de volta ao seu penhasco

fotos: daryan dornelles
Crise, crise, crise. Crise aos borbotões: crise fonográfica, crise cultural, crise criativa. Pelo menos essa é a lamúria que se vem ouvindo há praticamente uma década nas mídias brasileiras. Diversas vozes já se levantaram indignadas com a qualidade da atual produção musical. Como em um mantra, ouve-se a mesma fala: não há um novo Dorival Caymmi, nem um novo Tom Jobim ou mesmo um novo Chico Buarque. Mas talvez caiba aqui uma indagação: será realmente necessário o surgimento de artistas que sejam tão miméticos a esses grandes nomes? O fato é que vivemos novos tempos, com outra dinâmica, outros valores, outras inquietações e, consequentemente, outro discurso. A nova geração da música popular brasileira, mapeada pelo Banda Desenhada há quase dois anos, ainda está dando seus primeiros passos se a compararmos com as carreiras de nomes consagrados, como Caetano Veloso ou Paulinho da Viola. Certamente, ainda demorará algum tempo para dizermos, por exemplo, que tal cantora é a maior do país, como outrora foram Marisa Monte, Gal Costa, Elis Regina e Dalva de Oliveira. Além disso, como negar a prolificidade de nossa música contemporânea? De forma totalmente independente, dezenas de artistas de diversas partes do país surgem mensalmente, lançando álbuns e fomentando a cena nacional. Uma cena atípica, surgida em um momento de crise que transcende meramente a questão do mercado fonográfico. Ganhando força em tempos de total questionamento da identidade – seja regional, nacional ou mesmo estética –, a atual geração possui um leque de referências que muito pouco se assemelha ao que até então se tinha como modelo na MPB, destacando-se pela identidade plural, por vezes amorfa e inacabada, em constante processo de construção. Talvez ainda seja um pouco difícil para ouvidos mais tradicionais chamar de MPB os trabalhos de alguns artistas, como Jair Naves, Rafael Castro, Thiago Pethit, Holger, Nevilton, Banda Uó ou Macaco Bong. Entretanto, na falta de um termo melhor, todos estes certamente fazem parte da atual música popular brasileira. Música esta que já não mais se abala com a pressão da indústria cultural ou o crivo midiático que até pouco tempo dava as coordenadas para toda a produção do país.
Todas estas tensões talvez tenham se concentrando mais fortemente em um dos mais novos nomes da neoMPB: Alice Caymmi. Filha de Danilo, sobrinha de Nana e Dori e neta de Dorival Caymmi, a cantora tem em si um dos maiores legados da música brasileira, além de todas as inquietações características de sua geração. Entre elas, a que tange o processo criativo: como desenvolver um trabalho autêntico e que traduza um momento tão singular como o atual sem, necessariamente, romper com suas raízes? Este questionamento também é pertinente aos seus colegas de geração, onde a busca por uma linguagem própria só é validada através de um conflito benigno entre o passado e o presente.
Estudante de artes cênicas, Alice iniciou a sua carreira aos 11 anos, ao gravar “Seus Olhos”, um dueto com sua tina Nana. Em 2012, lançou seu primeiro trabalho solo, “Alice Caymmi” (Kuarup). Nele, além de composições próprias, a cantora regravou “Sargaço Mar”, de Dorival Caymmi, e “Unravel”, de Björk, e apresentou “Arco da Aliança”, uma parceria sua com Paulo César Pinheiro. Convidada para esta entrevista, realizada em um café na zona sul carioca, Alice nos falou a respeito de suas apreensões artísticas e de seu processo criativo, além de abordar temas pertinentes à sua geração.

BD – Como é ter sobre si o peso do sobrenome Caymmi? Além de seus tios e seu pai fazerem parte da história da música popular brasileira, seu avô, sem dúvida nenhuma, é uma das figuras mais icônicas de nossa cultura...

