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fotos: daryan dornelles |
Presente nos periódicos brasileiros desde a segunda década do século XIX, por um longo tempo a crítica musical limitou-se à produção erudita. Gonçalves Dias, José de Alencar, Martins Pena, Joaquim Manuel de Macedo e Machado de Assis foram ilustres colaboradores dos jornais da época. Entretanto, em sua grande maioria, as críticas eram limitadas à descrição detalhada dos espetáculos operísticos e teatrais, além de divulgar intrigas, desavenças e polêmicas de seus bastidores. No início do século XX, ainda voltada para a música erudita, a crítica ganhou contornos literários, com Mário de Andrade, Murilo Mendes e Otto Maria Carpeaux sendo estes responsáveis por diversas resenhas em jornais e revistas. Somente após a Segunda Guerra, com o avanço da indústria fonográfica e o surgimento da cultura de massa, os periódicos passaram a dar atenção à musica pop, surgindo neste período as primeiras publicações voltadas ao gênero. No exterior, destacaram-se a inglesa New Music Express (1952) e a norte-americana Rolling Stone (1967). No Brasil, tardiamente, surgiram a Geração Pop (1972), Somtrês (1979), Pipoca Moderna (1980) e Bizz (1985), todas extintas atualmente.
Se, já em seus primeiros anos, a crítica musical brasileira já despertava animosidades, no decorrer de quase dois séculos e já devidamente adaptada ao formato pop, manteve-se, grosso modo, distante de uma efetiva análise estética ou musical. Muito mais preocupada em promover e abalizar novas tendências, a crítica tornou-se fomentadora de um circo midiático fortemente atrelado aos anseios do mercado fonográfico e, principalmente, aos caprichos de editores e redatores. Mesmo com a derrocada da indústria de discos e o impressionante avanço de sites e blogs independentes, o que se viu na última década foi, salvo raríssimas exceções, a reprodução dos mesmos modelos encontrados nos jornais e revistas tradicionais.
Pode-se questionar se esta perspectiva não seria um tanto natural em se tratando de um produto que, embora criativo e sujeito a preocupações estéticas, é submetido às leis de mercado. Mesmo os músicos independentes se vêem por vezes atrelados às grandes corporações para viabilizar seus projetos e dar continuidade às suas carreiras. Indo mais além, a própria cena musical contemporânea brasileira tem suas origens em artistas que, em maior ou menor grau, foram assimilados pela indústria de entretenimento, caso dos tropicalistas e do movimento manguebeat. Contudo, esta estrutura acabou criando um paradigma que vem se acentuando nos últimos anos: O ineditismo se tornou uma necessidade não mais exclusiva dos anseios estéticos do artista, mas também das grandes corporações e dos veículos de comunicação, objetivando a criação de tendências e comportamentos de consumo massivo. Se, por um lado, a música popular é fruto de contingências históricas e sociais, prevalecendo um amadorismo nato que a despe dos cânones acadêmicos e a torna um produto sedutor aos olhos da indústria e da mídia, por outro, chega a ser constrangedor que boa parte das resenhas dedicadas a ela não se atente aos seus elementos básicos - melodia, harmonia, ritmo, timbre, etc - ou mesmo a questões tecnoestéticas relativas à sua produção. Assim, o crítico musical acaba por deixar à mostra seu crivo ambíguo e por vezes perverso, onde a inaptidão ou a falta de interesse fazem de sua escrita nada mais que uma curadoria de suas predileções.
Assunto polêmico e que volta e meia vem à tona, o papel da crítica musical foi um dos temas abordados nesta acalorada entrevista com o produtor e multinstrumentista Kassin. Membro fundador da Orquestra Imperial, Kassin integrou o projeto +2, ao lado de Moreno Veloso e Domenico, o eletrônico e experimental Artificial e a banda Acabou La Tequila, considerada por muitos como uma das precursoras da atual cena musical brasileira. Sendo o produtor mais influente desta geração, Kassin esteve presente nos álbuns “Eu não peço desculpas” (2002), de Caetano Veloso e Jorge Mautner; “Cantada” (2002), de Adriana Calcanhotto; “Ventura” (2003) e “4” (2005), do Los Hermanos; “Sim” (2007), de Vanessa da Mata; “Peixes Pássaros Pessoas” (2009), de Mariana Aydar; entre outros. Também foi responsável pela trilha sonora do anime Michiko e Hatchin (2008) e de diversos espetáculos e programas de TV. Em 2011, finalmente lançou seu primeiro álbum solo, o elogiado “Sonhando devagar”.
Figura essencial para a compreensão da cena musical brasileira contemporânea, Kassin foi convidado pelo Banda Desenhada para esta entrevista. Em meio às gravações de uma trilha sonora e do novo álbum de Wilson das Neves, acabamos por levar o produtor para um local no mínimo inusitado: o anexo da Paróquia de Santa Cruz de Copacabana, localizada na cobertura de um antigo shopping, onde funciona uma escola de alfabetização. Lá, Kassin falou, entre outros assuntos, de seus trabalhos e das últimas polêmicas envolvendo os seus colegas de geração.
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