via. Porque, até então, a gente achava que... eu sabia, desde o “Volume Zero”, que estava entrando em um mercado que estava aos pedaços, que seria uma aventura eterna. Eu estava pronto para isso. Pronto pra viver nessa montanha russa que é ser um artista independente.





BD – Por sinal, a produção de vocês é, no mínimo, enlouquecedora: alguns lançam até mesmo dois álbuns por ano, enquanto outros demoram quase meia década...

Bruno Morais – Eu não consigo ser tão prolífico. [Risos]. Até gostaria de ser como alguns amigos, como o Kiko [Dinucci], por exemplo. Ele participa de 1500 projetos e grava um monte de discos! É um herói! Eu não consigo! [Risos]. Fico anos na intenção. Minhas letras são curtas, as melodias são pequenas, mas a minha música não é só isso, sabe? Quando termino uma canção, ela já vem com uma ideia esboçada de arranjo de cordas ou com a linha de baixo praticamente pronta. Não acredito mais na canção pura. O arranjo me permite expressar diversas ideias que não estão contidas na melodia e na letra. Afinal, são sempre as mesmas 12 notas e a nossa poesia já foi vastamente explorada. Eu quero construir uma imagem, um cenário. Só sei fazer música desse jeito, e é por isso que demoro tanto para lançar meus discos. Mas estou fazendo um monte de compactos! Tem algumas coisas que quero gravar e que acho que tem mais a ver com este formato. Então, estou preferindo trabalhar em duas músicas a trabalhar em um álbum completo. E isso serve para me manter conectado com o público, com quem gosta do meu som. Também tem um pouco a ver com a forma como as pessoas consomem música hoje em dia, de forma avulsa. Então, vou metendo minhas músicas nos iPods alheios! [Risos]. Os compactos não são produtos que super-rendem, mas, por conta deles, montei um show novo, o “Tudo em Vinil”, com um naipe de metais e participações especiais. Ainda vou lançar outro single este ano, terá um poema musicado e uma composição de um artista que eu gosto muito e que ainda não gravei. É surpresa. Bem, outro motivo para estar demorando tanto para gravar um disco novo é que o “A Vontade Superstar” ganhou um fôlego extra ao ser lançado na Europa no ano passado. Fui contratado por uma label, a Black Brown & White, e o próximo passo será lançar o “A Vontade...” nos Estados Unidos. Eles estão superempolgados por lá. Devo ir para a Europa no verão para divulgar o disco. Então, só devo começar a gravar o álbum novo em maio, mas posso demorar um, dois ou três anos... [Risos]. Isso se eu não morrer antes! [Gargalhadas]. Vai que eu escorrego numa casca de banana ali e... [Risos]. Se chegasse agora ao céu, ficaria feliz pra caralho por ter feito tanta sonzeira! Toquei com muita gente que admiro! Sairia de cena satisfeito, com a sensação de que fiz exatamente tudo do jeito que queria. Eu fui até o fim, sabe? Tenho conseguido realizar meus sonhos e ainda fiz um dinheirinho com isso. Estou bem feliz [sorrindo].


http://www.brunomorais.co.uk/
https://soundcloud.com/brunomorais

2 Responses to todos os rumos

  1. Anônimo :

    Excelente entrevista, onde eu encontro o álbum "Volume Zero"?

  2. Anônimo :

    Também estou procurando o primeiro álbum do Bruno. Sua voz é incrível, doce e marcante... melodias lindas! Com certeza um talento ímpar!

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