Alice Caymmi – É engraçado... O peso do ícone só aparece quando não estou trabalhando. Se eu pensasse nisso durante o meu processo criativo, não sairia nada, ficaria em vão tentando me sobrepor a uma pessoa que já não está mais aqui, que viveu e produziu em outra época, em outras circunstâncias. Ou então faria um trabalho saudosista demais, recorrendo a essas referências do passado. Eu penso muito no agora, no que me cerca e no que estou vivendo, nos meus amigos, nas minhas relações. Na verdade, só paro para pensar no que é ser uma Caymmi quando estou dando entrevistas. Tenho uma visão totalmente afetiva da minha família. Meu avô, meus tios e meu pai são pessoas que fazem parte da minha vida. Sei que são influentes na cultura do país, sei de sua importância histórica, mas o meu contato com eles não se deu por esse aspecto. A minha primeira memória é afetiva, essas pessoas me deram referências, me deram ideias de caminhos a seguir. São pessoas que têm problemas de saúde, pessoas que têm problemas na família, enfim... Eu só tive a dimensão da importância histórica do meu avô quando o vi sendo velado na Assembleia Legislativa. Achei que ele estaria em uma capela simples no cemitério São João Batista, sabe? E aí a gente passou reto! Eu perguntei: “Para onde a gente está indo?”. Responderam: “Para a Assembleia!”. Quando chegamos, eu o vi em um caixão, no meio de uma sala enorme, com zilhões de artistas e pessoas influentes em volta. Foi ali que me dei conta que aquele velhinho que ficava na sala conversando comigo era o grande Dorival Caymmi. Se eu tivesse em algum momento parado para pensar que estava falando com um ícone da música popular brasileira, eu não conversaria com o meu avô. Antes de tudo, vem o afeto, entende?


BD – Além do seu avô, você é sobrinha de uma das mais importantes cantoras do país e possui um timbre muito parecido com o dela...

Alice Caymmi – Já aconteceu de algumas pessoas não saberem quem eu era e falarem: “Nossa, sua voz lembra muito a da Nana Caymmi”. E parece mesmo! Isso é inegável, temos timbres parecidos. Mas é uma coisa complicadíssima! Porque eu não vim para substituí-la e não estou aqui para imitá-la. Já tenho as minhas próprias referências que são diferentes das dela. Lógico, algumas são iguais. Por exemplo: Billie Holiday é uma referência que a gente tem em comum, porque é o timbre negro... Um timbre que parece com o nosso. Foi-se o tempo em que eu imitava minha tia, mas a voz vem sempre na frente, né? Ela chama a atenção. Eu abro a boca e soa parecido. Agora, ela tem 71 anos e eu 22. Não tenho a mesma carga dramática que ela tem. E também não temos o mesmo repertório. Eu tomo muito cuidado com isso. Tento fazer as minhas próprias músicas, sendo que a minha tia não é compositora e não toca nenhum instrumento. O fato de eu ser a primeira mulher da família a compor é muito importante. Isso me dá uma liberdade enorme e me liberta de um peso... Porque as pessoas querem que eu traga essa ancestralidade. Eu trago sim, mas de outra forma, menos óbvia. 

BD – Você poderia facilmente ter ido por um caminho mais convencional, tornando-se uma cantora eclética ou algo assim...

Alice Caymmi – Sem dúvida! Mas ninguém aguenta mais isso! Muitas carreiras são pensadas como se fossem produção em série. É o que acontece em qualquer mercado. Se algo funciona, aquilo irá se repetir como um padrão. Não estou dizendo que a maioria das cantoras seja assim, mas estou dizendo que existe esse arroz com feijão. E aí, quando não há um aprofundamento, o trabalho pode ficar bem chato mesmo. A gente não pode esquecer que existe a necessidade de se consumir o novo! Por isso a importância desta nova geração. Além de terem um frescor e serem responsáveis por uma renovação de repertório, os artistas de hoje possuem características muito pessoais e originais. A Tulipa [Ruiz] é muito singular. O Letuce também. A Letícia [Novaes] e o Lucas [Vasconcellos] são extremamente fiéis ao que acreditam e levam isso até as últimas consequências. O problema, no meu caso, é que ser fiel a mim mesma é ser fiel também às minhas origens, à ancestralidade. Mas isso não quer dizer que irei reproduzir um discurso antiquado.


BD – Falando em Letuce, você parece ter uma relação muito estreita com a Letícia e o Lucas...

Alice Caymmi – Eu falo muito, muito, muito do Letuce porque o trabalho deles é de uma sinceridade enorme. Eu me apaixonei totalmente pela Letícia! Fico totalmente sem ar. Para mim, ela é a maior potência desta geração. Uma potência emotiva, uma potência bem humorada, inclusive em relação aos seus próprios dramas. O contato com o Letuce me ajudou a quebrar uma série de paradigmas. A Letícia canta: “Eu não tenho ouvido para afinação, eu estudei teatro”... eles abrem o show com essa música! Eu tenho vontade de parar o espetáculo e gritar: “Eu não tô nem aí pra isso! Eu não tô nem aí pra afinação! Olha o que você está transmitindo!”. É de uma delicadeza, de uma sutileza, de uma sofisticação... Outra pessoa que é muito importante para mim é o [artista plástico] Lôu Caldera. Eu cresci junto com ele e até hoje temos conversas intermináveis a respeito de arte, dos problemas da nossa geração, da lapidação dos sentimentos e do entendimento das coisas. Ele me ajudou a não ser mais uma musicista careta que gosta disso e não gosta daquilo. Esse pensamento é fascista e pode ser muito castrador para alguém que trabalha com arte. Quanto mais você abre o leque, quanto mais você entende que a arte é repleta de possibilidades, mais você toma consciência do seu trabalho e do que realmente pretende com ele. Como a Cibelle. O que é a Cibelle, gente?! É a estética do cagado! Eu piro com isso! Ela usa saco plástico como roupa! Ela é louca! Essa mulher é uma artista fantástica! Você não é capaz de aprisioná-la em um estilo ou rótulo. Eu quero ter essa mesma liberdade de poder estar sempre em busca de algo, de estar sempre em mudança. Quero me dar esse direito. Gosto de pagode, ouço funk e procuro saber de tudo, compreender e absorver as coisas que estão ao meu redor. Fiquei encantada com MC Marcinho e o grupo Fundo de Quintal. Hoje, me apaixonei por um taxista pagodeiro! Ele era sensacional! Resolveu me mostrar algumas músicas de que gostava. Eram realmente válidas, engraçadas, divertidas e swingadas. Enfim, sempre ouço o que me apresentam. Eu mesma me eduquei a isso. Veja o caso do Caetano: nesses três últimos discos, ele conseguiu chegar ao cerne, ao núcleo duro de sua música. Quantos anos ele tem?! 70! E só agora conseguiu! Chegou! É isso! Ele fez tudo o que fez para poder fazer o trabalho mais minimalista, arquitetônico, bauhaus que poderia fazer. Pra mim isso é bauhaus! É muito impressionante! E eu penso: “Quero estar sempre nesta busca”. Caetano devora tudo, inclusive o que faz. Ele está ligado na nova geração, está ligado com o mundo, ele está ligado com o universo! E isso é muito bacana. Quero ter sempre este comportamento enquanto artista. E tanto ele, quanto o Letuce, o Lôu e a Cibelle me apresentaram essas ideias que são absolutamente fundamentais para mim e para a minha carreira.


BD – Você parece dialogar bastante com seus companheiros de geração...

Alice Caymmi – Cara, eu faço questão. Faço questão mesmo. Em um primeiro momento, por conta da minha origem, fui colocada em um pedestal. As pessoas diziam: “Você não pode se misturar, tem que se valorizar”! Mas dane-se, fui procurar a minha turma. Só conseguiria adquirir uma identidade própria se eu saísse do circuito familiar e buscasse as minhas próprias referências. E só se consegue isso circulando por aí e tocando com outros artistas. É isso o que eu quero para o resto da minha vida! O diálogo é muito comum na minha geração. Nós nos movimentamos muito. Existe um espírito colaborativo. Você vê isso claramente na galera de São Paulo.

BD – E quanto ao Rio? Você acha que a cena carioca tem uma cara ou algum fio condutor?

Alice Caymmi – A música está cada vez menos voltada para a cidade onde está sendo produzida. A tendência é as pessoas se voltarem mais para dentro, sendo, com isso, absolutamente sinceras. O universo interno é que está direcionando os trabalhos dessa geração. O que interessa é o subjetivo. O resto não importa mais. Diversas canções descreveram o Rio de Janeiro e São Paulo. Na verdade, todo o Brasil já foi descrito! Já foram criadas inúmeras identidades regionais. A gente não tem mais o que retratar a não ser nós mesmos. O que vejo em comum nos artistas que admiro é a valorização de uma subjetividade, além da fidelidade a si próprios.

BD – Como foram as críticas em relação ao seu primeiro trabalho? Alguma chegou a incomodá-la?

Alice Caymmi – Os textos que escreveram sobre o álbum foram bem bacanas. Recebi críticas excelentes do Mauro Ferreira e do Marcus Preto. Falaram mal da execução do disco, que é a parte que veio toda “zuada” mesmo, e elogiaram o meu lado autoral. Mas não acredito que esse disco ainda me represente. Já foi. As composições que estão nele tiveram uma vida breve. 

BD – Você compôs boa parte das músicas desse seu primeiro disco na adolescência. E agora? Tem composto?

Alice Caymmi – Agora estou travadíssima. Um ano travada. 

BD – E aí?

Alice Caymmi – E aí que estou em pânico! [Risos]. Como todo mundo fica. Em pânico, totalmente em pânico! E trabalhando a interpretação.

BD – E a sua família? O que ela achou do disco? 

Alice Caymmi – Eles não quiseram saber. Não quiseram se meter. Minha tia Nana falou: “Ah, legal”. Mas eu não cheguei perto deles e perguntei: “O que vocês acharam?”. Eu não pedi para que ouvissem o meu disco. Na verdade, ninguém ouviu antes dele ficar pronto. Quando chegou a versão física, eu chamei o meu pai e disse: “Ah, toma o meu disco” e fui dormir. Ele pode ter achado a coisa mais maravilhosa do mundo, mas fez questão de não falar. Meu pai está muito próximo de mim para conseguir ter uma visão crítica. E ele entendeu esse fato. Meu tio Dori tem muito orgulho do que sou, pelo fato de fazer o que quero e me interessar por outras artes. Quando ele tinha a minha idade, lutou muito para ser o que é hoje, um compositor, um maestro. Então, ele sabe a barra que é isso. Perguntaram há pouco tempo para a minha tia Nana o que ela achava de mim. Ela falou: “Alice é do rock, mas canta com muito sentimento”. E não disse mais nada! [Risos]. Esse distanciamento me protege muito como artista, sabe? Esses três irmãos foram as pessoas mais generosas que eu poderia ter na minha vida. São irmãos, são unidos, com os problemas que todos têm. São pessoas dificílimas de lidar, inclusive conhecidas no meio por conta disso. Meu tio é rigorosíssimo, minha tia Nana tem uma lógica absolutamente pessoal e enlouquecedora! Meu pai é um doce, mas é um pouco complicado também. E eles foram importantíssimos para a minha carreira justamente por conta desse distanciamento. E também pela vigília. Eles se alternavam na vigilância desse membro novo da família. Eu fui muito bem cuidada. Fui observada à distância para que pudesse ter meu próprio caminho. E isso foi a coisa mais maravilhosa que eles puderam fazer por mim.

BD – Por falar em pessoas difíceis. Seu tio Dori foi abertamente contra o tropicalismo, não?

Alice Caymmi – O meu tio achava tudo aquilo uma merda! [Risos]. Alguém tinha que achar aquilo tudo uma merda! [Risos]. O [Jards] Macalé estava falando comigo outro dia e eu me lembrei de algumas das suas pendengas. O Jards conseguiu discutir com todo mundo! E é fantástico, porque as suas brigas são muito emblemáticas. Ele brigou com a bossa nova e com a MPB. Brigou mesmo [enfática]! E isso é genial! Eu falei: “Olha só, Jards, acho isso de um vanguardismo!”. Porque alguém tem que mandar a bossa nova tomar no cu! Ninguém faz isso! E essas divergências são riquíssimas. Imagine se fôssemos todos tropicalistas?! Nós perdemos essa vontade do embate! Ninguém discorda mais de nada. Mas discordar é muito rico! Não é falar mal! Falar mal é pra gente idiota. É discordar, é divergir. É discutir por causa de um acorde! Como o meu tio Dori e o Jards! Eu tendo a amar a contracultura mais do que tudo! Amo quem diverge, amo quem discorda! Mas também pertenço à “culturona”. Um dia desses, eu botei meu disco para uma pessoa ouvir e ela falou: “Ah, está muito MPBzona”. É que uma faixa do meu disco tem essa pegada, a “Arco da Aliança”, mas fiz de propósito. É a minha música mais radiofônica.

BD – A intenção era essa, então?

Alice Caymmi – E qual é a vantagem de ser radiofônico hoje em dia? Com a quantidade de jabá que tem?! Não vou deixar de dizer abertamente que estou com uma dificuldade tremenda de colocar a minha música nas rádios. A rádio da minha geração é a internet, é o YouTube. Mas ainda é um público um pouco restrito. Se eu puder pegar os ouvintes das rádios, eu vou pegar, mas me recuso a ser conivente com esse esquema imundo! Eu tenho verdadeiro nojo de quem faz isso. Porque quem colabora com esse sistema está promovendo um estrago enorme em nossa música! Já ouvi artistas falando: “Ah, tenho esse dinheiro aqui, vou investir na minha carreira!”. Caramba! Ele está fazendo a maior besteira! E os caras das rádios ganham muito dinheiro com isso!

BD – Além dessa questão das rádios, a cena carioca sofre bastante com a falta de incentivos, não?

Alice Caymmi – É muito difícil ganhar dinheiro aqui, cara! Vou te falar: São Paulo me puxa! Recebo muitos convites de lá. Aqui rola muito de vez em quando. Então... tome viagem pra São Paulo! [Risos]. E não é só para show. Tenho amigos músicos que moram lá e que me convidam para trocar ideias. E tem também a imprensa! O Marcus Preto é maravilhoso! Depois do lançamento do meu disco, a gente conversou e ele abriu algumas portas para mim. Eu me lembro dele ter falado: “Ah, você tem show marcado em São Paulo? Não?! Então vamos agitar isso!”. Então eu fico aqui babando para estar em São Paulo de novo. E morrendo de saudade do Rio quando vou para lá. Mas, puxa vida! O que está faltando no Rio?! O que São Paulo tem que aqui não tem?! Será que é o comportamento do carioca? Será que a gente tem uma cultura tão nefasta assim? Ou será porque São Paulo é uma cidade muito maior, com outra história? Eu me sinto carne moída quando volto de São Paulo! Porque você vai lá e eles querem você. Existe uma sede, uma vontade de consumir cultura. É outra postura em relação ao artista. Eu sinto isso. Aqui tem alguma coisa que eu não sei o que é que acaba impedindo o crescimento da cena! A gente tem que parar de ficar sentado reclamando e tentar entender o que está acontecendo. Se esse caminho não é o certo, qual será? Estou muito interessada em tocar em novos lugares, levando meus trabalhos paralelos, de experimentação. Porque o meu trabalho principal é caro e não dá pra fazer com baixo orçamento. Mas o de experimentação eu faço questão de fazer em casas como o Comuna, por exemplo. Eu adorei me apresentar no Oi Futuro, mas é impressionante como é difícil levar o público para lá! É complicado chamar público no Rio. Uma assessoria de imprensa mediana está cobrando uns três mil reais por mês! E a gente não ganha nem 300 por show! A maior parte dos músicos não ganha nada! Então, o que é que a gente pode fazer? Divulgar pela internet? Rola, mas... E se a gente se unisse? E se fizéssemos festivais? E se a gente fomentasse a cena? Como foi em São Paulo. Há algum tempo, saiu toda a galera de lá na capa da Serafina. Eu fiquei muito orgulhosa, muito feliz mesmo! Eu pensei: “Nossa, que máximo!”. E aí você chega ao Rio e lê aquela matéria tendenciosa a respeito da Sílvia Machete e da Cibelle! O jornalista ficou jogando uma contra a outra! Que coisa mais ridícula! Deplorável! Aqui a gente só leva porrada! Além disso, você também vê artistas da nova geração falando mal de colegas! É a coisa mais mesquinha que existe! O que sempre penso é: “Quem sou eu?”. Quem sou eu para falar? A pessoa está ali fazendo o trabalho dela, está fazendo o que pode, eu sei a barra que é! A dificuldade que é! Chega o fim do ano e você acha que vai morrer sozinho e falido! Passando fome! Porque não tem trabalho! [cantarola] “Então é Natal”! Desculpe, gente, mas vou lançar disco de Natal também! [Risos]. Que dificuldade é essa? Ao invés de ficar nessa dizendo que fulano é isso e sicrano é aquilo, a gente tem mais é que circular, conhecer as pessoas e trocar ideias!

BD – Você chegou a fazer um show na Comuna: Alice Caymmi + Trilha...

Alice Caymmi – Aquilo foi uma experimentação. Eu faço muito isso. Quando aparece uma oportunidade em um lugar que eu sei que pode ser feito um projeto paralelo, eu abro para a experimentação. Acho muito importante. Tenho meu show, todo ensaiado cuidadosamente, e tenho os projetos paralelos em que busco novas possibilidades. Nessa última experimentação dei destaque ao meu lado intérprete, que é algo que sei que tem seu lugar. Não tenho dúvidas a respeito disso. Existe um público para esse tipo de show, entende? Mas pretendo trabalhar mais o meu lado autoral, buscando novos caminhos. 

BD – Por falar em busca de novos caminhos, a Björk é uma das suas principais influências. Poderia comentar a respeito?

Alice Caymmi – Eu tinha 16 anos quando a ouvi pela primeira vez. Era o “Medulla” [2004]. Esse disco foi uma grande cisão em minha vida. Antes de ouvi-lo, eu tinha outra ideia do que era música, letra, melodia e harmonia. As minhas referências de canto eram bem diferentes. Descobri com ele que a canção não era só aquilo que eu sabia e que havia uma possibilidade de quebra e de experimentação. Que uma cantora, uma intérprete, pode usar a sua voz até as últimas consequências. Björk foi responsável por uma grande virada na minha vida. Até então eu ouvia rock’n’roll e, convenhamos, não há nada mais velho, mais óbvio, do que rock’n’roll. A Björk me despertou para a música eletrônica. Mostrou que não era só repetição, que havia uma gama enorme de texturas. E também me apresentou uma plasticidade que vinha junto ao som. Comecei a me interessar por artes plásticas, teatro, literatura e filosofia. Ela, Matthew Barney e a Marina Abramović são artistas que abriram a minha cabeça para o mundo e para a arte feita hoje em dia. Uma arte que toca as pessoas e que, mesmo trazendo certo experimentalismo, não soa hermética. Uma arte que quando você ouve, vê e sente, detecta o seu sentido, não precisando que alguém a explique. Isso me encanta. 

BD – Ouvindo essa sua fala dá para imaginar que o seu próximo disco será, no mínimo, arrojado...

Alice Caymmi – É. Eu sou muito intensa. O primeiro disco já foi uma tentativa de quebrar certos paradigmas. Mas ele ainda estava calcado em ideias antigas. Agora sinto que o segundo disco vai ser um rompimento ainda maior. Vai ser doloroso, mas será importante. Porque eu realmente tenho parte da história da música brasileira nas minhas costas. Então vai ser complicado para muita gente que espera algo careta. Até agora, as brechas que eu tive para a grande mídia foram em trabalhos convencionais, pesados e velhos. É apavorante isso! As pessoas tentam o tempo inteiro me colocar em uma burca. Inclusive seria mais confortável se eu andasse de burca por aí! Mas prefiro sair toda descabelada, botando a bunda na janela! [Gargalhadas].





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